Marcus Valerio XR

5 Meses depois.
50 mil anos-luz longe da Terra

O imenso sol avermelhado visto da janela fotocromática deveria ser um alívio para Edikar, após tanto tempo de viagem. Passara por 17 sistemas estelares, seguindo a trilha dos Anéis Espaciais que conduziam até esse lugar, tendo inclusive passado por um Portal Espaço Temporal Natural estável, cuja travessia ele até já havia se esquecido não ser a mesma coisa que cruzar um Anel Espacial. Isso sem contar as longas semanas acelerando para entrar no Hiperespaço, os dias dentro dele, e as outras semanas desacelerando após sair dele.
Mas a sensação de conseguir chegar ao seu destino era confrontada com a sensação desagradável de ter que se desculpar e se explicar para alguém que só agora ele iria conhecer pessoalmente.
A nave que orbitava o planeta rosado emitiu uma pequena outra nave que desceu e entrou na atmosfera. O visual era uma das coisas mais belas que Edikar podia conceber, era como entrar no nirvana.
Por fim a nave pousou e ele desembarcou, não num porto espacial, mas numa agradável floresta repleta de flores das mais variadas cores e formas.
Alguém de faro sensível poderia passar dias apenas diferenciando os inumeráveis aromas que impregnavam o ar, e olhar o sol avermelhado por entre aquelas árvores era uma sensação que poderia muito bem descrever o que seria contemplar Deus diretamente.
Caminhou por extensos jardins observando o exuberante cenário. Algumas árvores tinham folhas luminosas, cachoeiras pareciam emitir sons melódicos e algumas criaturas voavam pelos céus, saltavam entre as árvores ou corriam pela relva. Era fácil esquecer que a gravidade do planeta era sensivelmente maior que a da Mãe-Terra.
Subitamente começou a ser abordado por algo que definitivamente ele não esperava. Tinham a aparência de meninas jovens, adolescentes, luminosas em cores que variavam, pequenas e angelicais, que levitavam delicadamente como fadas e cantavam músicas envolventes.
Algumas o tocavam e até o puxavam para um ou outro lado, mas ele tinha que seguir em frente, caminhando longos trechos a pé, uma exigência do excêntrico proprietário daquele mundo. Sim, pois o mundo pertencia a um único indivíduo, e sua população, descontando aquelas ninfas, não deveria chegar a casa de uma centena apesar do planeta ser maior que a Terra.
Finalmente chegou a torre que parecia esperá-lo. Era imensa, parecia ter kms de altura e tinha coloração rosada e violeta, um visual arrojado apesar de exótico. Ele tomou um elevador que subiu suavemente apesar da discreta aceleração, e finalmente desembarcou no topo, numa sala vazia e escura.
Começava a anoitecer, e apesar do sol avermelhado já ter se ido no horizonte, uma pequena nebulosa rosada podia ser vista do outro lado, trazendo mais luminosidade. Mas o céu em geral era desprovido de estrelas, o que era compreensível, visto que aquele sistema se situava num extremo da galáxia, e a nebulosa era a primeira coisa extra galáctica nítida que ele via diretamente em toda a sua vida.
Edikar tinha passado de 2/3 da idade média de um humano terrestre, mas continuava de aparência jovial, embora parecesse acima do peso médio para seu tamanho, o que era raro atualmente na Terra.
O silêncio foi quebrado por algumas ninfas que surgiram e começaram a circular a sua volta, graciosas e sorridentes, até que um som distinto, melodioso mas sério, e incrivelmente divino e sedutor, as fez sair da sala faceiramente, com olhares sapecas.
Edikar olhou para todos o lados, então finalmente ouviu o som de ar se deslocando subitamente de um ponto logo atrás dele, viu uma luminância avermelhada surgir brevemente, e então se virou, e se deparou com seu anfitrião.
Nunca se sabia qual seria sua altura, pelo que conhecia, ele costumava variar de 1,70 a mais de 2m dependendo da ocasião, mas neste caso, estava da altura de Edikar. Tinha longos cabelos negros e lisos, e lembrava um antigo indígena sul americano, embora de uma beleza expoente.
- Seja bem vindo Edikar Baren.
Era impossível não sentir um arrepio quando ele falava, apesar da bela voz, muito grave, perfeitamente empostada como a de um locutor profissional. Mas havia algo nela, algo perturbador.
- Minhas saudações, Lord...
- Sabe que não aprecio títulos meu caro Edikar.
- Sim. Claro. Como quiser.
- Percebo que está um tanto tenso. Por favor. Saiba que estou sim bastante chateado por certas contingências da operação, mas considerando as dificuldades e sua disposição a vir até aqui para me falar pessoalmente, acredite que seu conceito comigo apresentou uma variação positiva.
Não que Edikar não previsse tal possibilidade, mas não deixou de se surpreender e ficar mais a vontade, apesar de permanecer de pé assim como seu anfitrião, ainda que houvessem poltronas no ambiente.
- Creio que você deveria ser mais cuidadoso. Eu lhe pedi que facilitasse o acesso deles a alguém com poderes vitais extremos e que não fosse conhecido pelas Cidades Utópicas. Bem como os ajudasse na aquisição de equipamentos. Mas eu lhe avisei que eu não tinha controle sobre todos os detalhes e que qualquer sinal de perigo deveria ser motivo para denunciá-los diretamente para o Conselho Octal.
- Bem... Confesso que eu falhei em avaliar a periculosidade da situação.
- Eu também. Mas tenho a desculpa de estar a 50 mil anos luz de distância.
- Talvez tenha sido o fato de que os dois auxiliares eram muito eficientes, simpáticos e convincentes, e como não conheci diretamente o Astro Clone fiquei com uma impressão exageradamente positiva de tudo.
- Entendo. Mas você é um Meta Natural, e conhece praticamente todos os Meta Naturais não registrados da Mãe-Terra. Sei muito bem que entre eles há quem poderia lhe ajudar a compreender melhor com quem você lidava.
- Confesso também que... Bem. Ele era algo... Tinha algo de você. Isso me deixou confiante.
- Logo vejo que você não me conhece. Não me responsabilizo por nenhuma atitude de meus Astro Clones, cuja grande maioria foi feita sem o meu consentimento e alguns até sem meu conhecimento. E mesmo que sim, eu não deveria despertar confiança e tranquilidade em qualquer situação.
- Discordo. Eu não consigo ver dessa forma.
- Ah meu caro Edikar. Venho lhe observando há algum tempo, e garanto que entendo que você está tentando ser sincero. Mas não pense que pode esconder seus sentimentos conflitantes a meu respeito.
- Não é isso. É que...
- Juro que se eu soubesse que ele tentaria usar um Anti-Vida contra humanos eu mesmo o teria destruído sem pensar duas vezes. Mas você sabe que já fui capaz de tomar algumas medidas drásticas que tenho certeza, assustam você. Sendo assim, como pôde depositar tanta confiança em um de meus Astro Clones?
- Isso foi há muito. Talvez se eu o tivesse conhecido pessoalmente antes.
- Além disso, eu deixei claro que assim que ele conseguisse entrar no Soma Clone o Conselho Octal deveria ser imediatamente alertado para que os Super Metas da Mãe-Terra o destruíssem! Até agora não entendi porque não o fez?
- Primeiro, confesso que tive dificuldades em me comunicar com eles assim que entraram na base, eu não soube exatamente quando ocorreu a fusão. Segundo que quando ocorreu, me pareceu já terem sido tomadas as providências necessárias.
- Não brinque comigo Edikar! Qualquer Meta Natural deve ter sentido quando ocorreu! Você devia ter sentido! Além disso o Conselho Octal demorou para tomar as medidas necessárias porque ainda teve dúvidas mesmo logo depois da fusão. Se você os tivesse avisado imediatamente da situação, ou mesmo um pouco antes. Eles não teriam hesitado o tanto que hesitaram em usar o canhão de Anti-Matéria contra o Deomi-Zate. Não teriam perdido tempo lançando ataques nucleares nem depositando esperança em Super Metas para acabar com ele, que ainda perderam tempo com aquela simulação ridícula de robios fajutos fingindo tomar a base.
- Eles tinham esperança na Hiper Meta Natural foto silicônica, Seinel.
- Eu também tinha. Mas faltou você avisar a ela que um Deomi-Zate não pode ser detido simplesmente na força bruta, salvo quando tão ou mais bruta que um disparo de Anti-Matéria.
- Eu... Eu precisava. - E Edikar temeu confessar.
- Você queria fugir. Eu entendo. Se avisasse a tempo as Cidades Utópicas não teriam deixado você sair do planeta, e provavelmente estaria até hoje contido na Mãe-Terra e sendo investigado.
- Eu... É que acabaria ficando clara minha ligação com o senh... Quero dizer, com você. Eu não queria expô-lo.
- Tudo bem. Eu te perdôo. Mas apenas por considerar que tudo estava sob controle de um plano maior, e que mesmo suas falhas faziam parte dessa arquitetura superior. Talvez isso tenha nublado sua inteligência e sensatez. Mas não podemos deixar de considerar que não fosse esse verdadeiro milagre, meu planeta natal poderia ter sido seriamente avariado. E tenha certeza Edikar... Eu não gostaria nem um pouquinho disso.
- Concordo. Eu realmente admito que menosprezei o risco, admito que sinceramente acreditei na remota possibilidade de obter um clone estável, mas afinal o objetivo mais provável era mesmo destruir o Astro Clone e o Deomi-Zate. O problema é que se tudo só era possível permitindo a fusão, e que sabíamos que a fusão poderia trazer resultados imprevisíveis, como seria possível prever o risco?
- Não seria. Seria necessário apenas que você estivesse junto deles, ou enviasse Super Metas de confiança. Admito que foi uma idéia genial expor os Iones para aquelas ninfomaníacas nômades e depois contratar o Dai-Haime para resgatá-los. Isso irritou meu Astro Clone o suficiente para que ele cometesse erros. Mas nem para o Dai-Haime você deixou clara sua intenção.
- Confiei na intuição dele. E em seu conhecimento sobre o assunto.
- Confiou demais. Além disso foi um erro deixar o Teli ter viajado justo no momento da operação, se ele estivesse no planeta a situação teria sido bem mais administrável.
- Como eu poderia impedir sua viagem?
- Edikar! Se um homem como você não tiver influência sobre os Meta Naturais da Mãe-Terra então eles são um caso perdido. Que espécie de defensores planetários seriam esses que não dariam valor a um apelo seu?
- É... Creio que tem razão. Mas de qualquer modo não podemos mudar o passado. E tudo terminou bem. As fatalidades ocorridas não alteraram significativamente a situação do planeta e aqu...
- Mas sabe o que realmente me deixa mais tranquilo Edikar? A ironia da situação. Será que tudo isso não passou de um plano do Universo para criar uma boa piada?! Eu não imaginaria que no final de tudo, o planeta seria salvo por uma Amazona Dariana Ninfomaníaca! Ha ha ha ha... Não vejo a hora de contar ao Bentom. Ele vai adorar!
A risada tinha um indiscutível quê de demoníaco, mas mesmo assim tornou a situação mais tranquila, e enfim puderam conversar sobre assuntos menos delicados, até que uma voz com o mesmo som melodioso e encantador que Edikar ouvira antes surgiu no ambiente, após outro breve deslocamento de ar que sugeria um teleporte.
- E agora deixe-me lhe apresentar minha esposa.
Ele se virou, já pressentindo que se depararia com algo muito especial, mas não estava preparado para a visão que teve. Era uma mulher de beleza indescritivelmente divinal, acima de tudo o que ele podia imaginar. Era muito alta, devia ter uns 2m, esbelta, ruiva e de cabelos curtos, vestida num vestido violeta justo do pescoço até a cintura e então se abrindo numa vistosa saia.
Mas Edikar não conseguia imaginar quem ou o quê podia ser. Não era uma visão comum, parecia um delírio e ao mesmo tempo a sensação de ser arrebatado para diante da face feminina da beleza do Universo. Edikar era um homem muitíssimo controlado, mas se sentiu quase esmagado pela beleza e transbordante poder daquela mulher.
- Essa é minha companheira e aliada. E sim, pode chamá-la de Senhora se quiser. A maior parte da decoração deste planeta se deve a ela. Diz que a faz lembrar seu mundo natal.
- Eu... Eu estou encantado.... Senhora...
E o olhar hipnotizante da mulher embora silencioso, parecia penetrar na mente de Edikar, de forma que ele nem precisava dizer nada. Seria ela de SEILA? É só de onde ele julgava ser possível aquela deusa. Ou seria o que ele estava pensando, tudo parecia que sim! Seria mesmo ela? Uma antiga personagem de lendas do início do século XX da Terra?
- Teremos que deixá-lo por uns instantes, temos muito o que fazer. Esse planeta precisa de constante manutenção. Essas ninfas por exemplo, estou desenvolvendo um meio de limitar sua reprodução. Elas são imprevisíveis e se continuarem se multiplicando nesse ritmo daqui a pouco não deixarão mais ninguém neste planeta trabalhar. Bem Edikar, aproveite também para pensar no que irá fazer. Os Super Metas da Mãe-Terra já estão em seu encalço, não duvido que a qualquer momento o Teli apareça por aqui, e seria uma covardia ter que usar minha esposa para convencê-lo a mudar de idéia. Infelizmente você não poderá gozar de nossa hospitalidade indefinidamente, portanto é melhor planejar bem seu próximo passo.
Então finalmente ela falou, ou pensou, era difícil Edikar distinguir, mas ele quase caiu de joelhos ao ouvi-la.
- "Melhor irmos. Quero deixar tudo preparado para a chegada de minha prima.
Minhas saudações senhor Edikar."
E os dois sumiram. Cada qual num breve flash de luz avermelhada só deixando o vazio. Que Edikar soubesse só dois humanos conhecidos em toda a galáxia podiam se teleportar, Teli e DAMIATE, ainda que este último não fosse exatamente o que costuma-se chamar de humano, mas agora havia aquela mulher.
Minutos depois Edikar saia da torre, ainda abalado pela visão que tivera. Desta vez havia uma jovem a esperá-lo em meio às curiosas ninfas. Era de aparência élfica e de pele dourada e o conduziu para seus aposentos.
Ele estava num auto exílio. Tão cedo não voltaria à Terra.

Mas dias depois uma nova nave surgiu, e sobrevoava o belo quadro oferecido pelo planeta rosado e sua metade iluminada imerso no silêncio do espaço.
E outro Super Meta da Terra disse:
- Bem Edikar... Esse é o último lugar que irei procurar.

E seguiu rumo ao lado escuro do planeta, vendo o sol se por no horizonte.


FIM

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