BATALHAS ESPACIAIS

A REALIDADE FÍSICA CONTRA O ROMANTISMO VISUAL DA FICÇÃO CIENTÍFICA

Canhões recuam ao disparar raios de luz coloridos que se movem pela tela, naves persegue-se em manobras deslizantes, e dezenas, centenas, milhares de pessoas morrem quando as estruturas que habitam são destruídas em explosões barulhentas que espalham fogo pelo espaço.

Qualquer pessoa com alguma experiência em filmes de FC já presenciou as espetaculares batalhas espaciais, momento favorito de 9 entre 10 jovens fãs de filmes como Star Wars, Galactica ou Babylon 5.

É inegável que elas são visualmente arrebatadoras. Desde a clássica Batalha de Yawin, sequência final de combate no mais antigo filme de Guerra Nas Estrelas, até os conflitos entre as arrojadas e exóticas naves da série Babylon 5, as batalhas espaciais tem fascinado milhões de pessoas.

Porém abusam da licença poética, o mesmo público que se rende a seu irresistível apelo em geral sabe que essas sequências de ação no espaço costumam utilizar conceitos tecnologicamente improváveis, eticamente lamentáveis e fisicamente absurdos.

O vácuo do espaço não permitiria os sons ensurdecedores das explosões e nem suas labaredas incandescentes, um raio de luz jamais poderia ser "visto" correndo a tela como se fosse um projétil, e mesmo que pudesse seria pouco eficiente, pois se deslocaria mais lento que um tiro de arma de fogo. As naves em geral se comportam como se estivessem lidando com a resistência do ar, fazendo manobras ao velho estilo de batalha aérea da Segunda Guerra Mundial, e curiosamente, as naves grandes, que funcionam como se fossem porta-aviões, cruzadores e destróiers, estão quase sempre rigorosamente alinhadas numa referência de horizontalidade comum, como se no espaço houvesse um plano de demarcação que obrigasse todas elas a navegarem na mesma orientação angular.

Além disso, por razões tanto humanitárias quanto tecnológicas, é realmente muito pouco provável que possíveis batalhas espaciais travadas por sociedades razoavelmente evoluídas venham a envolver diretamente seres humanos no interior de suas naves de guerra.

Neste texto, pretendo fazer uma análise desta temática, tanto da concepção romântica com que a maioria das obras de Ficção Científica concebe as batalhas no espaço, principalmente na mídia audiovisual, quanto das perspectivas de como poderiam ser prováveis futuras batalhas espaciais, baseadas em concepções que não violem as leis da física e tentem prever com maior cuidado os recursos que deverão existir quando houver tecnologia suficiente para transformar o espaço num campo de batalha, o que por mais que nos desagrade que venha a acontecer na realidade, sempre desejaremos que possa ocorrer na Ficção.

Primeiramente pretendo abordar a concepção poética dos combates espacias e sua evolução desde Star Wars e Star Trek, em seguida fazer um projeção de como deveriam ser algumas batalhas espaciais levando em conta nossa perspectiva tecnológica atual, e por fim tentar, num voto de devoção à FC, propor de um modo mais racional, hipóteses que poderiam aproximar a beleza visual das batalhas espaciais à realidade.

SEGUNDA GUERRA NO ESPAÇO

Pelo menos por enquanto, não me atreverei a tentar analisar batalhas espaciais na FC antiga, antes da década de 70 como os clássicos de Flash Gordon. Primeiro por não os conhecer devidamente, admito envergonhado, e depois porque de fato não chegaram a impressionar tanto as platéias do mundo quanto o que viria a surgir a partir dos anos 70.

Portanto o filme Guerra nas Estrelas e a telesérie Jornada nas Estrelas serão as referências iniciais. Ambos apresentam conceituações de batalha espacial que embora tenham evoluído, respeitam os mesmos princípios até suas versões mais recentes como Episódio II e Voyager, e são consideravelmente distintos.

Guerra nas Estrelas, com sua genial capacidade de traduzir conceitos antigos com novas roupagens, fez de suas batalhas espaciais basicamente uma versão ornamentada das batalhas aéreas da Primeira e Segunda Grande Guerra. Algumas referências são óbvias, como a cabine da nave Millenium Falcon, cuja armação das janelas é idêntica a de um bombardeiro americano B-29, do tipo dos que lançaram as bombas nucleares sobre o Japão.

As naves, principalmente os caças, se comportam como se, tal como os aviões atmosféricos, não pudessem parar de se movimentar, tentam assumir o procedimento clássico de abordagem, tentando se colocar atrás do oponente para alvejá-lo. Não existem projéteis perseguidores como os mísseis infravermelhos da atualidade, obrigando os combates espaciais a serem decididos na mais rústica alça de mira.

As naves maiores fazem uso de canhões "antiaéreos", cujos tubos de disparo recuam como se sofressem a reação de uma explosão de pólvora, e os raios correm pela tela, e ainda que rápidos são perceptivelmente lentos demais para um feixe de luz. A não ser que o blaster, nome utilizado para as armas de raios em Star Wars, seja algum tipo de projétil.

Tudo isso pilotado por pessoas, manobrando dentro das pequenas cabines dos caças usando em geral simplórios capacetes, o que nos leva a deduzir que essas cabines são devidamente pressurizadas e climatizadas, com uma atmosfera respirável, exigindo um considerável estoque de oxigênio. Que talvez poderia explicar parcialmente porque as naves explodem como se estivessem cheias de gasolina. Já nas naves maiores várias pessoas constituem a tripulação, algumas devem inclusive controlar as baterias "anti-aéreas", e a cada batalha o número de mortes é vasto.

Temos então o mesmíssimo estilo das batalhas aéreas do passado, mais especificamente da guerra aeronaval do pacífico, mas numa ambientação espacial, que sugere no mínimo o vácuo e ausência de gravidade.

CARAVELAS ESPACIAIS

Nas poucas batalhas ocorridas em Jornada nas Estrelas temos um estilo diferente. Não há caças, sendo toda a ação protagonizada por naves maiores que se enfrentam diretamente com os famosos phasers e torpedos fotônicos.

O nome torpedo já nos indica que tipo de batalhas realmente ocorridas em nossa história isso sugere. As batalhas navais travadas entre os grandes navios, especialmente da Primeira Guerra Mundial. Porém em muitos casos nas batalhas de Jornada nas Estrelas as naves se aproximam até onde seria possível os tripulantes se verem a olho nu, o que já não ocorria nem mesmo no fim do século XIX, quando o alcance e a precisão dos canhões já permitiam a destruição do oponente antes que houvesse aproximação suficiente para uma visualização clara a olho nu.

Em certas situações inclusive, ocorre a abordagem e invasão da nave inimiga por tropas, e isso lembra muito as batalhas navais travadas entre as rústicas caravelas da madeira dos tempos das grandes navegações, o cenário onde se romantizam os navios piratas, corsários e bucaneiros, em combates que utilizam tanto os velhos canhões bombardas, quando a espada.

É por isso que os combates espaciais em Star Trek podem parecer ainda mais primitivos do que os ocorridos em Star Wars, ainda que no geral a tecnologia seja inegavelmente superior, com direito inclusive a teletransporte.

Os phasers em Jornada nas Estrelas possuem a vantagem de não serem similares a projéteis que se movem na tela, sendo em geral raios contínuos, e curiosamente apesar da tecnologia, não existem artefatos perseguidores. Como as naves evidentemente não possuem qualquer combustível, além de que dificilmente haveria produtos altamente inflamáveis, fica muito estranho que ocorram tão flamejantes explosões de gasolina quando phasers e torpedos de luz as atingem.

Além disso apesar dos inegavelmente avançados e ultra rápidos computadores em Star Trek, todo o procedimento de batalha parece ser realizado manualmente, e ainda mais curioso, submetida às ordens orais de um capitão, apesar de estarem envolvidas tecnologias que permitem deslocamentos mais rápidos que a luz e onde um milissegundo de hesitação poderia ser fatal, mesmo assim, a tripulação espera pacientemente a reação do comandante tanto para disparar quanto para subir escudos.

Mais uma vez o fator humano está diretamente envolvido, tanto no controle de operações que muito provavelmente poderiam ser feitas com muito mais eficiência por computadores, quanto na abusiva perda de vidas humanas, o que em Star Trek, tem um agravante especial.

As naves de combate, pesquisa e exploração são basicamente as mesmas. É muito estranho que numa sociedade onde o humanitarismo tenha atingido tão alto grau, envie-se para perigosas missões de reconhecimento ou mesmo combate, naves recheadas de civis incluindo crianças.

NOVOS CONCEITOS

Star Trek possui exclusividade em seu conceito próprio de combates espaciais, já o de Star Wars serviu de referência a uma miríade de outras obras audiovisuais de FC. De todas, duas merecem destaque especial, as teleséries no final dos anos 70 e início dos 80, Battlestar Galactica e a versão da época para Buck Rogers, cujo personagem original é tão antigo quanto Flash Gordon. Tão bem cuidadas quanto a obra em que se inspiraram, essas telesséries reproduziram fielmente os estilo de combate de Guerra nas Estrelas, importando também todas as licenças poéticas.

Posteriormente a febre por esse estilo de FC passaria e somente no final da década de 90 novas produções viriam a concorrer com Star Trek. A série Space - Above and Beyond, lamentavelmente cancelada após uma única temporada, e a já lendária Babylon 5, que totalizou 5 temporadas e 5 telefilmes, além de uma série derivada, Cruzade, totalizando mais de 130 episódios.

Ambas essas séries trouxeram uma inovação que deveria ser óbvia a qualquer um que conheça um mínimo de física, as naves, mesmo os caças, podem parar a qualquer momento, girar em torno de seu próprio eixo e em qualquer ângulo, o que já exige um ruptura clara com o estilo de batalha aérea predominante do século XX.

Babylon 5 foi ainda mais longe. A maioria das naves não explode quando atingida, e sim derrete e se despedaça, os pilotos das naves humanas vestem trajes de astronauta no interior das mesmas e estas em geral não possuem gravidade interna a não ser quando apresentam setores girantes que a simulam por centrifugação. Foi também em algumas ocasiões, aparentemente, pioneira na percepção de que não há razão alguma pela qual duas naves que se encontram no espaço estejam alinhadas na mesma perspectiva, elas podem surgir em qualquer ângulo em relação as outras, diferente da maioria das outras séries onde não importa como as frotas se encontrem, todas as naves obedecem um imaginário "plano" de posicionamento.

Já nas naves de outras raças ocorrem outros fatos. Algumas até explodem, algumas possuem outros tipos de sistema de gravidade, outras apresentam movimentação mais frenética. Há as naves biológicas e toda uma gama de tecnologias inusitadas.

Mas Babylon 5 ainda incorre em muitas das licenças poéticas do velho estilo Star Wars, a começar pelo som no espaço, a presença maciça de tripulantes, apesar de algumas naves serem automáticas, e outras concessões para escapar da realidade sob a desculpa, por vezes bem fundamentada, de estarmos lidando com tecnologias diferentes das nossas.

O fato é que até hoje não foi realizada uma obra de FC que apresentasse um conceito de batalha espacial realmente verrossímil, pelo menos não em grande circulação e especialmente na mídia audiovisual. Apenas nos videogames é que isso não tem como não ser notado, em especial nos simuladores ao estilo X-Wing ou Starfleet Academy, onde a simples necessidade de se reproduzir uma ambientação espacial, leva a inevitável e sempre surpreendente percepção de que não há planos de orientação no espaço, não há cima ou baixo nem vertical ou horizontal absolutos.

A GUERRA ESPACIAL NO FUTURO

Quer gostemos ou não, a possibilidade que venhamos a ter batalhas espaciais no futuro é real, mas é muitíssimo provável que elas sejam bem menos dramáticas do que a FC tende a imaginar. Levemos em conta para este ensaio as perspectivas de desenvolvimento tecnológico dos próximos anos, sem arriscar qualquer tipo de tecnologia muito revolucionária.

Suponhamos que daqui a mais de um século, duas colônias tenham desavenças, ou para simplificar, que a Colônia de Marte e o Governo da Terra não consigam solucionar pacificamente alguma pendência, e cada qual envie naves de combate em direção ao planeta adversário.

O primeiro ponto a considerar é que a possibilidade de que haja pessoas no interior destas naves é remotíssima. Os computadores serão mais do que suficientes para controlar todos os sistemas, obdecendo apenas a instruções remotas de seus comandos militares que muito provavelmente estarão a salvo em algum local de seu planeta de origem.

Não se trata apenas de exigências humanitárias, que esperamos estar presentes nas sociedades do futuro, mas também de razões práticas. Um nave automática não precisa transportar complexos sistemas de suporte de vida necessários para os seres humanos, não precisará estar cheia de oxigênio, levar água ou alimentos. Poderá se descolar com movimentos bruscos, muito acima dos limites fisiológicos que o organismo humano poderia suportar. Como dificilmente a coordenação motora e os reflexos humanos serão páreo para máquinas automáticas controladas por super computadores, qualquer nave tripulada estaria em drástica desvantagem contra uma nave não tripulada.

É também muitíssimo provável que dificilmente ocorram confrontos diretos entre as naves, graças a sensores e armas de longo alcance, elas provavelmente serão capazes de se hostilizar muito antes de que qualquer contato visual a olho nu pudesse ser possível, como de fato já ocorre em algumas situações de combate aéreo atual.

Portanto esses serão os dois fatores iniciais que decidirão quem terá a vantagem ofensiva:

- A sensibilidade dos sensores de rastreamento que tentarão detectar as naves oponentes, quem o fizer primeiro estará em vantagem.

- O alcance e a precisão das armas.

Como mesmo hoje em dia já há sensores de grande alcance, o combate poderá ocorrer com as naves estando ainda a milhares ou mesmo milhões de kms de distância. A principal arma deverá sem dúvida ser o LASER, ou qualquer outro tipo de feixe de energia. Armas de fogo são pouco viáveis no espaço, exigiriam um suprimento de oxigênio para funcionar e forçariam a nave a um recuo indesejado cada vez que disparassem. Além disso, dada as distâncias evolvidas e a apuração dos detectores, qualquer projétil, mesmo mísseis, poderiam ser detectados com muita antecedência. Lasers defensivos poderiam ser usados para destruir mísseis que ameaçassem a nave e poderia ser possível se desviar de projéteis não seguidores. Um feixe de energia por sua vez não poderia ser detectado antes que alcançasse a nave.

Agora vejamos outros fatores que determinariam a vantagem defensiva:

- A capacidade da nave de confundir ou se tornar oculta aos sensores adversários. O que costuma ser chamado de Contra Medidas Eletrônicas.

- A manobrabilidade, de modo a dificultar a pontaria da adversária, e a velocidade, de modo a se aproximar ou se distanciar quando necessário.

- A resistência da fuselagem, ou a presença de recursos defensivos como escudos (Sólidos! Não pensemos por enquanto nos escudos de energia das obras de FC). A própria pintura da nave, a cor predominante, seria relevante como veremos a seguir.

Com esses parâmetros, vamos idealizar como seria então o combate espacial.

Uma nave detectaria outra nave provavelmente já a milhares de kms de distância.

Identificada como inimiga, os sistemas automáticos fazem a pontaria e preparam o disparo, tomando precauções para acertar logo no primeiro tiro, ou perderia a vantagem da surpresa.

O disparo seria um feixe de energia, provavelmente LASER de alta potência, capaz de gerar ao menos alguns milhares de graus de temperatura. Na verdade o raio seria invisível, a não ser que cruzasse um meio repleto de partículas, como uma nuvem de gás.

A nave alvo evidentemente não poderá se desviar do disparo, pois como este é energia, não tem como ser detectado antes de sua chegada.

Se o disparo for preciso e suficientemente potente, a nave é destruída ou avariada.

Se a nave atacada tiver condições, poderá revidar, e dessa forma a batalha pode se extender imprevisivelmente.

Uma batalha como essa dificilmente seria tão emocionante quanto são as batalhas espaciais da FC, ou quanto foram as batalhas aeronavais do passado. Se as distâncias fossem superiores a 500 mil km por exemplo, as naves disparariam e demorariam vários segundos para confirmar o sucesso do disparo, e talvez nem confirmassem se fossem atingidas pelo fogo adversário.

Em distâncias de milhões de kms, se forem possíveis raios de energia com tal alcance, a batalha terminaria por ser tornar dependente de uma boa dose de sorte, pois do momento que a atacante disparar até o momento em que o raio chegar ao alvo, esta já poderá ter se movido, e poderia ser difícil prever os movimentos do adversário de modo a se antecipar a ele. Por este motivo, é provável que as naves passassem a se aproximar até cerca de uns 100 mil km onde a velocidade da luz já garantiria disparos bem mais difíceis de serem evitados.

Uma nave de alcance de sensores inferior à da inimiga nem sequer veria o que a atingiu, e poderia ser destruída sem sequer notificar sua central de comando sobre a aproximação do inimigo. No caso de naves equivalentes, a vantagem seria de quem atacasse primeiro.

De certa forma, Star Trek estaria mais próxima deste sistema de combate, divergindo apenas pela presença e atuação humana e pela aproximação excessiva entre as naves. Mas haveria recursos capazes de tornar as batalhas mais complexas.

Um deles seria a utilização de mini naves que iriam à frente da nave principal. Não seriam exatamente caças, mas veículos com funções de reconhecimento ou ataque avançado, tentando resguardar a nave maior. Poderiam até mesmo se posicionar à frente da nave maior, servindo de escudo, enquanto tentam se aproximar mais da nave adversária.

Por falar em escudo, poderiam ser utilizados escudos de matéria, sólidos, líquidos ou mesmo gasosos, que poderiam refletir ou absorver os disparos inimigos ao menos parcialmente, dando mais tempo à nave principal para atingir sua oponente. Acima temos exemplos de escudos sólidos que funcionam como "guarda-chuvas" de material espelhado, que podem ser lançados das naves se abrindo para protegê-las. Os escudos provavelmente derreteriam após receberem alguns disparos, mas poderiam resguardar a nave tempo suficiente para que ela contra ataque ou fuja.

Aqui temos escudos de fluidos. Poderiam ser nuvens de gás densas ou ionizadas de modo a absorver o calor dos disparos, espumas ou mesmo uma nuvem de pequenas partículas espelhadas.

Naves de cor clara ou brancas resistiriam mais tempo aos disparos por apresentarem menor absorção de calor, mas seriam perceptíveis a distâncias bem maiores. Nave mais escuras seriam mais furtivas, mas seriam mais sensíveis ao calor. Naves espelhadas poderiam defletir os raios com ainda mais eficiência, mas também poderiam ser mais perceptíveis se estiverem próximas a fontes de iluminação, dependendo do ângulo de incidência da luz sobre elas.

Tudo isso leva em conta, claro, perspectivas tecnológicas não muito distintas das atuais. Naves como essas já seriam possíveis mesmo hoje, ainda que muito dispendiosas. Mas como é muito difícil prever quê inovações científicas poderemos conquistar no futuro, é bem provável que tenhamos recursos diferentes do que podemos imaginar agora.

Porém dois fatos me parecem extremamente prováveis, o de que as batalhas serão travadas a distâncias cada vez maiores, e que não envolverão diretamente seres humanos. Curiosamente são exatamente esses dois fatores que o apelo poético tenta preservar nas obras de FC.

SALVANDO A ARTE

Pessoalmente sou adepto de um estilo de Ficção Científica mais exigente em sua racionalidade, mas reconheço o apelo que belas batalhas espaciais tem numa obra ao estilo Star Trek ou Star Wars.

Para aqueles escritores que não abrem mão deste elemento tão empolgante, gostaria de sugerir algumas idéias que possam preservar os fatores aparentemente mais importantes para a manutenção dessa "licença poética", mas contudo, sem prejudicar a racionalidade da obra.

A PRESENÇA HUMANA

Estória alguma pode ser emocionante sem a participação direta do fator humano, por isso um relatório técnico de uma máquina por si só jamais conseguirá tornar interessante nem mesmo o mais impactante dos eventos. Por isso as batalhas espaciais na FC requerem a constante intervenção humana direta. Mas como justificar isso diante dos fatos citados acima?

Como já foi dito, além do fator ético, duas razões técnicas se apresentam contra a idéia de que seres humanos devem se envolver diretamente em batalhas no espaço, e deve-se apresentar bom motivos pelas quais as duas sejam contornadas.

Uma delas diz respeito a fragilidade do organismo humano perante a capacidade de deslocamento das naves. Atualmente, os mais modernos aviões de caça já são capazes de manobras bruscas que forçam o organismo humano aos limites. Naves espaciais do futuro sem dúvida poderão promover acelerações e curvas impossíveis de serem suportadas por um corpo humano, e uma nave que tivesse que levar em conta a fragilidade humana estaria em desvantagem contra uma que não precisasse.

Algumas formas de driblar esse problema seriam:

- Conceber artifícios de neutralização da inércia, que permitissem que os corpos ao serem acelerados, recebam a aceleração simultaneamente em todas as suas partículas. Tratam-se de conceitos bastante ousados, provavelmente baseados em manipulação das ligações eletromagnéticas moleculares. Seria um dos poucos recursos para viabilizar naves pequenas como caças.

- No caso de naves grandes, poder-se-ia adicionar mecanismos de amortecimento. Amplos tanques de fluido líquido por exemplo, onde imersos, os astronautas sofreriam menos a força dos movimentos. A ausência de gravidade pode ajudar a aliviar a inércia, idéia que infelizmente quase nunca é usada em filmes de FC, como pode ser visto em meu texto sobre a Gravidade Artificial.

- Também no caso de naves grandes, centenas de metros de comprimento, o problema pode ser atenuado, uma vez que a simples estrutura da nave em grandes dimensões já inviabiliza manobras muito bruscas. Mas deve-se levar em conta que naves assim demorariam muito para acelerar a grandes velocidades.

- Outra opção simples seria humanos mais resistentes, super-humanos.

O outro grande obstáculo à idéia de naves de combate manipuladas diretamente por seres humanos é quanto a inevitável superioridade dos super computadores. Poderiam seres humanos manobrarem, tomarem decisões, reagirem e formularem estratégias mais eficientemente do que avançados processadores do futuro? Seria a mente humana, neste quesito, superior a Inteliência Artificial?

Algumas idéias para contornar isso seriam:

- De algum modo, a capacidade mental humana ainda fosse insuperável para os computadores. Isso poderia ser justificado mediante um apelo a alguma faculdade irreprodutível pela "inteligência" artifical, como a Intuição, Criatividade, Espontaneidade, ou habilidades mais exóticas como Percepções Extra Sensoriais ou outros poderes mentais.

- Que os pilotos das naves fossem super dotados, humanos com capacidades maiores, cujos cérebros biológicos, ou biônicos, fossem mais capazes que quaisquer máquinas "pensantes" totalmente artificiais.

- Poderia-se criar um ambientação onde, no estilo de DUNA de Frank Herbert, não existissem computadores.

- Sistemas de controle mais avançados, como os manipulados diretamente pela mente, ou outros artifícios, poderiam aumentar muito a eficiência do desempenho humano.

Tudo isso depende muito do modo como a estória é ambientada, e dos pormenores da situação. Sistemas de amortecimento de fluidos seriam muito difíceis de ser armazenados em caças por exemplo.

Apesar de tudo isso, me parece muitíssimo difícil justificar um sistema de combate como o de Star Trek, onde uma tripulação inteira fica a espera das ordens de um comandante. Se um ser humano já poderia ser lento demais para certas situações, vários seriam mais lentos ainda. Me parece inconcebível justificar que numa situação onde naves se movem a velocidades estupendas e disparam feixes de energia, que navegadores e atiradores fiquem esperando as ordens de um capitão para abrir fogo ou subir escudos. Isso é um estilo de combate marítimo dos séculos XIX e início do XX.

Também deve-se levar em conta o fator desperdício desnecessário de vidas humanas. As naves poderiam, ainda que manipuladas por humanos, serem controladas remotamente, por telepresença. Se o escritor exigir a presença direta do piloto, deve argumentar porque tal sistema não é utilizado, talvez sistemas de interferência que impossibilitassem comunicação entre a nave remota e o operador, por exemplo.

COMBATE FECHADO

Nossas emoções são a a matéria-prima da arte, mas nossos sentidos são seu veículo. Aquilo que sentimos diretamente nos afeta muito mais, é muito mais vivo e impactante, não é a toa que temos o famoso ditado de que "O que os olhos não vêem o coração não sente", que pode ser interpretado como a idéia de o conhecimento remoto de um fato nunca se compara a um contato direto e sensorial "com o fato".

É por isso que as batalhas espaciais na FC são retratadas num estilo "Cara a Cara", pois assim tudo é mais intenso, mais emocionante. Combates travados a milhares de kms de distância, onde não se possa ver o oponente a olho nu, sempre parecerão menos empolgantes.

Para justificar uma aproximação maior entre as naves numa batalha espacial, poderíamos supor que:

- Sistemas de contramedidas eletrônicas fossem tão eficientes que inviabilizassem o contato efetivo a longas distâncias, ou a pontaria, de modo que a aproximação para uma percepção visual direta fosse inevitável.

- No caso de naves operadas por telepresença, fatores intrínsecos ao local impedissem que a distâncias muito grandes a comunicação fosse possível, como interferência eletromagnética por exemplo.

- Um fator crucial seria limitar a velocidade das naves, pois mesmo na atualidade o combate direto entre dois supersônicos a ponto de contato visual já é impossível. Talvez conceber naves lentas fosse uma solução.

- Estabelecer uma atmosfera, como uma nuvem de gases, nebulosa, caudas de cometas ou mesmo o combate dentro da atmosfera de um planeta, talvez um planeta joviano. A simples densidade do meio pode inviabilizar visualizações a longas distâncias, a resistência do fluido implicaria em velocidades menores, e outra grande vantagem, é que isso traria de volta o Som, justificando estrondosas explosões.

Evidentemente, há inúmeros outros meios para se viabilizar racionalmente um estória de FC independente de quais espetaculares e exóticos forem seus elementos. Esses exemplos são só uma pequena amostra do que qualquer escritor cuidadoso com um mínimo de criatividade pode fazer.

FOGO NO ESPAÇO

Há porém elementos difíceis de salvar numa obra de FC. Um delas é o Som no Espaço. Para que haja propagação de ondas sonoras é necessário um meio bastante denso. É possível que determinadas regiões do espaço possuam uma densidade fluídica suficiente para isso, mas em locais como esse, as coisas seriam muito diferentes. As estrelas seriam mais difíceis de visualizar, os planetas enfrentariam atrito e com o tempo perderiam velocidade de translação sendo puxados para as estrelas, e seria necessário explicar como essa densidade se mantém.

Problema similar se dá com o fogo. Num "vácuo", ainda que o espaço não seja na realidade um vazio absoluto, evidentemente não haveria oxigênio, ou outro comburente, suficiente para explicar qualquer combustão. A única forma de justificar isso seria dizer que do interior da nave destruída escapa oxigênio, devido aos reservatórios de alta pressão, e que haja substâncias inflamáveis como hidrogênio. Mesmo assim, as explosões seriam muitos rápidas, breves, e bastante bruscas.

Mas não há como negar que uma batalha espacial muda seria algo difícil de empolgar, ainda estamos acostumados a uma concepção romântica que quer ver no espaço não o que ele é em si, mas algo que nós gostaríamos que seja. Um trilha sonora arrebatadora poderia compensar isso, porém não seria uma tarefa fácil.

Há muitas outras questões envolvidas, e explorá-las é sempre algo desafiador e intrigante. Escrever estórias de FC é sempre um exercício de criação e de racionalidade, e o escritor pode ter muitas idéias em mente. Sem dúvida que para um livro batalhas espaciais arrebatadoras são menos necessárias que para um filme, mesmo assim serão sempre um tema a ser pensado, mesmo porque nenhum escritor pode descartar a possibilidade de seu livro um dia se tornar um filme.

Por fim, volto a insistir nos problemas éticos envolvidos, que um bom argumento também pode satisfazer. A idéia de seres humanos morrendo numa batalha espacial é algo que deveria encher de indignação alguém com um mínimo de consciência, mas romances de FC sempre possuem também o papel de colocar questões para serem pensadas, possibilidades para serem exploradas e logo de antemão desejadas ou repudiadas.

De minha parte, prefiro pensar que batalhas espaciais no futuro, se houverem, serão para os humanos algo muito próximo de um Videogame, com naves automáticas ou teleguiadas se enfrentando a distância enquanto seus operadores ficam em segurança em suas bases, os que perderem a batalha que negociem ou se rendam.

Menos mal. Já causamos sofrimento demais em nosso mundo, e prefiro pensar que nossos "impulsos destrutivos" não precisem ocupar ainda mais Espaço.

Marcus Valerio XR
Finalizado em
02 de Janeiro de 2004

BATALHAS ESPACIAIS II
Antigravidade & Levitação

Gravidade Artificial
Viagens Espaciais

Tele Transporte
FICÇÃO CIENTÍFICA