5 BOBAGENS PLANETÁRIAS
NA FICÇÃO CIENTÍFICA

Recorrentes e Persistentes Ingenuidades
sobre a Concepção de Planetas

Novembro 2015

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Mesmo com pouco mais de um século de existência, a FC já criou uma vasta gama de tradições, e apesar de sua premissa de plausibilidade, continua se apegando a insistentes ingenuidades que tem se perpetuado de modo praticamente inquestionado na grande maioria das obras. Aqui pretendo focar alguns específicos da concepção e ambientação de outros planetas, dos quais 4 estão intimamente inter relacionados.

Já um outro deles nem tanto, e é por ele que pretendo começar.

1 - NOMES de Planetas

Um clichê comum é um extraterrestre se apresentar a terráqueos e dizer: "Vim do planeta Tal", mesmo quando os terrestres em questão não fazem a menor ideia de onde se trata ou quais seriam suas características. Quase sempre é nome próprio e muito específico, como se o planeta tivesse sido batizado arbitrariamente.

Mas se os extraterrestres em questão forem, a nível psico cultural, minimamente similares aos terrestres, então seria altamente provável que ocorresse um fato que passa por completo desapercebido pela maioria dos autores de FC: eles também chamariam seu planeta natal por algum termo equivalente ou muito parecido com "terra", ou o menos "mundo", "lar" etc, visto que é mais ou menos assim que nós, terrestres, nas mais diversas culturas, nos referimos a nosso próprio mundo.

Como esse nome teria que ser traduzido para algum idioma terrestre, então inevitavelmente soaria a nós como algo altamente familiar, a não ser que os ETs provenham de um planeta que não seja o original de sua espécie.

Todos nós chamamos nosso planeta de algo como Terra, e se fôssemos nos apresentar a habitantes de outros mundos traduziríamos o termo ou teríamos, para efeito prático, que mantê-lo em nosso idioma original, supondo que fosse pronunciável e inteligível pela outra espécie.

Mas então vem outro problema. Em que idioma? Se fôssemos visitar outro mundo apresentaríamos o nosso planeta pelo nome de nosso idioma específico, gerando um etnocentrismo linguístico nesse primeiro contato?

Nos colocando no lugar deles, seria justo que os extraterrestres passassem a chamar nosso planeta de Earth, ou Chikyu? Se não, teriam eles que decorar o nome em diversos idiomas? Ou simplesmente traduziriam o termo para seu próprio idioma? E assim, o mesmo não seria válido para ETs que viessem ao nosso planeta? Como iriam se referir ao planeta deles?

Quando nos apresentamos a alguém como sendo de uma certa cidade, estado ou país, é pelo fato de que em geral essa pessoa já tem algum conhecimento prévio sobre esse local, ou ao menos sobre a região onde ele fica. Mas se um ET se revelasse subitamente a nós, não faria sentido ele dizer que veio do planeta X se isso não tiver significado algum para nós, seria uma palavra vazia.

Muito mais plausível é, tendo algum conhecimento da cultura a qual vieram visitar, dizer algo do tipo "Viemos de um planeta na estrela que vocês chamam de...", ou "do quarto planeta de uma estrela a tantos anos-luz de distância." E não se apresentar usando um nome que ou seria irrelevante, ou seria, se traduzido, vago, ou seria exclusivista de uma cultura em especial.

Claro que se houver uma cultura dominante e o nome num idioma em especial não for um problema interno, nem gerar algum tipo de viés externo, a questão idiomática pode ser irrelevante. Mas é certo que no nosso caso ter ETs chamando nosso planeta por um nome de outro idioma seria incômodo, logo para eles nos fornecerem um nome em um idioma específico só seria pacífico se tensões culturais internas não fossem um problema. Mas isso já nos leva a uma outra ingenuidade típica da FC de tratar civilizações alienígenas de forma simplista, como se elas tivessem uma cultura, e um idioma, únicos.

Também não haveria esse problema se os visitantes proviessem de um planeta que não lhes é natal, mas sim colonizado, pois aí tenderia a haver um nome mais consensual e que não teria a mesma conotação de "terra" ou de "mundo". Futuros colonos nascidos em Marte por exemplo poderão se chamar marcianos e se apresentar como vindo de um planeta cujo nome não significa algo parecido com terra.

Também é possível que alienígenas com características psico culturais bem diferentes das nossas tivessem um nome para seu próprio planeta que não fosse equivalente a "terra", mas em geral, na FC, os aliens costumam ser tão ou mais parecidos conosco psicoculturalmente do que fisicamente.

Portanto, melhor buscar formas de contornar esse problema, ou problematizá-lo de modo interessante e relevante para a estória. Sem cair numa postura ingênua.

Os demais temas são mais relacionados entre si do que o anterior, visto que remetem basicamente a questões físicas, mas ao final veremos que a explicação para eles converge para este primeiro tema dos nomes.

2 - "CAIR" em Planetas

Outro clichê comum na FC é uma nave estar viajando no espaço e, subitamente, "cair num planeta"! Em alguns casos isso é atenuado pelo fato da nave já estar se dirigindo àquele planeta específico e sofrer um acidente ao se aproximar dele, o que poderia então ser considerado um pouso desastroso, ou no caso de uma nave que não pretendia pousar no planeta, acabar caindo em sua atmosfera.

Mas muitas vezes a nave cai num planeta desconhecido que não era o destino original! Pressupondo que a nave se desviou do percurso. O que é bem curioso considerando que o espaço é constituído 99,9999999999999999...% de... espaço! E qualquer nave que porventura vagasse a esmo tenderia a permanecer indefinidamente no vazio. Principalmente se estivesse em espaço interestelar em velocidade subluminal. Mas mesmo num sistema estelar, a tendência maior era que entrasse em órbita da estrela, e se fosse atraída por um astro, é esmagadoramente mais provável que o fosse pela própria estrela, que costuma ser mais massiva e ter maior atração gravitacional que todos os demais astros do sistema juntos.

Mas mesmo que fosse atraída por um dos planetas, a tendência maior seria um planeta Joviano (gasoso). Mas note que as naves não apenas caem SEMPRE em planeta telúricos (sólidos), como ainda por cima, de todos os planetas possíveis, caem sempre em...

3 - Planetas IDÊNTICOS À TERRA

Não me refiro a planetas visualmente parecidos com o nosso, mas que são idênticos em todos os fatores relevantes como gravidade, composição atmosférica, temperatura e pressão ambiente, radiações compatíveis, período de rotação e mesmo presença, ou não, de bactérias ou outros patógenos perfeitamente compatíveis com a fisiologia dos personagens.

De todas as incomensuravelmente maiores possibilidades como permanecer vagando no espaço, ficar na órbita de uma estrela, ou ser tragada por ela ou por um planeta joviano, como se não bastasse caírem sempre em planetas telúricos, ainda assim temos mais essa improbabilidade infinitesimal.

Mas isso não se aplica somente a quedas, mas a representação geral de outros planetas visitados pelos personagens. De certo há exceções. Algumas vezes a composição atmosférica não é a mesma, obrigando personagens a usar equipamento respiratório, ou até outras alterações, com a exceção da atração gravitacional, que NUNCA VARIA. É sempre igual a da Terra ou tem diferença desprezível.

Mas na maioria das vezes os personagens chegam num planeta qualquer e são imediatamente expostos ao ambiente externo, frequentemente sem necessitar de nenhum tipo de equipamento.

Curioso é que em nosso mundo, se nos vermos subitamente largados em algum ponto qualquer do planeta, pode muito bem ser um local fatal devido a baixa pressão atmosférica ou temperatura. Pegar uma aeronave de uma cidade ao nível do mar e logo em seguida desembarcar no Himalaya pode causar severa tontura, desmaio, enxaqueca ou mesmo morte a qualquer pessoa. Mas raramente se vê nas estórias de FC qualquer preocupação sobre isso. No máximo com a composição do ar ou com patógenos.

Em suma, todos essas planetas onde se pouse, se caia ou se teletransporte, possuem milagrosamente as mesmíssimas condições da Terra.

4 - Planetas HOMOGÊNEOS

A FC é repleta de planetas "iguais" a Terra que são totalmente desérticos, totalmente gelados, totalmente florestais, totalmente marítimos ou totalmente alguma coisa qualquer

É bastante estranho considerando que planetas são esferóides e portanto a simples variação de latitude costuma causar diferenças drásticas de temperatura que se refletem nos ambientes, em especial nos ecossistemas quando humanamente habitáveis, e que planetas telúricos são por natureza irregulares.

Nosso planeta Terra detém uma vastíssima variação de ambientes, e mesmo planetas sem vida e de atmosfera mais fina costumam ter variações notáveis como calotas polares geladas. Que obra de FC, por exemplo, já abordou as geleiras de Marte?

A essa altura, já deve ter ficado óbvio porque todos esses temas estão inter relacionados e o que os explica, que é o simples fato de que a maioria das estórias de FC não passam de velhas estórias com nova roupagem, e assim, o espaço sideral nada mais é que uma alegoria dos mares ou ares internacionais, e as naves "caírem" em planetas são evidente alegoria dos naufrágios ou pousos forçados de avião.

E como estes últimos sempre se dão em locais específicos de nosso planeta, é evidente que todos eles se dão num ambiente igual à Terra em todos os fatores astrofísicos relevantes, e que por serem nichos ecológicos isolados, são evidentemente homogêneos.

Em suma, os planetas da maioria das obras FC não passam de versões de ilhas e locais isolados da Terra, onde pode-se encontrar inclusive formas de vida perfeitamente previsíveis ou mesmo grupos humanos exóticos.

5 - Planetas QUE EXPLODEM

Outrora houve duas séries de TV relacionadas chamadas Academia Espacial (Space Academy) e Jason - O Homem do Espaço (Jason of Star Comand), que bem poderiam ser apelidadas de "os destruidores de planetas", pois a frequência com que os planetas iguais à Terra dos quais acabavam de sair explodiam era impressionante.

 

Mas existem muitos outros exemplos de planetas explodindo na FC tanto por estranhos motivos naturais quando por meios artificiais, e se o último é altamente improvável o primeiro e certamente impossível.

Não há qualquer força telúrica capaz de fazer um planeta explodir. Planetas telúricos não são bombas, são rochas sólidas cujas profundezas, por mais que sejam magmáticas e quentíssimas, jamais poderiam possuir pressões internas ou energias tão elevadas que permitissem uma explosão espontânea, como a de Kripton, por exemplo, na última versão da estória do Super Homem em Man of Steel.

Não é preciso muito para se dar conta da impossibilidade de um planeta explodir por si só. Por maiores que sejam forças internas, qualquer evento geológico já altamente improvável que conseguisse por algum momento elevar a crosta terrestre a alturas significativas, seria rapidamente compensado pela mera atração gravitacional que forçaria todo o planeta a se contrair de novo. Ou seja, mesmo que algo equivalente a explosões de vulcões atingissem toda a superfície com forças incomensuravelmente maiores, no máximo elevariam pedaços do planeta por alguns momentos, para que depois tais pedaços caíssem de novo em direção ao centro.

Portanto a explosão teria que gerar uma força capaz de fazer TODA a matéria do planeta ser lançada à velocidade de escape, isto é, a velocidade mínima necessária para que um corpo escape da gravidade e vague livremente pelo espaço. No caso da Terra, mais de 40 mil km/h. Nossa astrofísica e geologia não podem sequer conceber algum fenômeno natural capaz de tamanha proeza. Nem mesmo massivas explosões nucleares no núcleo planetário teriam alguma chance de produzir tal efeito.

Isso fica ainda mais evidente quando pensamos em métodos artificiais de destruir planetas, que precisariam mobilizar energias tão monumentais que é difícil de concebê-las mesmo em teoria. Das armas de destruição massiva da FC, a mais plausível é possivelmente uma bomba de antimatéria, e a quantidade de antimatéria necessária para aniquilar nosso planeta Terra, por exemplo seria, de acordo com algumas referências, de cerca de 1,3 Trilhões de toneladas (um cubo de cerca de 10 km de material de densidade similar a da água), a 2,5 TRILHÕES de toneladas.

Em suma, dificilmente uma coisa mais fraca que um meteoro massivo de antimatéria poderia causar tamanha destruição.

Além disso, para quase qualquer efeito bélico, a destruição de um planeta é desnecessária, visto que a mera destruição total de sua superfície já aniquilaria qualquer civilização ou mesmo qualquer possibilidade de vida. E isso, por outro lado, é algo relativamente fácil de fazer. Um simples impacto meteórico comum já pode varrer toda a superfície de nosso planeta aniquilando até mesmo compostos orgânicos simples, gaseificando os mares e penetrando quilômetros subterrâneos com uma onda de calor capaz de destruir até instalações profundas.

Também é possível fazer algo similar bombardeando a superfície com uma infinidade de artefatos nucleares, algo que até mesmo a nossa tecnologia atual já possibilita em algum grau. Assim diante de uma solução tão simples, perfeitamente plausível e eficiente, porque os autores de FC insistem em abordagens muitíssimo mais drásticas, improváveis e desnecessárias?

JÚLIO VERNE ATÉ HOJE

Entre outras, existe uma obra clássica de um dos pais da FC, Júlio Verne, que de certa forma fornece o padrão completo de todas essas 4 ingenuidades relacionadas. Trata-se de A Ilha Misteriosa, onde um grupo de fugitivos da Guerra Civil americana, à deriva num balão, acabam indo parar numa ilha. Tal ilha evidentemente tem todas as características vitais necessárias à sobrevivência humana, é evidentemente homogênea, mas no final de tudo, sendo vulcânica, acaba explodindo.

Ou seja, todas as bobagens da "Queda em Planetas Homogêneos de condições básicas absolutamente iguais à Terra e que ainda por cima explodem" não passam de releituras de estórias bem mais antigas.

Como se vê, grande parte, talvez a maioria, da Ficção Científica não tem de fato como característica central a especulação sobre possibilidades a partir de uma ruptura plausível com a realidade, e sim são meras releituras de estórias de outros gêneros apenas com uma roupagem futurista. Levando as mesmas ingenuidades, quando não tolices completas, muito além do tempo e espaço de onde deveriam ter sido superadas pelas mentes mais criativas.

Ao ponto de até mesmo nomear planetas com a mesma simplicidade de quem, ao chegar a um país distante, disesse, "Eu sou do Brasil", pressupondo que todo mundo saiba o que isso significa, e sem se dar conta de que isso pressupõe uma especificidade dentro de âmbito comum planetário, especificidade essa, incabível a outros mundos, que podem ter as mais diferentes características bem como civilizações distintas, que infelizmente muitos autores não ousam explorar.

Marcus Valerio XR

Novembro de 2015

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