Oi, Marcus
Obrigada pela resposta.

Olá Mari. Foi um prazer e fico muito contente que tenha escrito novamente.

Apesar de ser um valor muito ambíguo, a benevolência do homem está aí para ser cultivada mesmo. A Educação tem sua importante contribuição, por isso a abraço com toda a firmeza e esperança para um futuro melhor.

E eu te parabenizo por isso. Sem essa esperança, que força teríamos para continuar vivendo? Que mundo deixaríamos para nossos descendentes?

Apresentei um seminário na UnB com esse tema, e coincidentemente não passei à margem de suas reflexões.

Já sobre o questão da razão por mim colocada, realmente não havia elaborado bem minha sentença, pois estava em meio a muito barulho aqui no laboratório da UnB. Mas o que desejei ser incisiva, foi sobre o fato inerente em todos nós, infelizmente, de que o capitalismo é irracional na sua irradiação, difusão e expansão.

Entendo o que quer dizer. Há uma clara contradição, mesmo um conflito, entre os interesses do Capitalismo e os da Sociedade Contemporânea, uma vez que esta visa basicamente uma forma de otimizar a vida das pessoas, procurando o melhor meio termo entre direitos e deveres individuais e coletivos. Como o Capitalismo não tem em sua essência qualquer compromisso com o bem estar coletivo, deixar que ele conduza a sociedade é simplesmente auto-destrutivo.

Mas, se tentarmos nos desenvencilharmos dele seria o mesmo que pensar de modo diverso do aceito pela corrente do momento, o que tem um caráter de clandestino e do contra, quase indecente, doentio e blasfemo, e assim socialmente perigoso. Se eu for pensar por conta própria e querer tirar minhas máscaras frente a ele, estarei indo incessantemente contra a corrente. Foi dessa irracionalidade que foi de meu intuito referir, mas devido às circunstâncias, me expressei mal.

No caso então você quis dizer que o que está destruindo nossas vidas é o conformismo com o sistema, onde qualquer sinal de crítica é vista como irracionalidade, e a "razão" no caso seria a racionalidade interna do sistema Capitalista. Muito bem. Concordo.

Até mais
Mariana
Sunday, July 20th 2003 - 09:30:54 AM

Perdão, tive que ir atender o telefone , mas não havia concluído o que nem chegou a ser uma linha de raciocínio.

Pois bem, retomemos então.

Você não deve ter entendido o porquê da minha referência ao sistema capitalista, mas isso não foi desproposital:

Primeiramente, ficou interpretado em minha primeira mensagem, que estava apenas criticando a racionalidade, por ser essa uma grande ilusão, como sendo apenas mais uma ideologia. (Afinal de contas está na moda falar que vivemos numa realidade simulada, 'Matrix", e a academia adora dizer que a cultura ocidental dita racional é privilegiada apenas por uma questão de poder, apesar de a adotá-la estritamente, diga-se de passagem).

É uma concepção de "Racionalidade" bastante restrita, por isso sua aplicação deve ser cuidadosa.

É certo que devemos grandes avanços a essa "racionalidade" ocidental, e, graças a ela, pelo que afirmam os jornais, temos cura até para o câncer.

Acho muito impreciso categorizar as culturas ocidental e oriental como sendo uma mais "racional" e a outra menos, como de fato muitas pessoas tendem a fazer em geral usando respectivamente as palavras "objetiva" e "subjetiva". Creio que "nós" apenas, assim como "eles" (e já é um problema usar os termos desta forma), temos dificuldade em ver a amplitude de nossa própria subjetividade, enquanto pensamos vê-la nos outros.

Mas será que o sistema capitalista nos permite ser racionais, em toda sua plenitude?

Claro que não. A não ser é claro dentro de um âmbito restrito onde possa-se aplicar as regras dos sistemas.

Para começar, apenas analisando epidermicamente como a cultura capitalista, (vista pelo senso comum, como correta e racional), se propaga, vemos aí já uma pinta de irracionalidade... Depois, ao ver todo o desmerecimento colocado por esta cultura sob a cultura indígena, por exemplo, que não visa apenas o lucro e que é praticamente enerte em destruir a natureza, daí vem o que mais me incomoda : o sistema em que vivo é extremamente desumano e irracional, pois tais fatos anulam em seu bojo o que há de precípuo maior e fundamental para a vida: a união e a harmonia dos humanos e a natureza.

Num ponto acho que há um exagero aqui. Acho que nossa orientação esquerdista as vezes se precipita em ver o lado negativo do Capitalismo como se ele fosse o culpado de tudo, quando na verdade ele nada mais é do que uma das respostas de nosso modo de sobrevivência como espécie coletiva na Terra, assim como foram o Escravismo, o Feudalismo, e seriam o Socialismo e o Comunismo. Eles são apenas mais ou menos adequados para certos contextos.

Quando de sua implementação, em geral eles sempre são soluções inovadores que vêm melhorar vários aspectos da sociedade. O Escravismo por exemplo deteve o extermínio de populações inteiras, pois após as guerras os prisioneiros e a cultura perdedora passaram a ser escravizados e assimilados ao invés de simplesmente erradicados, e em TODOS os casos em que se tem notícia sobreviveram e muitas vezes se libertaram posteriormente, conservando então parte importante da cultura da humanidade.

O Feudalismo por sua vez permitiu maior liberdade nas populações oprimidas e uma relação menos hostil com as elites dominantes da sociedade, que deixaram de arcar com custos muito elevados de manutenção de escravos e puderam se concentrar em outros aspectos do desenvolvimento.

O Capitalismo permitiu a organização das classes desfavorecidas em sociedades coesas e melhor definidas, unificadas, que passaram a reinvindicar seus direitos e obtiveram conquistas antes impossíveis aos vassalos feudais, bem como permitiu também uma aceleração no desenvolvimento industrial e técnico, fundamental para a produção de bens materiais em quantidade suficiente para atender uma população crescendo a níveis inéditos.

Não tenho a menor dúvida de que agora o Capitalismo já cumpriu a maior parte de seu papel, e já está dando lugar a novos modelos de sociedade, mesmo porque o Capitalismo que temos hoje é radicalmente diferente do de um século atrás. E que mantê-lo por tempo demasiado seria tão prejudicial quanto seria tentar manter em larga escala um sistema escravista em plena Idade Média ou um Feudalista em plena Idade Contemporânea.

Acho simplesmente absurdo o delírio de alguns em achar que o Capitalismo é um tipo de sistema definitivo, ou um modo espontâneo de organização otimizada de sociedade. Ele apenas é o sistema mais adequado, talvez, num certo contexto, que já está sendo superado.

Outro fato ao qual você se referiu é também bastante relevante. O choque entre culturas radicalmente diferentes como a civilização ocidental dominante e uma cultura indígena primitiva. Esta última seria prejudicada por qualquer sistema, quer fosse Capitalista, Feudalista ou Escravista, e poderia ser simplesmente erradicada numa competição com uma cultura mais forte pré-escravista.

Nosso drama atual é que pela primeira vez na história estamos nos dando conta de como ocorrem esses macro processos sociais, e podemos, ou achamos que podemos, interferir intencionalmente numa evolução social que poderia ser mais espontânea.

O fenômeno que chamo de Inércia Sócio-Cultural sempre ocorre, que é a resistência do sistema à mudança. Desta vez essa resistência é alimentada por uma análise mais aprofundada dos processos, que por outro lado também alimenta a pressão pela mudança, e então parte do conflito inerente da transformação social se transfere para o plano intelectual, e por vezes se perde por lá.

Mas finalizando. É fato que tem havido um tipo de discurso que confunde a conivência com o sistema atual com a atitude mais sensata. É ainda mais claro para mim que o Capitalismo só tem soluções para certos tipos de problemas em certos contextos. Querer que ele seja uma fórmula satisfatória em todas as possibilidades culturais humanas é a meu ver tão estúpido quanto achar que as regras de um jogo de Xadrez são suficientes para elaborar a estratégia de qualquer tipo de operação militar real em qualquer tempo e local.

Sunday, July 20th 2003 - 10:18:18 AM

Foi muito bom dialogar com você Mariana. Obrigado pela mensagem e querendo, é só escrever.

Amigavelmente

Marcus Valerio XR
mv@xr.pro.br
25 de Julho de 2003

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