Revolução na Ditadura
Golpe na Democracia

1 de Dezembro de 2009

Com o "renascimento" da 'Direita' em nosso país, que após décadas de constrangimento finalmente começou a encarar a aparente hegemonia da 'Esquerda', surgiram diversas tentativas de melhorar a imagem de tudo o que ficou associado ao Conservadorismo e Capitalismo, bem como de piorar tudo o que ficou associado ao Progressismo e Social Democracia, mesmo em suas versões mais leves e dissociadas do ainda temido 'Comunismo'.

Uma delas é fazer comparações entre Ditaduras de Esquerda e Direita, perguntando quais são mais violentas. Invariavelmente, o objetivo é mostrar que as ditaduras de Direita foram bem menos invasivas que as de Esquerda, mataram e prenderem menos pessoas, e tiveram um impacto muito menor na ordem social e liberdades individuais.

Além disso, também são justificadas como um mal menor, para evitar o mal maior de uma ditadura de Esquerda, conforme tem sido pregado pelo maior guru da extrema direita atual no Brasil, Olavo de Carvalho, que se tornou um ícone desta nova 'resistência' conservadora, fazendo uma legião de seguidores conquistada por seu inegável brilhantismo, erudição e competência intelectual.

Eu, como um esquerdista e intelectual assumido, não posso negar a parcela verdadeira desta abordagem. As Ditaduras de Esquerda REALMENTE foram muito mais violentas e invasivas, e nesse sentido, não há como negar que viver sob uma ditadura quando se é contrário a ela, tende a ser menos arriscado na de Direita que na de Esquerda.

Isso, enfim, é o fato. Mas que conclusões podemos tirar desse fato?

Vamos então contrapô-lo a outro fato, ao qual, no periódico de Junho de 2009, chamei à atenção com o seguinte comentário:

...observando o modelo básico dos processos políticos do século XX relativos à instituição de revoluções, golpes de estado e ditaduras, nota-se uma inequívoca tendência.

- TODA ditadura de DIREITA se instaura CONTRA um REGIME DEMOCRÁTICO!

- TODA ditadura de ESQUERDA se levanta CONTRA REGIME NÃO democrático!

Sem querer entrar no mérito de cada um, o fato é que em termos de Democracia, não se perdeu muita coisa com o advento de regimes esquerdistas, que para ser sincero, nunca foram muito enfáticos em proclamar os valores da mesma. O próprio Marx francamente falava sobre a Ditadura do Proletariado, e os esquerdistas em geral costumam ser bastante claros quanto aos seus objetivos, por menos democráticos que sejam.
O que irrita é ter que aguentar direitistas se proclamando como defensores da democracia, e não perdendo uma única oportunidade de destruí-la sob o pretexto de evitar a instituição de uma ditadura de esquerda, que, como já vimos, JAMAIS se instituiu contra regimes democráticos.
Se você nunca notou isso, não se assuste. Talvez apenas não sofra, como eu, de intolerância a contradições.

Isso é tão factual quanto à maior brutalidade das ditaduras de Esquerda. Mais uma vez, que conclusões podemos tirar deste fato?

Vejamos. As ditaduras de Esquerda são mais violentas, mas nunca se levantaram contra sistemas democráticos. As de Direita são menos violentas, mas sempre se levantam contra sistemas democráticos supostamente ameaçados de serem derrubados por uma revolução de esquerda.

Na realidade, é muito simples. A Democracia, com todos os seus problemas, ainda é o regime inegavelmente preferido por qualquer um que não esteja, ele mesmo, almejando o implante de uma ditadura que lhe seja favorável. A maioria das pessoas provavelmente iria preferir uma ditadura de seu interesse do que uma democracia, mesmo uma boa, mas ninguém pode ser suficientemente estúpido a ponto de preferir uma ditadura que lhe seja hostil do que uma democracia, por pior que seja.

Como qualquer democracia sempre é menos invasiva e opressora que qualquer ditadura, ao menos da parte do estado, mesmo em situações de grandes problemas sociais não há tensão suficiente para explodir uma revolução de massas. Por pior que esteja a situação do povo, sempre há inúmeras alternativas e rotas de fuga, mesmo quando estouram na direção do crime, da emigração ou da alienação.

Por outro lado, num regime não democrático, o segmento que não for privilegiado tende a ser submetido a uma tensão muito mais severa, até que, se suficientemente oprimido, termine por explodir numa revolução de massas.

Foi isso o que aconteceu nas Revoluções do século XX, que são TODAS de esquerda. O regime dos Czares se tornou insuportável para os camponeses russos, e surgiu a Revolução Soviética. O Império Manchu se tornou intolerável para o povo chinês, resultando na Revolução Xinhai, que posteriormente acabou se tornando uma ditadura militar, o que resultou na Revolução Maoísta. Em Cuba, a ditadura de Fulgêncio Batista se tornou inaceitável, resultando na Revolução de Fidel e Companhia.

Mesmo a Revolução Francesa (1789) se deu contra o Absolutismo Monárquico, e até mesmo a Revolução Americana (1776) se levantou contra a exploração colonial da Coroa Inglesa.

REVOLUÇÕES são de ESQUERDA
GOLPES DE ESTADO são de DIREITA

Uma REVOLUÇÃO é, obviamente, uma mudança drástica do estado de coisas. A Classe Dominante é derrubada, e com ela toda a estrutura de poder e toda a ordem social, e surge então uma nova ordem, uma nova Classe Dominante. É evidente que a Classe Dominante anterior reagirá violentamente para manter seu poder e tentar reconquistá-lo, bem como a nova Ordem reagirá ainda mais violentamente para impedir qualquer contra revolução.

Não há como subverter toda a estrutura de poder de uma sociedade sem causar um impacto monumental, e um período subsequente de guerra civil contra as forças desalojadas. Será uma guerra ostensiva e em larga escala. E o pior tipo de guerra, a Civil, que se dá dentro do próprio país. Portanto, a Ditadura que se instaura, inevitavelmente de ordem militar para poder enfrentar as consequências da subversão da ordem, nunca poderá se comportar de forma tranquila, estando sempre ameaçada pelas forças anteriores, e inúmeras tensões que tentam reobter o poder.

A situação é completamente diferente de uma Ditadura de Direita, que em TODOS os casos, visava apenas manter a ordem social como estava. Não chega a haver uma guerra ostensiva, e sim no máximo guerrilhas pontuais. É basicamente um estado policial, visando garantir que a ordem de coisas não se altere. Elas são obtidas por meros GOLPES DE ESTADO, que são apenas radicalizações de poder dentro de uma ordem já estabelecida, e que inevitavelmente contam com o apoio das classes dominantes. Por isso mesmo jamais poderia ser tão violenta quanto uma Revolução, pois não há mudança na estrutura social.

Por isso mesmo, só podem se levantar contra regimes democráticos, porque é absurdo pensar que uma ordem social elitista consiga se levantar contra uma Ditadura de Esquerda num movimento brusco, pois estas costumam resultar de amplos movimentos de maioria popular. Os estados opressores conservadores contra os quais as revoluções se levantam foram consolidados durante muito tempo, sendo resultado de séculos de uma continuidade de certos grupos sociais no poder. A única coisa que muda é exatamente qual grupo dentre aqueles já estabelecidos estará em destaque. Por isso mesmo, essa estrutura cristalizada é muito mais resistente, e quando cai, causa um estrago imenso.

O regime recém implantado não pode se manter apenas com a alteração da ordem política e social, pois sabe que o resultado inevitável de tanto tempo de solidificação de uma estrutura é que esta se reproduza em todos os níveis sociais, inclusive nos níveis mentais, simbólicos e psíquicos da população. Por isso lançam mão de métodos para promover uma revolução cultural capaz de alterar os valores subjetivos da sociedade, que são o verdadeiro sustentáculo mental coletivo de todo o sistema.

Por outro lado, mais uma vez, as ditaduras de Direita não precisam disso. Só têm que manter toda a imagética e simbologia que já justifica a ordem de coisas, tendo apenas que policiar idéias potencialmente nocivas ao sistema, o que pode ser feito com mera censura preventiva.

Contrapondo fatos contra fatos, a questão que resta, então, é:

Se Revoluções (de Esquerda) só se levantam contra regimes não democráticos, por
que se instalaram Ditaduras de Direita em regimes democráticos para prevení-las?

Essa sim é a boa pergunta. Poderia deixá-la no ar, sem resposta, espertamente sugerindo que tais Golpes de Estado apenas usaram a ameaça revolucionária como desculpa para se justificar. Mas não é tão simples. Hoje é fácil perceber essa tendência clara entre as ditaduras e seu comportamento com relação à democracia, nas décadas de 50 a 70 ainda não era.

Os governos conservadores se baseavam em estados de coisas instituídos e solidificados há muito tempo. Alguns contando com instituições milenares. Com o advento das revoluções, é compreensível o medo de ter uma ordem social tão arcaica sendo devastada em pouco tempo.

Indesculpável é alguém que, em pleno Século XXI, usa a falácia de que se não tivesse sido a Ditadura de 64 no Brasil ('Ditabranda' segundo a Folha de São Paulo e os admiradores da dita cuja), nosso país teria sido transformado em uma Cuba (uma ilha), uma China (uma civilização de 5 mil anos dentro de uma muralha) ou uma Rússia (com sua herança de hunos, tártaros, e Czares), ignorando o abismo social, cultural e colossal que diferencia esses casos de nosso tropical país Tupiniquim.

Marcus Valerio XR
1 de Dezembro de 2009

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