DIFÍCIL PRA CHUCHU
Porque a missão de Alckmin era quase impossível?

Outubro de 2006

Tenho respostas simples e diretas à pergunta acima. Algumas delas são triviais, outras não, e a melhor delas, em minha opinião, vou deixar pro final. Mas, novamente:

Porque derrotar Lula foi, afinal, impossível?

Eis algumas respostas.

PRIMEIRO...

A campanha de Alckmin teria que convencer o Brasil de algo difícil de engolir. Por que não deveríamos reeleger Lula? Ou, mais dramaticamente: Por que não reeleger o MELHOR GOVERNO dos últimos 42 anos?!?!
Essa pergunta pressupõe uma afirmação forte, que, que eu saiba, não chegou a ser explicitada, mas parece intuitivamente óbvia, e inconscientemente deve ter influenciado grande parte do eleitorado. Sua força se mostra pelo simples fato de que é praticamente impossível negar essa afirmação, pois para isso, seria necessário escolher como melhor:

Opção 1 - Um Governo da Ditadura Militar.
Uma opção difícil, a não ser para quem não se importe com o fato de, qualquer que tenha sido o período destes 20 anos de ditadura, serem governos não-democráticos. É fato que em alguns momentos houve estabilidade econômica e notável prosperidade, mas não podemos esquecer que havia também um clima de guerra no ar, com direito a prisões arbitrárias, guerrilhas, tortura e toda sorte de miséria que as ditaduras costumam envolver. Para quem se importa com a condição humana em todos os seus níveis, escolher uma opção neste grupo soa inaceitável, e não podemos também nos esquecer que o resultado final da ditadura foi a hiperinflação, uma esmagadora dívida externa e interna, e todas as mazelas que, em maior ou menor grau, nos perseguem até hoje.

Opção 2 - Governo Sarney.
Para eliminar qualquer chance desta opção, basta dizer "Plano Cruzado". Não é nem preciso falar na maior inflação de todos os tempos em todo o mundo em épocas de não-guerra.

Opção 3 - Governo Collor.
"Confisco de Poupança", Impeachement, "Empréstimo Compulsório", e a prometida e fajuta perseguição aos marajás que só perseguiu mesmo os funcionários públicos.

Opção 4 - Um dos Governos FHC.
É sem dúvida a opção mais promissora, no caso, o primeiro governo, pois houve o aparente milagre da inflação controlada e estabilidade econômica. Porém, não podemos esquecer que boa parte disso se deveu à venda do patrimônio da nação a preço de banana, principalmente da companhia mineradora que acaba de se tornar a segunda maior do mundo. Além disso, o segundo governo de FHC praticamente destruiu tudo o que havia de bom no primeiro, resultando numa taxa enorme de desemprego e arrocho salarial. Essa opção seria até mais promissora não fosse a insistência do próprio PSDB em admitir que o seu próprio governo foi muito ruim. Tanto na eleição de 2002, o candidato José Serra, quanto em 2006, Alckmin, estão sempre evitando comparações com o governo FHC. Sempre frisaram que devíamos pensar no futuro, e não no passado, Serra chegou a enfatizar que seu governo não seria um FHC III. Se você não concorda que isso é uma admissão tácita de que o governo não foi bom, eu desisto.

Pelo contrário, Lula baseou sua campanha exatamente nos sucessos de seu governo, e isso lhe garantiu a reeleição. Volto então com a pergunta, que se torna um desafio:

Por que não reeleger o MELHOR GOVERNO dos últimos 42 anos?!?!

SEGUNDO...

Um dia na vida todo mundo deixa de ter medo de bicho papão e acreditar em fada madrinha, analogamente, parece que o Brasil está chegando nessa maturidade. Ninguém mais pensa que comunista come criancinha, e cada vez menos pessoas crêem que um dia um herói transformará o Brasil numa Suécia da noite para o dia. Não há mais porque temer Lula ou a esquerda em geral, nem motivo pra achar que, porque não passamos do purgatório ao paraíso em 4 anos, então devíamos voltar pro inferno.
Pra quem ainda lembra da ditadura, dói ouvir os conservadores tentando impingir aos esquerdistas toda sorte de atrocidade. Parece incrível, mas ainda há quem justifique os militares denunciando que os subversivos eram terríveis, monstros perigosos, genocidas por natureza e etc. Ainda tem gente tentando associar Lula diretamente às FARC e até ao PCC. [E não estou me referindo aos Partidos Comunistas de Cuba ou Colômbia.]
Pra que ninguém diga que não há compensação histórica, nossa retrospectiva democrática mostra uma trajetória progressiva e inevitável que trouxe Lula ao poder. Finda a ditadura, Lula perdeu pra Collor por pouco. Depois, o povo preferiu insistir em outro Fernando, desta vez até com uma boa desculpa. Mas chegou um ponto em que continuar reelegendo a mesma turminha de sempre começou a ficar cada vez menos adequado.
Até por uma questão de equilíbrio, se o PSDB governou o Brasil por 8 anos, porque o PT não pode fazer o mesmo? Isso é um sistema democrático, as tendências se revezam no poder.
Uns mais desconfiados dizem que, desde o fim da ditadura, as forças conservadoras e a direita fizeram de tudo para impedir a subida da esquerda ao poder, em especial Lula e Brizola. Como Tancredo Neves, ao ganhar as indiretas em 1985, já não era mais perigo, e o PMDB suficientemente corrompido por vira-casacas do PDS, Sarney não seria um problema, mas vendo que a eleição direta seria inevitável, o que fizeram?
A primeira cartada foi Collor. E assim se salvaram de Lula, e deu no que deu. Há quem diga que a tentativa de se implantar o Parlamentarismo no Plebiscito 1993, foi uma esperança de evitar que Lula se tornasse presidente simplesmente eliminando as eleições diretas de uma vez por todas. Não deu certo.
Mas em seguida veio o plano Real, que garantiu a eleição de FHC, bem como uma política monetária bomba relógio que conseguiu ser estável o suficiente para garantir a reeleição, mas que acabou explodindo antes do tempo, pois o objetivo era que explodisse no futuro e inevitável governo Lula. Chegou-se à cara de pau de tentar empurrar o Apagão para o próximo ano.
Com isso Lula foi crescendo e crescendo, Brizola morreu e as outras opções de esquerda se dissolveram. Era inevitável. Lula chegou ao poder como o construtor de uma pirâmide, aos poucos, mas firme, e construiu sob si uma base suficientemente sólida para ser estável e não poder ser abalada por nenhum escandalozinho fajuto, nem ser implodido por um improvável impeachement.
Bem diferente de Collor, que construiu seu edifício político vertiginosamente e sem firmeza nenhuma, tal como seu amigo do peito Paulo Otávio, um dos maiores construtores de Brasília, e um dos piores.
Com uma trajetória política dessa, há de se convir que Lula veio pra ficar um bom tempo.

TERCEIRO...

Imaginemos que um dia o Lobo Mau tenha flagrado um dos 3 porquinhos derrubando uma casa de palha. E então, de repente, ele se transforma num grande combatente do crime, denunciando heroicamente a crueldade dos porquinhos que andaram demolindo casas de madeira e palha por aí. O Lobo Mau, então se transforma num defensor da ética e da moral, dos fracos e oprimidos e combatente incansável da corrupção.
Pelo amor de Deus...
Posso ouvir pacientemente Cristovam Buarque e Heloísa Helena descerem o pau no PT, pois eles têm moral pra isso. Mas ter que ouvir isso do PSDB, e pior, do PFL?!?!?! Tenha a santa paciência!!!
Não é nem mais o sujo, é o Imundo! Falando do mal-lavado, que por sinal ele mesmo ajudou a sujar!
O povo pode estar longe de ser esclarecido, mas também não é tão estúpido a ponto de engolir tamanha hipocrisia e fajutice! Ninguém levou a sério essa de que, por mais médico que fosse, Alckmin seria uma solução séptica para a doença da corrupção no Brasil. O último a tentar fazer esse papel ridículo deveria ter sido mesmo o Collor.
Certamente quem votou em Alckmin não o fez pensando em combater a corrupção, pois quem quer um governo menos corrupto teria que reeleger o PT, e quem quer votar em políticos santos só tem mesmo as opções de São Branco, São Nulo, e Santa Abstenção.
É claro que todo e qualquer conservador ou reacionário, se é que faz diferença, só poderia mesmo votar em Alckmin, e isso em geral tem haver menos haver com consciência político econômica do que com os resquícios da lavagem cerebral anti-comunista que mais de 20 anos de ditadura fizeram na cabeça dos habitantes do Brasil.
A "direita" foi até bem sucedida em conseguir nublar a distinção dos modos de corrupção, totalmente diferentes, no governo PT e nos governos anteriores, que examinei em O Silêncio dos Inocentes e O Grito dos Culpados, mas é óbvio que isso não chegou nem perto de ser suficiente, pois vê-se que quem votou em Alckmin mesmo, em peso, foi o eleitorado conservador, e não o eleitorado revoltado com a corrupção. Foi o mesmo eleitorado que nunca deu a mínima para a corrupção na ditadura, no Sarney, Collor ou FHC. Porque daria agora?
Os não conservadores, da mesma forma, passaram tempo demais vendo toda sorte de crimes acontecendo a olhos vistos, e completamente impunes, para agora achar que não deveriam votar naquele que é fichinha comparando aos mega gangsters do passado, e que por acaso é o único que de fato começou a pôr alguma ordem em todo esse caos.
Os paulistas têm até uma boa desculpa, pois parece que acham que Alckmin fez um bom governo. Ele que sempre foi ALCKMIN mesmo! Geraldo coisa nenhuma! E isso é só mais uma das vaciladas da campanha. Que eu saiba nunca ninguém chamou esse senhor de Geraldo. Assistir a campanha com uma população dizendo Geraldo pra lá, Geraldo pra cá, soa no mínimo hipócrita! E Alckmin é claramente um nome estranho à população brasileira.
Por outro lado, Luis Ignácio da Silva... Mais brasileiro impossível!

ÚLTIMO

Mas para mim, o melhor e mais flagrante motivo que tornou a vitória de Alckmin impossível é um assunto que parece tabu. Algo que nunca é falado por ninguém, nunca mencionado, mas que está ativo o tempo todo, toda hora, a cada instante de nossos pulsos telefônicos, elétricos e televisivos, e que, mesmo assim, ninguém nunca vê!
SAMPOcentrismo!!!

Até hoje, cerca de 10% dos brasileiros parecem ignorar completamente o fato de que existem outros 90%! Parecem incapazes de pensar que o Brasil vai muito além do "mundinho" que começa em Santos e termina no máximo em Campinas. Tal como os norte-americanos parecem não saber o que há ao sul da Flórida, muitos paulistanos parecem incapazes de saber que:
O BRASIL NÃO É SÓ SÃO PAULO!!!
A campanha do Alckmin agiu da mesmíssima forma, o tempo todo! Ignoraram o resto do Brasil. O PSDB parece que pensava que São Paulo seria suficiente para definir a eleição, e quem tem a curiosidade de ouvir as sessões da Câmara Federal deve ter percebido que a choradeira dos tucanos toda vez que pegavam no microfone não tinha muita sensibilidade ao distinguir uma classe paulistana esclarecida de entusiastas de chuchu, e toda a restante massa desinformada e alienada que vem degustando um suculento fruto do mar há 4 anos.
Até hoje as redes de TV definem a programação de TODO o país, com base em variações de audiência medidas pelo IBOPE em tempo real, EM SÃO PAULO! Toda a programação do Brasil é esquematizada com base não no estado, mas NA CIDADE de São Paulo.
Já vi anúncios de lojas em revistas, e até sites na internet, que colocam seus endereços se esquecendo de dizer que são em São Paulo, como se todo mundo tivesse obrigação de saber! A revista Época, em sua primeira grande reportagem sobre Alckmin, numa reportagem de 10 páginas destrinchou toda a vida do cara, e SE ESQUECEU de dizer que ele era governador de SÃO PAULO! Como se TODO O BRASIL soubesse disso tanto quanto sabe quem é o presidente!
Acontece que 90% do Brasil nem conhece São Paulo, muitos nem sequer sabem que nossas novelas, jornais e programas de auditório são feitos lá, e muitos se acostumaram a passar a vida inteira ignorando totalmente a letra miúda que em quase todo produto industrializado vem dizendo que é fabricado em São Paulo. Made in Taiwan costuma chamar bem mais atenção.
Portanto, não adianta tentar mostrar que o cara foi maravilhoso em São Paulo porque isso não funciona para o resto do país. Pelo menos não chama tanta atenção quanto as ações do PCC.
O PSDB já começou escolhendo o cara errado. O Serra pelo menos tinha sido ministro da saúde, um cargo com real projeção nacional, mas quem pensa que ser governador de São Paulo torna alguém famoso no Brasil inteiro, é melhor começar a trocar a televisão pela internet.
Quem sempre viveu em São Paulo, ou quem sempre governou em São Paulo, simplesmente não pode se dar ao luxo de pensar que conhece o Brasil. A falta de sensibilidade do Alckmin sobre o Brasil foi tamanha que a cada vez que ele achava que havia esnobado o Lula num debate, perdia dezenas de milhares de votos no resto do país. Deveria ter aproveitado seu mandato de Deputado Federal para aprender um pouco mais sobre o mundo fora de Sampa.

Tudo bem... São Paulo é legal. Já estive lá. Uma cidade fantástica. Mas os paulistanos precisam saber que a maioria dos brasileiros ainda pode passar pela Ipiranga cruzando com a Avenida São João, com coisa nenhuma acontecendo no coração.
É LULA de novo! Com a força do Povo!

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Marcus Valerio XR
Outubro de 2006