Este texto foi minha primeira abordagem sistematizada sobre este tema, anteriormente, somente um ingênuo Ensaio Anterior chegou a esboçar o assunto, bem como algumas mensagens no Livro de Visitantes. Trata-se de um projeto amplo, que visa, após lançar um esquema básico, investigar obras clássicas e recentes relativas. Duas abordagens acadêmicas do mesmo já foram realizadas, MCM1-Imortalidade no Fédon de Platão e MCM2-De Anima de Aristóteles*. Mas o projeto possui uma amplitude bem maior. O texto desta página também está longe de ser completo, há muitos elementos a serem desenvolvidos, mas no entanto, creio que já forneça uma ótima base para o tema. Alguns desses desenvolvimentos ocorrem no texto citado acima.

Marcus Valerio XR
5 de Abril de 2006
*16 de Dezembro de 2009


Projeto de desenvolvimento do conceito de



META-CONTINUIDADE MENTAL

A Continuidade da Mente além de nosso Horizonte Existencial



Marcus Valerio XR

Abril-Junho de 2005


ÍNDICE

INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 03

Notas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 06

META-CONTINUIDADE MENTAL

Mente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 07
Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 09
Meta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 12

Notas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 13

AS POSSIBILIDADES DE MCM . . . . . . . . . . . . Página 14
1 – Ressurreição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 16
2 – Plano Astral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 21
3 – Plano Mental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 22
4 – Plano Absoluto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 27
5 – Transmigração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 28

Notas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 30

DUALISMO X MONISMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . Página 31

02


INTRODUÇÃO
Um eminente filósofo do século passado declarou que a Filosofia é uma terra de ninguém entre a Teologia e a Ciência 1, sujeita a ataques de ambos os lados. E se podemos entender isso na medida em que os filósofos podem se deslocar entre estas duas áreas com notável liberdade, abordando questões pertinentes a ambas e contra-atacando ambos os lados, ocorre porém que na contemporaneidade haja um aparente movimento de afastamento da Filosofia da primeira em direção à última, em especial no Novo Mundo.
Alguns pensadores parecem ficar envergonhados em abordar questões que são tipicamente tratadas pelas religiões, quando tais questões não pareçam ter lugar na Ciência. Este texto pretende ir na contra-mão desta tendência, pois abordarei aquilo que é costumeiramente chamado pelo confuso nome de “Vida Pós-Morte”, ou melhor dizendo, a possibilidade de que nossa existência como seres auto-conscientes, de algum modo, continue mesmo após o evento físico da morte, por um tempo indefinido.
Utilizarei o termo Meta-Continuidade Mental (MCM) com o objetivo de delimitar mais especificamente meu objeto de estudo, uma vez que as terminologias normalmente utilizadas para lidar com o problema são fundamentalmente confusas e não raro induzem a erros.
O termo “Vida Pós-Morte” é desaconselhável por exigir uma re-interpretação do significado imediato. É evidente que nesta expressão “Vida”, diferentemente de “Morte”, não se dá no sentido biológico, para o qual sequer há uma definição precisa, mas sim no sentido de mera existência como Ser Pensante e Sensível, para o que utilizarei o termo Mente. Também comum é ocorrer a expressão “Imortalidade da Alma”, que estaria duplamente fora de minha preocupação, pois “Alma” está impregnado de conotações desaconselháveis, a começar pela indefinição de se esta seria o depositário da individualidade, racionalidade, memória e etc, ou seria apenas um princípio “Anima”, idéias que ambas estão presentes também na expressão Espírito. Além disso, não estou indagando da mesma ser imortal ou não, mas sim se apenas continua por um período indefinido de tempo além de nosso comum e mais seguro horizonte de perspectiva.
Com a palavra Mente, espero simplificar o conceito, pressupondo sua existência independente de sua natureza ontológica. Quer sejamos entidades dotadas de Alma ou Espírito, quer em sentido religioso ou filosófico, ou sejamos seres puramente materiais com propriedades cerebrais altamente complexas, podemos dizer que possuímos uma mente, mesmo que esta seja uma mera emergência ou epifenômeno do cérebro.

03


O termo “Continuidade da Mente” é comum entre os budistas2, embora mais comum ainda seja “Continuum Mental”, porém ele por si só é insuficiente para especificar o objeto de preocupação desta monografia, pois a existência de uma mera Continuidade Mental não me parece passível de questionamento. Podemos dizer que o adulto que escreve este texto e a longínqua criança que fui 30 anos atrás são a “mesma” pessoa simplesmente porque há uma Continuidade específica, quer em meu corpo quer em minha mente, apesar das gritantes diferenças entre estes dois momentos de uma mesma linhagem existencial. A memória nos induz a supormos que somos a mesma pessoa que fomos ontem apesar das diferenças inevitáveis, e a própria identidade de um Ser é sustentada por nada menos que um feixe fenomênico contínuo interligado através do tempo.
Sendo assim, uma vez que a Continuidade Mental existe, resta saber se ela pode transcender nossa existência física, ou seja, prosseguir mesmo após a falência de nosso organismo, ou melhor ainda, se dar além de nosso Horizonte Existencial tangível, por isso acrescentei o termo “Meta”, ou seja, Além da mera Continuidade.

A relevância deste tema estaria fora de questão em qualquer outra época da história da Filosofia, e o mesmo só não ocorre agora justamente pela incidência da tendência que me proponho a questionar. Trata-se de um certo “abuso” do cientificismo que pode ser notado em certos nichos intelectuais, incluindo os que se auto intitulam de Céticos3. Em minhas experiências em debates via Internet, tem sido notório que muitos grupos destes “céticos” deram por encerrado uma série de questões clássicas da história da filosofia, em especial a Existência de uma Ordem Intencional no Universo (“Deus”), da Meta-Continuidade Mental e uma série de outras questões correlatas, para as quais, sabe-se lá com que autoridade, deram um veredicto existencial negativo, e esbanjando objetividade.
Um dos objetivos deste texto é demonstrar que isso é filosoficamente insustentável, pois se como o mesmo famoso filósofo do século passado declarou4, a Ciência não dê suporte algum à Meta-Continuidade Mental, ela também não fornece um falseamento válido à mesma, e que muitos que pensam faze-lo sequer se dão conta de que operam num pressuposto igualmente impossível de ser demonstrado, que é o pressuposto Materialista. De certo que em tal pressuposto, a MCM parece muito improvável, mas pretendo demonstrar que mesmo nessa pressuposição é possível articular possibilidades válidas de MCM. Por outro lado temos também a postura inversa. Muitos acreditam ser possível uma demonstração inequívoca de alguma forma de MCM, e muitos inclusive invocando peso científico, posição a qual também me oponho.

04


Concluindo então a Primeira Tese desta dissertação: Me proponho a defender um Agnosticismo relativo ao tema. É impossível, sob uma via objetiva empírica ou racional, demonstrar positiva ou negativamente a existência de uma MCM. Assim, quero enfatizar também que não tenho qualquer intenção apologética, não pretendendo de modo algum defender um ponto de vista específico. É importante frisar que me refiro unicamente à possibilidade de Existência ou Não da MCM, não importando de que tipo ela venha a ser caso exista.
A Segunda Tese, que na verdade está atrelada à primeira, é a de que o problema termina por ser reduzido não somente a uma mera questão de haver ou não MCM, mas sim envolve a questão de saber se o Universo é Monista ou Dualista5, ou ao menos “Não-Monista”, e de que tipo, pois em cada uma das possibilidade a MCM tem maior ou menor possibilidade de ocorrer, sendo que em algumas a probabilidade parece tender a 1 ou 0.
Como Terceira Tese, me proponho a sugerir que apesar da Incognoscibilidade da solução do problema, me parece haver uma probabilidade maior pela existência da MCM, se levarmos em conta probabilidades equivalentes a serem distribuídas para o leque de possibilidade Monistas e Dualistas.
E afinal a Quarta Tese, que tem um valor mais pessoal, proponho que considerar positivamente a possibilidade da MCM é mais sensato do que considerar negativamente, não só por uma questão probabilística, mas porque nesta postura não existe possibilidade de experimentar o erro. Ou seja, apostando na MCM e esta não ocorrendo, não se pode experienciar o erro, mas sim o acerto. Já a aposta contrária, só permite a experimentação do erro. Se considerarmos qualquer valor subjetivo por estarmos certos sobre tal possibilidade, a aposta positiva sempre será vantajosa.

Além do já exposto, creio que este trabalho tem a contribuir também como um exercício de uma idéia que me parece extremamente fértil filosoficamente, o conceito de Continuidade, que tem aplicações ontológicas e psicológicas extremamente relevantes. Tal conceito vem sendo explorado recentemente6, na vanguarda de áreas como Filosofia da Mente e Fenomenologia. Tal conceito desponta, em minha opinião, como uma espécie de dissipador de certas confusões metafísicas, ao afirmar o valor da temporalidade como modo de definir um ente, numa espécie de priorização do Devir sobre a interpretação de tendência atemporal do Ser. A Continuidade explica, entre outras coisas, porque podemos justificar a identidade entre dois entes temporalmente distintos ao mesmo tempo que explica porque outros entes, mesmo sendo muitíssimo mais similares em termos aristotélicos de acidentes, não podem ser identificados entre si. Bem como também a noção de “Continuador Mais Próximo” 6 age como um notável solucionador de dúvidas quanto a identidade de algo em certos dilemas que poderão vir a ser de importância vital no futuro.

05


Por fim, outra justificativa que quero acrescentar é que tal tema é talvez o mais importante dilema da existência, muito mais do que saber de onde viemos ou de onde veio o Universo, ou saber se existe Deus. Mesmo porque se a MCM existir, temos maiores possibilidades de responder a estas outras questões. E além disso, essa dissertação também tem um caráter terminal, uma vez que não me parece, sinceramente, ser possível ir muito além disso por nossos meios racionais, ou seja, creio ser perfeitamente possível esgotar a questão no que se refere a suas possibilidades gnosiológicas, ainda que as implicações sejam evidentemente infinitas.

Marcus Valerio XR
2 de Maio de 2005

1. RUSSELL, Bertrand. A Filosofia entre a Religião e a Ciência
2. Ex: GYATZO, Tengin (o 14º Dalai Lama). A Chave do Despertar da Sabedoria.
3. Ex: A já famosa Sociedade Terra Redonda, ou Ateus.net.
4. RUSSELL, Bertrand. Religião e Ciência
5. TEIXEIRA, João de Fernandes. Mente, Cérebro e Cognição (Petrópolis: Vozes, 2000) Mente e Cérebro
6. NOZICK, Robert. Philosophical Explanations (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1981). Esse conceito é usado com maestria por Richard Hanley na obra “A Metafísica de Jornada nas Estrelas”, no capítulo que questiona se há continuidade entre as mentes de uma pessoa antes e depois de um processo de teletransporte molecular. Em exemplo de uso do conceito de “Continuador Mais Próximo” (Closest-Continuer) ao tema desta monografia, ver o texto Personal Survival And The Closest-Continuer Theory (International Journal for Philosophy of Religion, Vol. 41, 1997, pp. 13-23.)

06


META-CONTINUIDADE MENTAL

A primeira parte desta empreitada deve ser justificar minha opção por um termo tão exótico e inédito, para o qual tenho certeza encontrarei resistências, e que se bem entendido não só delimita devidamente o problema como já aponta para as possíveis soluções. Tenho três objetivos inter-relacionados com tal inovação, a primeira, já dita, de evitar certos problemas intrínsecos ao uso de expressões mais comuns, a segunda para delimitar com maior precisão meu objeto de preocupação, e a terceira, e creio que a mais importante, é que a especificidade deste problema, que eu saiba, é inédita, com aplicações que fogem largamente de qualquer outra abordagem tradicional, a exemplo das que apontarei dentre os clássicos da filosofia. A maior originalidade deste tema é sua abrangência e universalidade, de modo que, como espero que fique claro mais adiante, essa questão permaneceria mesmo aceitando-se as fantásticas possibilidades meta existenciais oferecidas pelas religiões. Ou seja, mesmo que alguém tivesse a experiência daquilo que consideramos como “vida pós-morte”, isso permitira possivelmente apenas uma solução isolada da questão, pois a mesma automaticamente se transferiria para um outro nível. Outro “Horizonte Existencial”
Na realidade, esta questão é muito mais ampla do que o que consideramos mais comumente como relacionado ao tema, tendo também aplicações intra existenciais, como em nossa própria continuidade biológica comum, constituindo então um problema filosófico de confrontação ontológica e epistemológica que perpassa toda uma gama de âmbitos, ainda que seu desmembramento mais impactante talvez ainda seja o que inicialmente sugere.
Para esclarecer melhor todas essas colocações, abordarei cada elemento do termo.

MENTE

A humanidade sempre teve um termo para se referir a alguma característica da constituição humana relativa a sua percepção, individualidade, memória e etc. Desde os termos mais comuns, Alma e Espírito, aos mais exóticos, como Atman ou Mônada1, todos tem em comum a propriedade de se referir a algo que não é imediatamente localizável no físico.
Na atualidade, com o desenvolvimento científico e filosófico, a totalidade destes termos podem ser postos em cheque no que se refere à sua precisão referencial, uma vez que invariavelmente apontam também para algum outro elemento ou conceito insustentáveis no nosso paradigma atual. A palavra Espírito aponta para idéia de “sopro”, Alma para “movimento interno”. Já o termo Mente permanece, segundo alguns como uma espécie de herdeiro ou versão sofisticada dos demais, e não raro sofrendo tentativas de total erradicação por meio de sua redução ao Cérebro.

07


Considero que tal proposta é irrealizável, pelo fato de que mesmo no mais reducionista materialismo o conceito de Mente ainda será diferente do de Cérebro, tornando-se no mínimo impreciso equivaler os dois. Podemos nos referir a algumas propriedades claramente controladas pelo cérebro que não aceitam tal substituição, como a que resultaria na estranha afirmação “as batidas do coração são controladas pela mente”, ou afirmar que um corpo humano recém-falecido tenha uma mente, o que sugeriria pensamentos, sentimentos e vontades, quando seguramente tem um cérebro. Na tradição mais recente e mais em voga da Filosofia da Mente, o Funcionalismo, a Mente é vista como uma função, ou um conjunto de funções, do cérebro. É evidente que não se pode equivaler o conceito de um objeto ao conceito de sua função. Uma faca não é igual ao conceito de cortar! Nesse sentido, penso que tentativas de abolir o conceito de Mente, ou equivale-la a Cérebro2, em geral não passem de iniciativas desvinculadas de pretensões autenticamente científicas ou filosóficas, em geral anti religiosas, uma vez que objetivam anular o único conceito que ainda poderia ser usado por linhas de pensamento religiosas e místicas.
Insisto no termo Mente por me parecer este o mais isento possível de tradições religiosas, ainda que seja uma ponte que permite o diálogo entre Ciência, Filosofia e Religião. Também por ser pouco vulnerável a usos mais acidentados e por resistir ao tempo e ao avanço científico.
Mas o que é a Mente? Nesse caso, um mero conceito que usamos para nos referir a algo em nós mesmos que não podemos isolar nem mesmo por meio de um completo mapeamento cerebral. Ainda que pudéssemos dizer que nossa Mente está em Nosso Cérebro, parece ser impossível dizer onde ela está, parecendo certo que não está em todas as partes do mesmo, visto que muitas áreas do cérebro podem ser destruídas sem prejuízo significativo.
Um dos primeiros filósofos a utilizar esse termo em Latim, do qual se origina, parece ter sido Santo Agostinho, que a considera seguramente com alguma dimensão transcendental, equivalendo-a muitas vezes a Espírito. No entanto me parece perfeitamente plausível, ao menos na obra “O Livre Arbítrio”, tratar esse conceito, Mens, com nuances diferenciadas, uma vez que Agostinho emprega também o termo Alma, e nesse caso com conotação claramente distinta do de Mente/Espírito. É possível notar que as Almas tem Mente, e não os corpos, que são as almas que sobrevivem à morte do corpo, e que talvez pré-existam. Idéias que não surgem associadas à palavra Mente.

08


Temos esta palavra também em Espanhol e Italiano, partilhando da mesma raiz etimológica latina. Já no Inglês, seu equivalente Mind, possui usos e sutilezas diferenciados, como o equivalente do verbo preocupar-se ou importar-se, a exemplo de: Do you mind?
Já no grego, o equivalente mais próximo seria a palavra Nous, usada pelos neoplatonicos, que sem dúvida influenciaram Agostinho. Mas curiosamente, o Nous costuma ser visto como algo pré-existente à Alma, que deste teria emanado, e faz a ligação com o Uno, que é a divindade.
E interessante notar que a Filosofia da Mente é bem mais forte nas tradições de língua Inglesa, onde há o termo Mind, sendo bem menos expressiva nas tradições Alemã e Francesa, e, provavelmente não por acaso, não há um termo equivalente tão específico como Mente ou Mind nestes idiomas, que em geral usam respectivamente as palavras Geist e Espirite, evidentemente Espírito, que como vimos está muito mais impregnado de significações paralelas. Isto pode nos sugerir um exemplo de como a terminologia disponível em um idioma pode se relacionar com o modo de filosofar.
Por outro lado, podemos encontrar no oriente um termo de significação bem mais aproximada, o sânscrito Citta, largamente usado pelo budismo, onde ocorre também o termo Citta-santana, o Continuum Mental 3, como tem sido traduzido para o Português. É interessante notar a opção pelo termo latino Continuum, que a princípio não existiria em Língua Portuguesa, ao invés de simplesmente Continuidade. Não é a primeira vez que isto ocorre, e nem o único idioma. Einstein e a Relatividade agruparam os conceitos de Espaço e Tempo numa entidade única chamada Continuum. Optei por usar o termo Continuidade não apenas por apreço ao Português, mas também para evitar associação imediata com o Budismo, e porque este conceito budista já pressupõe um dualismo. Continuidade é nosso próximo tópico.
Mas antes, e por fim, apelando mais uma vez para uma aceitação como mero uso operacional, quero enfatizar que qualquer conceito de Eu só pode se dar na Mente.

CONTINUIDADE

Esse talvez seja o conceito mais fundamental de toda esta monografia, pois é ele que quero proteger de possíveis más interpretações. Todos os entes “Continuam”, ou seja, existem no tempo. Não existe algo instantâneo. Um objeto físico qualquer ocupa um lugar nas 3 dimensões do espaço, e também numa dimensão do tempo, uma vez que existe por algum período. Portanto, podemos afirmar que ocupa um “lugar” no tempo.

09


Algo correlato pode ser dito de entes abstratos e idéias em geral. Desde que são concebidas elas passam a existir como conceitos, e se não ocupam um lugar no espaço, ao menos ocupam um momento no tempo, na medida em que para serem pensadas o devem ser mediante um processo mental que dispende tempo, e mesmo que existissem num mundo Ideal e Eterno, só podem ser “acessados” pelo pensamento através do tempo.
Mais importante ainda é que não se trata de uma mera existência temporal, mas uma existência contínua, os objetos físicos não podem deixar de existir e voltar a existir posteriormente. Os objetos mentais talvez, mas qualquer desenvolvimento nestes, isto é, os pensamentos, se dá em processos temporais. Além de que tal questão terá uma conseqüência séria mais adiante.
Mas o que interessa no momento é que a Continuidade parece vital para concebermos a existência de algo. Um ser, ao ocupar um lugar no tempo, é então uma linha de continuidade existencial. Podemos dizer que uma pedra existe por um determinado tempo, havendo então uma continuidade de algo que podemos chamar de pedra. Em termos aristotélicos, podemos afirmar que a Substância existe sob uma Forma com todos os seus acidentes somente durante um certo tempo, e que nada pode ser claramente pensado como existente fora do Tempo.
Mas a Continuidade se mostra mais vital quando nos deparamos com as transformações. Um ente passa a ser outro ente, mas seus constituintes sustentam uma continuidade que perpassa tais transformações. Numa explosão, por exemplo, temos elementos prévios que permanecem posteriormente, ou seja, afirmamos que “Nada se Perde” ou “Se Cria” dado a uma continuidade causal que interliga os produtos anteriores e posteriores à explosão.
A riqueza do conceito de Continuidade é ampla demais para ser totalmente abarcada aqui, o ponto mais crucial é seu uso na identificação de algo, pois parece ser o único conceito que garanta a identidade através das sucessivas e intermináveis transformações.
Se adquirimos um automóvel hoje, podemos afirmar que este é “Meu Carro”, o que inclui todas as suas partes constituintes, motor, freios, rodas e etc. No entanto podemos ao longo dos anos ir trocando gradativamente essas peças, de modo que o veículo atual não é exatamente o mesmo que o anterior, no entanto, acreditamos ser justificável que este permaneça sendo o “Meu Carro”. Com o tempo, é possível que nenhuma parte do original permaneça, mas mesmo assim podemos considera-lo “Meu Carro” para todos os efeitos práticos, físicos e jurídicos.
O que então garante essa relação que não o fato de haver uma continuidade que interliga todas as peças constituintes do mesmo? Se o veículo fosse completamente desmontado e nos fosse dado um novo montado com peças completamente diferentes, resistiríamos ao afirmar que este é o mesmo “Meu Carro”, mas sim seria “Meu Novo Carro”. Mas como nem todas as peças foram trocadas simultaneamente, há algo que as interliga e as integra num ente conceitual que permanece através do tempo.

10


As partes compartilham da identidade do todo, pois afinal essas são as peças do “Meu Carro”, quando são trocadas podemos dizer que são peças novas, mas que coexistem com as anteriores, sendo então integradas numa continuidade existencial. Por fim, se nenhuma peça original restar, temos que lembrar que as atuais em algum momento coexistiram com anteriores originais, ou com outras que conviveram com originais, ou ainda mais longinquamente.
O mesmo acontece com nosso corpo, sabemos que ao longo de nossa vida todas as nossas células são substituídas, nem mesmo nossas moléculas serão as mesmas, uma vez que estamos constantemente interagindo com o ambiente, ingerindo e expelindo matéria de diversas formas possíveis. Somos então parte integrante de um universo físico que nos altera e que é alterado por nós. No entanto isso não implica em dizer que não somos a mesma pessoa que éramos há décadas atrás, pois existe uma linha contínua de eventos que nos interliga.
E por fim, onde nos interessa, aquilo que consideramos nossa Mente não foge a este processo. Ao longo da vida nossos conteúdos mentais mudam, temos novas memórias e perdemos memórias antigas, mudamos nosso modo de pensar e passamos por uma miríade de transformações psíquicas que podem ser muitíssimo mais rápidas e bruscas que as que nos acometem ao corpo. No entanto nossa identidade permanece. Possuímos uma individualidade que perpassa toda uma vida, que continua.
Parece válido supor que enquanto houver esse contínuo mental ao longo do tempo, podemos sustentar a continuidade de nossa identidade, de nossa experiência subjetiva, consciência4 e intencionalidade. Ou seja, o que quer que possamos considerar como sendo nós mesmos, é sustentado nesse contínuo existencial. Essa continuidade é incessante como fenômeno. Mesmo quando dormimos, permanecemos em sonhos, se essa experiência fenomênica é suspensa, como no caso de uma anestesia geral, nada percebemos, e a noção de tempo desaparece por completo. Ou seja, só existimos enquanto apresentamos atividade mental. Se nos ocorresse de ficarmos anos, séculos ou eras mentalmente desativados, quando fossemos reativados não teríamos nenhuma percepção do tempo decorrido. Essa interrupção de continuidade por si só já é suficiente para por em cheque nossa identidade? Podemos então dizer que o indivíduo que “hibernou” num momento é de fato o mesmo que “retornou” posteriormente? Embora a princípio possa parecer que sim, proporei mais adiante uma simples experiência mental que faz nossas intuições sugerirem que não.
Enfim, da idéia de continuidade, fio condutor desta obra, quero destacar que a relação entre uma permanência constante no tempo e a sustentabilidade da identidade estão intrinsecamente amarradas. Para entes físicos parece pouco discutível, mas será que isto se estenderá para os entes mentais?

11


META

Mas o objeto desta monografia não é a simples Continuidade, mas sim a possibilidade de um nível de continuidade que vá além de nossa experiência comum, que chamarei de nosso “Horizonte Existencial”, ou seja, até onde podemos “ver” com clareza que nossa existência poderá se estender com alguma segurança. Podemos pressupor nossa permanência enquanto nossa Continuidade Mental estiver ligada à nossa Continuidade Corpórea, enquanto nosso corpo está biologicamente vivo e funcional. A grande questão é: Podemos esperar Continuidade Mental além da Continuidade Corpórea? Ou seja: Pode existir Meta-Continuidade Mental?
Um primeiro detalhe é o emprego do hífen entre “Meta” e “Continuidade”, que se explica por minha pretensão de unir as expressões numa idéia única. Portanto, este trabalho é sobre a “Meta-Continuidade”, de quê? Da Mente. Há uma sutil mas notável diferença entre isto e a idéia de uma Meta “Continuidade da Mente”, pois nesse último caso eu estaria me referindo a uma outra continuidade que estivesse além de nossa experiência. Não é somente este meu objeto de reflexão, mas sim, e mais, se haveria uma ligação lógica entre “Esta” Continuidade que se dá paralela ao físico, em nosso Horizonte Existencial, e uma possível “Outra”. Ou seja, usando a expressão Meta-Continuidade Mental já está dada a questão, havendo uma existência no Aqui, e uma existência no “Além”, elas podem ser interligadas? As implicações disto são bem mais Contundentes do que podem parecer a princípio. Esquematicamente, segue o gráfico.
E para concluir esta parte, o termo Meta pode se referir não somente à nossa existência atual. Se existirmos num outro mundo, numa outra substância, num mundo espiritual ou similar, a questão permanece. Haverá além daquele Horizonte Existencial, possibilidade de Continuidade em um outro Meta Horizonte Existencial? E ainda mais interessante, há de fato Continuidade com um Horizonte “anterior”?
Esta é a pergunta mais original: Se passarmos a existir num outro Horizonte Existencial, como podemos ter certeza de que somos de fato Continuação da existência anterior?

12


1. Nesse caso não se trata exatamente das Mônadas de Leibniz ou de Scottus, mas sim de algumas religiões neo-gnosticistas, místicas e exotéricas que usam tal termo para designar uma unidade fundamental da “essência espiritual” do indivíduo.
2. Como exemplo o artigo “Espírito, Alma e Mente”, de Frank R. Zindler, disponível em www.str.com.br/Scientia/mente.htm que questiona a substancialidade dos termos do título, sugerindo que Mente deveria ser antes um Verbo do que um Substantivo. Vale salientar que existe o verbo “Mentar” em Português, por mais incrível que pareça! Está em todos os dicionários como sinônimo de “Recordar”. No entanto jamais o vi ser utilizado nem mesmo por psicólogos, neurobiologistas ou Filósofos da Mente.
3. Como exemplo dentre outros os links: www.salves.com.br/dicpaliport.htm e www.dharmafellowship.org/library/texts/cultivation-of-enlightened-mind.htm . Este conceito budista de “Continuum Mental” na verdade diz respeito a uma forma de Meta Continuidade, porém já pressupondo uma existência perpétua da Mente num plano não físico paralelo, conceito com o qual não quero me envolver ao usar a expressão MCM. Para ilustrar bem esta diferença, enquanto eu não me comprometo necessariamente com uma pré-existência ou imortalidade da Mente, vejamos este exemplo de pensamento budista: No Budismo dizemos que não há princípio. Um princípio é ilógico. De onde vem um princípio? No Budismo dizemos que a continuidade das coisas não tem princípio. A continuidade da mente também não tem princípio,” Dr. Alex Berzin (Ex-tradutor do Dalai Lama) www.stb.org.br/lojafenix/afins5.htm
4. Evito ao máximo utilizar de forma genérica o termo “Consciência” devido a sua múltipla significância. Faço concessão somente para a expressão “Auto-Consciência”, que utilizo como forma de designar a noção de individualidade, bem como em momentos onde o contexto deixe bem clara sua significação.

13


AS POSSIBILIDADES DE MCM

Sendo mais abrangente do que a mera questão de existir “vida pós-morte” ou “permanência da alma”, a questão sobre a Meta-Continuidade Mental engloba todas elas, nesse sentido, as possibilidades historicamente sugeridas pelas religiões e sistemas filosóficos podem ser agrupadas ao menos em 5 categorias principais, que preferi dividir em dois grupos.
Destas, as 3 primeiras seriam:
1 - MCM por meio de Ressurreição Corpórea
É a idéia de que a Mente continuará a existir atrelada ao corpo após este ser completamente reconstituído num futuro pós-morte. É a proposta das religiões abraâmicas, mas também é possível concebe-la por meio de Hiper Tecnologias ou eventos extremamente improváveis. Curiosamente é largamente desconhecida pelos próprios fiéis das religiões que a professam, principalmente cristãos católicos, que não raro ainda tem uma visão de permanência num mundo espiritual, expressa na idéia comum de “ir para o céu”, que é a próxima possibilidade.
2 - MCM num mundo Espiritual
Seguramente a idéia mais difundida no mundo é a que sugere que continuaremos a existir numa espécie de plano etéreo, como um fantasma do mundo físico, também chamado por muitos de Plano Astral. Neste caso continuaria a haver um tipo de “Corpo”, porém menos denso e de propriedades diferentes do corpo físico. Tem sido largamente racionalizada por religiões espiritistas, como o Kardecismo, que propõe inclusive a existência de estágio intermediário entre o Corpo Físico e o “Espírito”, neste caso Mente, por meio de um Perispírito.
3 - MCM num mundo Mental puro.
Desconsidera a idéia de um corpo, quer etéreo, quer denso, supondo a existência de um tipo de “Plano Mental”. É uma idéia que pode ser vista em algumas vertentes do Budismo, de escolas Místicas exotéricas, ou no próprio Neoplatonismo. Apesar dessa “não-forma” específica que teria a Mente, haveria alguma conservação da individualidade.

Estas 3 idéias estão numa evidente gradação de “densidade”. Com Corpo, com “Semi-Corpo”, e sem Corpo. Preferi separar as demais por não se encaixarem exatamente nesta gradação, ao menos parcialmente.

14


4 - MCM por dissolução num“Absoluto”
Muitos nem considerariam isto um tipo de MCM, uma vez que parece haver uma dissolvição da Mente e ou aniquilação do Eu. No entanto eu não vejo motivo para não considera-la, uma vez que isso não significa que os conteúdos mentais se percam, ainda que sofram drásticas alterações. Analogamente, se compararmos nossa Mente no princípio da infância com a da idade adulta, notaremos que a mesma foi de certa forma “absorvida” num complexo mental muito maior, isso não nos faz crer que nossa mente infantil e seus conteúdos mentais se extinguiram. Nesse caso, a absorção da Mente por um coletivo de Mentes, ou por uma Macro Mente, ainda que elevando a personalidade a um outro nível existencial, ainda assim seria uma forma de MCM. Essa idéia é comum entre os Exotéricos, os Panteístas, e alguns Neoplatonistas.
5 - MCM por transferência Mental para um outro Corpo
É a Metempsicose, Transmigração das Almas, Reencarnação ou similar. Poderia ser considerada como um estágio mais avançado da MCM Espiritual, pois é comum crer-se que há primeiro uma passagem num plano celestial para depois haver a reencarnação. Porém também há vertentes que pregam um “Retorno” quase instantâneo para o mundo físico em um outro corpo, onde em geral pode haver perda ao menos temporária de conteúdos mentais. Também pode ser concebida como uma modalidade especial de MCM por Ressurreição, onde o que ressurge não é exatamente o mesmo corpo antes dissolvido. Esta possibilidade também tem um caráter especial por envolver provavelmente duas transições de Horizontes Existenciais, implicando em duas MCM contínuas. E é claro, seu acúmulo, como na idéia de uma ampla roda de encarnações com passagens por um plano espiritual, mental ou não, implicaria em MCMs em série.
Sem dúvida que todas estas opções podem ser combinadas, mas esta divisão permite isolarmos alguns dos problemas fundamentais de cada uma. A primeira é com relação ao Problema Mente-Corpo. Nos parece bem mais fácil imaginar a MCM no sentido de continuidade corpórea. Portanto abordaremos primeiro a possibilidade 1, onde nossa familiaridade com a idéia de estarmos atrelados a um corpo dispensa maiores indagações detalhísticas de uma série de características deste Meta Horizonte Existencial, e nos permite concentrar na MCM em si.

15


1 - RESSUREIÇÃO
Escritores de Ficção Científica e Filósofos tem muito em comum, em especial os Filósofos da Mente. Sendo as experiências de pensamento uma constante entre estes últimos, e considerando que é comum ao escritor de FC traçar mundos imaginários, logo se evidencia a similaridade. Foi por intermédio da FC que tomei contato com questões relativas à MCM na transição corpórea, bem como por filósofos que abordaram obras de FC
O escritor Philip José Farmer, em seus livros da “Saga do Mundo do Rio” 1, concebe um outro planeta onde toda a humanidade que já viveu sobre a Terra, incluindo Neanderthais e outros hominídeos inteligentes, é ressuscitada em corpos rejuvenescidos mediante uma avançada Ciência extraterrestre. Num diálogo que envolve personagens fictícios com personagens históricos reais, incluindo o aventureiro britânico vitoriano Richard Francis Burton e Hermam Goering, comandante da Luftwave Nazista, um escritor de FC e alter ego do autor explica que na realidade todas as pessoas que já viveram na Terra estão mortas e jamais retornarão à vida, e que aqueles que estão ali são meras cópias, que trazem as memórias dos originais e que pensam serem os originais, mas que na verdade são produtos fabricados por ultra avançados recursos científicos, com uma matéria diferente daqueles que viveram na Terra.
Idéias similares são desenvolvidas em outras obras, uma bem mais acessível é o filme “O Sexto Dia”, com Arnold Schwarzenegger, onde é comum o back-up periódico do cérebro de certas pessoas relativamente importantes, e a duplicação de corpo em caso de fatalidades. Porém um engano faz com que haja uma duplicação sem ter havido a morte do original, gerando uma confusa situação, pois o espectador é levado a acompanhar o drama daquele que aparentemente é o original, para depois descobrir que ele é a cópia, que compartilhava de todas as características originais e vivendo a sensação de estar sendo substituído por um impostor.
“O Impostor” é também um filme com Gary Sinize, baseado em obra do escritor Philip K. Dick, onde um andróide cópia de fabricação alienígena passa o filme inteiro acreditando ser o original, quando na realidade foi criado com todas as memórias já prontas há poucos dias.
O que estas idéias nos sugerem é um aforisma que há tempos eu mesmo formulei, que afirma “A Memória não prova a História”. Em termos de possibilidades lógicas, o fato de termos lembrança do que fomos e fizemos não nos garante necessariamente que de fato o fomos e o fizemos, pois podemos supor que somos meras cópias recentes.
Por mais ousado que isso possa parecer, é uma possibilidade que não pode ser negligenciada quando estamos pensando em limiares extremos, como no caso da ressurreição. Ora, se nem mesmo no aqui e no agora, nossa memória pode nos garantir que somos de fato uma continuidade de alguma pessoa anterior, como poderia então que uma ressurreição ocorrida no futuro o fizesse?

16


Como na mesma obra de Philip José Farmer é sugerido, essa Continuidade da Mente original só ocorreria caso houvesse um tipo de conexão entre o corpo original e o corpo duplicado por meio de uma outra substância, e o que temos então é o mesmo elemento pelo qual a ressurreição da tradição abraâmica é racionalmente viabilizada.
De acordo com a Bíblia e o Corão, todas as pessoas que já viveram serão um dia ressuscitadas em novos corpos, quando se dará o Juízo Final. Para este sistema de crenças, a MCM é viabilizada devido a existência da Alma, ou na minha terminologia, de uma substância Mental que permanece de modo independente do físico. Após a morte, essa substância poderia ficar adormecida em algum “local” até ser finalmente reconectada ao novo corpo, e evidentemente não teria nenhuma percepção da passagem do tempo. Ou sob algumas interpretações ficaria em um plano espiritual até a ressurreição, e então teríamos uma óbvia mistura com a possibilidade 2, de MCM num plano espiritual. O que quero explicitar então é que podemos conceber essa possibilidade 1 como uma transição que para a consciência da Mente seria instantânea. Para a pessoa que morreu, acordaria no dia do Juízo num piscar de olhos, mesmo que tenham se passado milhares de anos no mundo físico.
Nesse caso, inicialmente, tanto a vida presente quanto a futura aparentemente se dariam no mesmo Horizonte Existencial. A MCM seria garantida num Plano Mental paralelo.
No entanto nossa vida pré-morte não nos permite visualizar com clareza a futura vida ressuscitada, e nesse caso iria contra minha definição de Horizonte Existencial ( HE ), que é até onde nossa expectativa de existência pode se dar com segurança. Nesse sentido, podemos então falar em dois HEs mesmo que se dêem num mesmo plano material. O Meta Horizonte é a vida ressuscitada, e o Plano Espiritual paralelo não seria um HE porque não há “existência” da Mente como ente Consciente, a não ser é claro que pensássemos em termos da Possibilidade 2, nesse caso esse Plano Mental/Espiritual seria o Meta HE.

17


Vemos então que nesse caso pressupomos um Dualismo, onde há um mundo Material e um Plano Espiritual, ou para colocar em meus termos, há uma Substância Material e uma Substância Mental que são separáveis. Porém, a ressurreição pode ser pensada em termos de Monismo Material, como na ficção de Philip José Farmer, ou na minha própria. Em meu conto de FC “Além da Ressureição” 2 , imaginei um ressurreição mediante uma avançadíssima tecnologia futura que fosse capaz de rastrear imagens do passado e reconstruir o corpo molécula por molécula numa duplicata exata. Nesse caso, trabalhei com uma hipótese similar a de um Plano Mental, mas pressupondo um Monismo com dualismo de propriedades. Mas caso ocorresse do Universo ser unicamente Material, e as propriedades mentais meras operações funcionais das estruturas físicas, então a MCM aparentemente estaria inviabilizada, a não ser talvez por possibilidades que prefiro desenvolver mais tardiamente neste texto.
Na realidade, enquanto experiência pessoal subjetiva, haveria que se questionar até mesmo se haveria Continuidade Mental após estágios de aparente desativação cerebral, como em estados de anestesia profunda ou de quase morte, onde muitas vezes a inatividade cerebral acompanha o período de total inconsciência do indivíduo.
Por enquanto, o que espero que fique claro, é que na Ressurreição a MCM só parece realmente provável num Dualismo de Substância ou ao menos de Propriedades. Isso pode parecer contra intuitivo para muitas pessoas, que tenderiam a aceitar sem muita dificuldade que uma pessoa de um momento segundo que possui o mesmíssimo corpo e as mesmíssimas memórias e personalidade da pessoa de um momento primeiro, necessariamente seria a mesma pessoa, mesmo devido ao conceito de Continuador mais Próximo. Todavia, posso sugerir uma experiência de pensamento que seguramente vira essa intuição em sentido contrário.
Em seu excelente livro A Metafísica de Jornada nas Estrelas 3 , o filósofo Richard Hanley aplica conceitos arrojados de Filosofia da Mente, Analítica e Lógica para examinar idéias presentes na famosa serie de FC conhecida originalmente como Star Trek. Num dos capítulos mais emocionantes do livro, ele aborda a questão do Teletransporte de Matéria, e das questões ontológicas que tal tecnologia implicaria.
O Teletransporte seria um processo no qual toda a matéria de um objeto, incluindo um organismo humano, fosse completamente desintegrada, tele transmitida em forma de energia para locais distantes e depois reintegrada na forma original, resultando num método extremamente eficiente de deslocamento. No próprio universo ficcional da série, há quem manifeste receio de usar tal sistema por ter dúvidas de que a pessoa que sairá da máquina de teletransporte no local de destino seria de fato a mesma que adentrou no local de origem.

18


Hanley trabalha com duas hipóteses básicas depois de descartar a existência de um Plano Mental paralelo independente, o que aparentemente eliminaria o problema, pois a Mente poderia então ser reconectada com o corpo destino. As Hipóteses são relativas à importância da matéria específica que passa pelo processo. Se considerarmos num primeiro caso que a matéria que está compondo nosso corpo tem papel relevante na constituição de nossa mente, então seria fundamental transportar integralmente a matéria desintegrada para o destino. Mas se num segundo caso isso não for importante, isto é, se não for preciso que os mesmos átomos que estão Aqui tenham que estar presentes Lá, então não haveria real necessidade de transportar a matéria, com todas as aparentemente insuperáveis improbabilidades físicas em que isso implicaria, mas sim seria necessário enviar tão somente a informação.
Então ao invés de se enviar a Matéria original, enviaria-se somente a informação necessária para montar um corpo idêntico ao original com matéria diferente, e aí começam os problemas. Pois se somente a informação for necessária, o que impediria de então se criar vários corpos diferentes com os mesmíssimos padrões de informação? Poderia-se então gerar várias cópias idênticas ao original, todas elas com as mesmas memórias e com plena certeza de serem as originais.
A experiência de pensamento que eu quero sugerir é a seguinte: Suponha que repentinamente você descubra que há uma cópia sua andando por aí, que por sua vez também pensava que era o original. Considere então que na verdade você pode ser a cópia, produzida, quem sabe, por extra terrestres super poderosos com objetivos enigmáticos. Imagine que você num dia normal, de repente se depara com está cópia e após algum tempo de conversa, chegam ao impasse de saber afinal quem é o original.
Ora, sua memória não seria nada útil, pois o duplicado teria as mesmíssimas memórias. É claro que se ambos vivessem independentemente por tempo suficiente, acabariam por se tornar pessoas cada vez mais diferentes entre si, por passarem por experiências diferentes mesmo que permanecessem o máximo possível juntos, afinal, jamais poderiam ocupar o mesmo espaço e tempo. A questão então é: O fato de haver essa duplicata sua lhe deixaria tranquilo quanto a possibilidade de extinguir sua própria existência? Você então não se importaria de ser morto, acreditando que continuaria vivendo no outro corpo?
Sou capaz de apostar que a resposta é não. Mesmo que tenha certeza que haja um outro você, isso não faria com que você abrisse mão de sua própria existência confiando que continuaria a existir no outro, a não ser é claro numa disposição suicida. Se este for então o caso, é porque sua intuição diz que aquele outro você não é você realmente, não compartilha de sua mente e de fato não poderia garantir sua MCM.

19


Sendo assim, se nem mesmo com uma cópia idêntica coexistindo no presente teríamos tranquilidade com relação ao nosso próprio fim, que tranquilidade teríamos com a idéia de uma futura cópia num outro tempo e local? Intuitivamente, isso jamais garantiria nossa MCM.
A única possibilidade contrária que posso imaginar é no caso de que esta duplicação imediatamente implicasse num tipo de bipartição da Consciência. Se de repente você começasse a ter visões de estar em outros locais, recebendo estímulos em dobro, e então soubesse que isso ocorre devido a existir uma cópia sua. Ou seja, os dois corpos compartilhariam uma mesma experiência mental, pois seria como uma única mente em dois corpos. Seria fácil confirmar isso com observações simples do conhecimento de uma das cópias sobre a situação da outra mesmo que esta estivesse num local distante.
Em meu conto “Além da Ressurreição” eu trabalho com essa hipótese, que seria então um tipo de “prova” empírica da existência de um plano Mental paralelo ao físico. Já o escritor Philip José Farmer cortou essa possibilidade, ao imaginar que no caso de se criarem duplicatas, somente uma adquire vida.
Mas suponhamos que isso não ocorra, e que cada indivíduo seja capaz de supor ser o original, como nos filmes de FC anteriormente citados. Se assim for possível, então o que nos garante que nós não sejamos de fato duplicatas criadas há pouco tempo atrás mas com memórias que sugerem longos anos de passado?
Neste caso, com isso, adianto então que seria impossível haver certeza epistêmica da MCM. Mesmo que experienciássemos um outro Horizonte Existencial. Se um dia despertarmos no dia do Juízo Final diante do trono de Jesus Cristo, os bons filósofos poderão por em dúvida se são de fato uma autêntica Continuação da pessoa anterior, e dessa forma teriam então dúvidas de que sua existência futura esteja logicamente garantida. Se isso tudo for verdade, jamais a perspectiva de destruição de nosso corpo deixaria de ser assustadora, pois poderia ser a passagem para o Não-Ser.
A única forma de solucionarmos essa dúvida seria, talvez, com a experiência de uma duplicata, que caso manifestasse a bipartição da consciência, poderia constituir um prova da independência da Mente. Salvo isso, por mais incorruptíveis que sejam nossos novos corpos ressuscitados, por mais potentosos que sejam os milagres presenciados, nada poderia garantir a certeza de que a MCM de fato existe, pois poderíamos ser criações recentes com memórias antigas, possibilidade que não pode ser negligenciada no caso de considerarmos eventos tão extremamente espetaculares.
Assim, somente um Dualismo Matéria - Mente garantiria a MCM.

20


2 - PLANO ASTRAL

Nesta Possibilidade 2 temos alguns elementos mais incógnitos, mas que no entanto não demandarão tratamentos mais prolongados, e sim o contrário. Como não é objetivo desta monografia explanar sobre a constituição de um possível mundo espiritual nem com as propriedades da substância que o iria compor, devo me ater a questões meramente relativas a continuidade da Mente.
Todos conhecemos muito bem a idéia de “morrer e ir para o céu”. Valhala, Campos Elíseos ou Morada dos Deuses e similares são elementos fortes no imaginário da maior parte da humanidade. Outrora, era uma grande esperança da humanidade encontrar um paraíso na Terra. Quer fosse numa cordilheira isolada como Shangri-lá, numa terra remota e distante como o Eldorado ou o Hi-Brazil. Mas com o conhecimento de todo o globo, o paraíso teve que ser definitivamente deslocado para alguma região mais inacessível. Desde então, me parece, a idéia de que esse destino ditoso deveria se dar num mundo diferente se consolidou em definitivo.
Evidentemente, esse Plano Astral (termo que me é preferível a Espiritual em vista a evitar típicas confusões com esta última palavra) implicaria também num Dualismo de Substância, uma vez que trata-se de uma outra “dimensão”, em Português confundida devido ao uso ambíguo da palavra Céu, mas em Inglês bastante distinguida graças as palavras Sky e Heaven. Haveria no entanto um questionamento a respeito de haver uma Terceira Substância.
Para exemplificar esta idéia podemos recorrer a conceitos do Espiritismo Kardecista 4, onde seríamos formados por Corpo Físico, Perispírito e Espírito. Ou conceitos da Conscienciologia 5 de Waldo Vieira, onde temos Soma, Psicossoma e Mentalsoma. No neo-gnosticismo 6 sul americano, fortemente influenciado pela Teosofia, temos a idéia de Corpo Físico, Corpo Astral e Corpo Mental. Portanto são apenas 3 exemplos que remontam a idéias clássicas de uma divisão trinária do humano, onde o único elemento claramente constante é o Corpo Físico, e onde outrora termos como Alma, Espírito e Mente foram usados para os demais.
No Kardecismo fica claro que a Mente é o Espírito, e o perispírito faria um tipo de conexão intermediária com o Corpo. De uma certa forma, isso poderia ser interpretado como uma solução para o problema da comunicação entre as Substâncias, embora o Kardecismo por vezes se articule com um Monismo.

21


No entanto, o que a mim interessa não é simplesmente haver duas, 3 ou mais substâncias, mas sim o dilema entre haver apenas Uma, ou Mais de Uma. No caso de haver mais de Uma, invariavelmente haveria o equivalente a uma Substância Mental. Havendo então um Plano Astral, haveria lugar para uma independência da Mente em relação ao corpo, mesmo que esta ainda estivesse atrelada a um “Fantasma” Astral. Neste caso a MCM seria:
Em literaturas Kardecistas como a famosa obra Nosso Lar 7, há descrições detalhadas do mundo espiritual, e podemos entendê-lo como uma espécie muito similar ao físico, mas não na forma de cópia e sim na forma de matriz, tal como se fosse a referência ideal platônica. Um filme que ilustra um conceito bastante similar é “Um Visto para o Céu” (Defending Your Life) com Meryl Streep.
Por mais sutil e “fluídico” que fosse este Mundo Astral, uma coisa parece ficar clara. Continuamos a pensar em nossa Mente como vinculada a um corpo, o que ilustra a dificuldade em concebermos com clareza a idéia de uma Mente Pura. Mas para efeitos desta monografia, o importante é destacar que tal Possibilidade pressupõe a existência de mais de uma Substância, e lembrar que praticamente todas as questões epistemológicas da possibilidade anterior podem ser aplicadas aqui. Como poderíamos ter certeza de que de fato somos uma autêntica MCM do Horizonte Existencial anterior e não uma Cópia recente? Neste caso, nem mesmo a experiência de duplicação poderia ser elucidativa, pois as dificuldades de comunicação entre o Físico e o Astral poderiam levar o Corpo físico a supor que as possíveis impressões advindas do Astral, caso ocorram, fossem alucinações, como poderíamos, do Plano Físico, confirmar a existência deste suposto corpo Astral? E uma duplicação de dois Astrais simplesmente não teria qualquer validade para garantir a conexão com o físico.

3 - PLANO MENTAL

Bem mais raro de se encontrar nas diversas identidades religiosas, essa Possibilidade 3 abre também uma janela para a Possibilidade 4, por vezes confundido-se. Talvez por isso seja mais difícil identificá-la. Ela é bastante clara no Neo-Gnosticismo e na Teosofia, mas no Budismo costuma se confundir com a dissolução.

22


Refiro-me neste caso à sobrevivência da personalidade num plano onde a existência é muito mais difusa e onírica do que no Plano Astral anteriormente citado. Parece-nos a princípio que as mesmas questões epistemológicas quanto a haver de fato a MCM podem se aplicar, e é evidente que isso implica ou num Dualismo, ou numa possibilidade oposta ao Materialismo, que eu chamo de Monismo Mentalista.
Neste último caso, a exemplo similar ao do Bhramanismo, poderíamos considerar que ao invés da Mente ser um tipo de ilusão no mundo físico, posição comum entre os reducionistas neurocognitivos, seria o mundo físico uma ilusão da Mente.
Mas ainda podemos sustentar um Dualismo ao estilo Platônico, como se este Plano Mental fosse o próprio Mundo das Idéias em Si. O Gráfico então seria idêntico ao anterior, com a mera substituição de Plano Astral para Plano Mental, ou poderíamos também considerar uma transição do Físico para o Astral e depois deste para o Mental. Porém é mais difícil pensarmos em termos desta possibilidade devido a nossa experiência ser sempre a de um casamento entre Mente e Corpo.
Talvez estados de sonho ou delírio possam nos dar alguma idéia de como seria estar num estado mental puro, mas é bem provável que a noção de individualidade fosse posta em cheque, uma vez que não haveriam “corpos” para estabelecer as devidas distinções espaciais, ou caso houvesse um Corpo Mental, o problema permaneceria como na possibilidade anterior. No entanto, quero insistir que nesta Possibilidade de Plano Mental pensemos na ausência de qualquer equivalente à Corpo.
Uma boa analogia seria com programas digitais numa memória de computador. Eles possuem um “Local Lógico”, mas tão maleável que não pode ser claramente identificado como físico, mesmo porque podem mudar de “local” e ser copiados. Neste caso ainda se poderia de algum modo resguardar a individualidade, pois haveria formas de identificação lógica, e não física, entre uma Mente e outra. Mais uma vez poderíamos invocar os mesmos problemas de duplicação relativos à Possibilidade 1, caso a base material não seja relevante para a identidade Mental, mas é essa idéia que quero por em xeque, com o elemento mais importante deste capítulo ( além da necessidade de haver uma substância mental ), utilizando a noção de uma certa dinâmica dos “Agregados Mentais”.
Chamemos qualquer pensamento, sentimento ou idéia, pelo nome simplificado de Agregado Mental. Não importa por enquanto a natureza exata deste ente, nem suas categorias básicas, a não ser que qualquer Agregado Mental é na verdade um composto de Entidades Mentais que sejam redutíveis a um mínimo teórico. Dessa forma, espero estabelecer uma analogia com a Matéria, onde qualquer forma de corpo é um Agregado Material composto de entidades físicas redutíveis a um mínimo teórico que poderia ser um Átomo de Demócrito, um Quark, ou uma P-Brana.8 Não importa. O importante é que assim como podemos pensar na idéia de uma unidade material mínima, possamos pensar também numa entidade Mental Mínima.

23


Pela Física Contemporânea, sabemos que a Matéria em si nunca é destruída, mas somente transformada, portanto as unidades fundamentais da Matéria são teoricamente indestrutíveis, mas porém estando sempre em agregados diferentes. Da mesma forma pensemos inicialmente na natureza Mental como possuindo também entidades mínimas indestrutíveis, porém sempre agregadas a formas variáveis.
Justifico essa idéia dado a seu apelo como instrumento facilitador da linha de raciocínio que pretendo desenvolver. Ao contrário do Idealismo Platônico, não haveria então “Formas” ideais eternas e imutáveis, e sim Formas tão ou mais mutáveis quanto qualquer forma no mundo físico, porém decomponíveis em “átomos” mentais. Assim, nossas idéias e pensamentos seriam agregados mentais atômicos também em constante transformação.
No entanto, diferente do mundo físico, as leis que regem essas transformações são bem mais generosas, permitindo reagrupamentos de átomos mentais muito mais dinâmicos e menos dispendiosos do que os que temos no mundo material, sujeitos a duras leis termodinâmicas. Isso explicaria porque nossos pensamentos são tão mais ágeis e elásticos do que as coisas que podemos fazer no mundo físico.
Creio que esse tipo de elaboração hipotética seja útil para pensarmos sobre certas possibilidades de um Plano Mental, que evidentemente exige que esta substância mental possua propriedades inteligíveis. O que quero guardar desta teorização é principalmente a idéia de que haja um substrato mental indestrutível, tal como há um substrato material. A matéria apenas muda de forma, a Mente também.
Na matéria, podemos ter um certo corpo com certa forma, e depois destruir esta forma com uma transformação, porém podemos reconstruir a mesma forma até termos um objeto praticamente idêntico ao original, apesar de haver unidades materiais atômicas diferentes. Podemos lembrar o simples fato de que coisa alguma no mundo material permanece totalmente estável, estando sim, sempre trocando partículas de matéria com o mundo a sua volta, especialmente os organismos vivos. As moléculas de CO2 que estão em nosso sangue hoje, amanhã poderão estar no ar, na água ou em outro organismo vivo, ou seus átomos terem sido decompostos e estarem posteriormente integrando parte de um outro cérebro humano.

24


Pensar nisso me parece resultar num bom argumento contra a idéia de que uma matéria específica seja fundamental na constituição de algo. Voltando ao exemplo do Teletransporte, temos a possibilidade de que a matéria que componha o corpo seja relevante para a identidade mental. O corpo teletransportado teria que possuir aqueles mesmos átomos para ser idêntico, caso contrário, romperíamos a continuidade. No entanto, se assim for, o fato de estarmos constantemente trocando matéria com o meio implicaria em que após um certo tempo, a pessoa de um momento passado deixasse de ser a mesma de um momento futuro, apesar de ser o Continuador mais próximo. Pensar nesse sentido me parece implicar em muitos problemas difíceis de solucionar, aos quais me reportarei mais tarde.
Trabalhando então com a hipótese de que as unidades específicas não sejam relevantes, mas sim a forma específica, transportemos essa idéia para a Substância Mental. Não seriam necessários os mesmos átomos mentais para que um Agregado Mental idêntico a Outro pudessem ser considerados iguais. Assim, e entendendo que uma Mente individual, ou seja, uma personalidade humana, nada mais fosse do que um vasto conjunto específico de Agregados Mentais dispostos ciberneticamente numa determinada forma, então mesmo que houvesse uma dissolução desta estrutura em formas totalmente diferentes, e uma posterior reorganização, invocaríamos então a noção de Continuador mais próximo e poderíamos afirmar que a Estrutura Mental de um momento Passado seja mesma de um momento Futuro, e isso com um grau de possibilidade maior, pois no caso do corpo físico, o que está em dúvida e se a Mente é preservada especificamente, e tendemos a considerar que o é somente no caso de haver uma substância mental independente do físico para fazer a ligação. O mesmo podemos esperar da transição de um corpo físico para o astral.
No entanto aqui estamos no mundo mental, e quem deve fazer essa ligação é a própria Mente. Não faria sentido invocarmos uma outra instância para justificar que a Estrutura Mental “A” é a mesma que a “B” se ambas forem de fato idênticas. Ou melhor:
Lembremos que intuitivamente podemos recusar que os Corpos “A” e “B” tenham de fato a mesma Mente a não ser que haja uma ligação entre os mesmo mediante uma Substância Mental. Isso significa que estamos definindo que o que determina a identidade de uma Mente é simplesmente um princípio de identidade própria. Agora vejamos:
Se estamos num plano mental, e é exatamente a Mente “1” que define a igualdade entre os corpos, que sentido faria em questionar se a Mente “1” é idêntica a ela mesma mesmo que estejam separadas por um tempo diferente?

25


Pensando em termos matemáticos, podemos questionar se A é igual a B, mas se nos forem fornecidos que os valores de ambos são “2”, teremos que admitir que são de fato iguais. Isso significa que é o número “2” que está definindo a igualdade. Que sentido agora faria perguntar se 2 é igual a 2?
Portanto quando queremos saber se a Mente original sobrevive a uma ressurreição, é apenas porque estamos pondo em dúvida a existência de uma substância Mental. Se tal substância existe, mesmo que separadas por um intervalo de tempo, uma Mente “A” e uma Mente “B” que sejam idênticas tem que ser a mesma Mente! Ou teríamos que invocar uma outra instância, e mais outra, numa regressão infinita.
Podemos também tomar o rumo contrário, e uma vez que aceitamos esse princípio de igualdade de Mentes, poderíamos também aceitar a de Corpos. Nesse caso nosso problema estaria resolvido. Um Corpo ressurecto seria o mesmo corpo original e a MCM estaria atrelada a identidade corpórea. Mas se intuitivamente resistimos a isso, é apenas porque estamos invocando uma instância superior para nos autorizar essa igualdade, e sendo esta a última instância, não faz sentido invocar uma outra.
Tudo isso é somente para ilustrar a idéia principal: De que num Plano Mental, se quisermos aceitar a existência de uma Substância Mental, o Princípio de Continuidade para sustentação de Identidade pode ser violado. No Plano Físico podemos por em dúvida se dois objetos idênticos em tempos diferentes seriam de fato o mesmo objeto. No Plano Mental não poderíamos. Da mesma forma como no abstrato Universo Matemático temos que admitir que 3 é igual a 3 não importa quantos “3” existam sendo usados em equações diferentes. O “3’ da soma “3+5” não é diferente do “3” da equação “(17-8) / 3 + 19 x (4+7)”.
Com isso, quero defender a tese que havendo um Plano Mental, a MCM é necessariamente viabilizada em qualquer hipótese. Mesmo na “destruição” temporária de uma Mente e sua posterior reconstrução. Num certo sentido, não haveriam “cópias” de uma Mente, mas somente expressões de uma mesma mente, da mesma forma como não existem “cópias” do número “3”, mas somente expressões de um mesmo conceito matemático.
O Plano Mental teria então propriedades similares ao do mundo físico, mas também propriedades distintas, e se toda esta explanação parecer ter sido demasiada, espero que a importância dela fique ainda mais evidente a seguir.

26


4 - PLANO ABSOLUTO

Na possibilidade anterior trabalhei com a idéia de permanência de identidade num Plano Mental. Aqui continuaremos num Plano Mental, porém sem a permanência da identidade. É comum no Budismo a idéia da dissolução da Mente num Nirvana, ou atingir-se o estado da Não-Mente. Quem quiser refletir inutilmente sobre as propriedades do Não-Ser, ou o que significaria se tornar Nada, que esteja à vontade, já eu prefiro pensar nessa alegoria da Não-Mente como uma invocação da perda da individualidade.
O próprio Kardec, em sua estranha crítica ao Panteísmo 4, afirma que a dissolução do Eu num Absoluto não seria muito diferente da Aniquilação, e creio que muitos pensem igual a ele. Mas eu discordo, voltando à analogia da Mente infantil, eu posso dizer que minha Mente aos 4 anos de idade está absorvida agora em minha mente de 33, isso não me faz achar que aquele menino de 4 anos foi extinto, mas sim que foi meu ancestral contínuo.
Dessa forma, não acho que se nossa Mente passe para um plano Absoluto onde seus conteúdos sejam separados e misturados a outros, implicaria numa extinção. Num primeiro nível, poderíamos achar que não há uma dissolução total, talvez partes de nossa personalidade sejam destacadas e mantidas internamente coesas, como por exemplo nossas memórias. Então, este Plano Mental absoluto registraria tudo o que eu registrei, e possivelmente o que “Eu” sou exatamente deixaria de existir, ou melhor, mudaria de forma. Mas de um certo modo, a MCM está garantida, uma vez que os conteúdos mentais sobreviveriam.
Uma forma de imaginar isso é pensar que repentinamente ganhássemos uma miríade de novos conhecimentos, memórias, idéias, como se tivéssemos uma súbita expansão mental. De fato estamos acostumados a passar por momentos similares, quando aprendemos de uma só vez uma série de coisas novas e passamos por experiência marcantes. Isso não nos faz sentir que deixamos de existir, embora às vezes até digamos que passamos a ser outra pessoa. Essa idéia de dissolução num Absoluto seria então uma experiência não qualitativamente, mas quantitativamente maior.
Num segundo nível podemos pensar numa dissolução total da Mente, átomo por átomo, isso sem dúvida se pareceria mais com uma extinção. Porém nada garante que de alguma forma nossos conteúdos não teriam sido copiados, expandidos e aperfeiçoados, bem como futuramente poderiam ser recuperados, e aqui podemos invocar o conceito desenvolvido no capítulo anterior. Ou seja, esse Caos Potencial Mental teria a capacidade de nos trazer de volta novamente, o que num período de tempo infinito, inevitavelmente teria que acontecer se supormos uma dinâmica.

27


Assim, quero sustentar que a MCM permanece. De algum modo sobreviveríamos, se não como a mesma personalidade, ao menos como partes desta mesma personalidade, o que não me parece tão incômodo, uma vez que a maioria de nós aceitaria de bom grado remover certos agregados mentais de si próprio, como fobias, traumas, preconceitos e similares, bem como adicionar outros agregados, como virtudes, boas sensações e boas perspectivas. Portanto não é a idéia de uma alteração brusca na personalidade que, em si, seja desagradável.
Me parece que apenas um raciocínio parecido poderia dar algum sentido à idéia de que atingir o Nirvana fosse algo desejável, e não uma mera extinção da Mente. Da mesma forma a integração com Deus, ou se tornar um Deus.
E enfim, é óbvio que mais uma vez tudo depende de existir uma Substância Mental.

5 - TRANSMIGRAÇÃO MENTAL

Esta ultima possibilidade é como uma versão modificada da ressurreição, onde ao invés de recebermos um corpo idêntico, ou muito parecido com o anterior, receberíamos um corpo muito diferente. É uma posição comum no Hinduísmo, bem como era entre Orfistas ou ao menos pitagóricos.
Não seria entretanto uma simples questão de reencarnação. No Kardecismo por exemplo, a reencarnação ocorre após um período no Plano Astral, onde o perispírito é remodelado para se adequar ao futuro novo corpo. Dessa forma a transição é mais sutil. Mas o neo-gnosticismo sulamericano 6 supõe uma transição mais brusca, bem como no Budismo e Hinduísmo temos a idéia de um perpétuo devir na roda do Samsara, nas mais diversas formas possíveis. De qualquer modo, o mais interessante é refletirmos sobre a idéia de que muitos conteúdos mentais parecem ser perdidos, o que parece ter muita relação com a diferença do corpo.
Na idéia de uma MCM num novo corpo muito similar ao antigo, onde evidentemente o cérebro seria copiado quase na íntegra (digo quase porque podemos pensar num corpo aperfeiçoado, e não totalmente idêntico)
é mais do que trivial que as memórias seriam preservadas, mas num corpo muito diferente, principalmente com grande diferença cerebral, também faz muito sentido que as memórias se perdessem. Ora, se bastam alterações menores num cérebro, como danos neurais, para ocasionarem largas perdas mnemônicas, que dizer de recebermos um cérebro completamente novo?

28


Nesse sentido, como funcionaria a MCM? O que afinal asseguraria a continuidade se aparentemente a maior parte dos agregados mentais parece ter se perdido?
Em primeiro lugar, nada garante que tenha de fato havido uma perda definitiva. Talvez entre uma encarnação e outra, haja uma amnésia temporária, como na famosa alegoria do “rio do esquecimento”, mas uma vez de volta ao Plano Astral ou Mental, esses conteúdos fossem trazidos de volta. Então, cada existência física seria como um breve período de “sono” dentro de uma Continuidade muito mais ampla. Nesse caso haveria um nível mais elevado da Mente que manteria todo o conteúdo, enquanto níveis inferiores seriam mais presentes na existência temporária do indivíduo.
Segundo, talvez mesmo que haja uma real perda de conteúdos, é defensável que o mais importante seja preservado, no caso certos conteúdos que costumamos considerar como inatos, nossa índole, talentos naturais e similares. Se é que isto de fato existe.
Neste caso nem faria muito sentido invocar as questões relativas à Ressurreição, pois antes pusemos em dúvida a MCM entre dois corpos praticamente idênticos, agora não se trata de por tal dúvida entre corpos diferentes. De algum modo, já estamos perguntando de que modo poderíamos justificar a MCM neste caso, e isso já vem automaticamente atrelado, pelo menos nos sistemas religiosos, com a idéia de que haja uma substância mental a interconectar os corpos distintos. Caso assim não seja, encerra-se a questão. Não haveria MCM alguma. Se pressupomos um Monismo Materialista, a questão nem sequer se colocaria. Não faria o menor sentido.
Então, a única coisa que permite inferir qualquer MCM aqui é justamente uma aceitação prévia de uma Substância Mental específica, e uma vez com isso, tentar justificar essa continuidade.
Encerro então esta parte desta monografia enfatizando a conclusão final de que o problema da MCM está subordinado a questão da quantidade de substâncias. Esta é a TESE 2 de toda esta Monografia. A TESE 1 é o Ceticismo quanto a uma Certeza epistêmica da MCM, quer para um HE futuro ou passado, idéia que ainda será mais desenvolvida. Para uma garantia da MCM, invocamos a necessidade de haver uma Substância Mental. Somente ela faria a ligação necessária entre diferentes corpos físicos ou astrais, e somente ela viabilizaria um Plano Mental.
Apenas na possibilidade do Universo Monista Materialista, a MCM parece ser automaticamente descartada. E questão passa a ser então:
Como é o Universo?

29


1. A Saga do Mundo do Rio é composta de pelo menos 5 livros. Na ordem: To Your Scattered Bodies Go, The Fabulous River Boat, Dark Design, Magic Labrynth e Gods of Riverworld.
Todos do próprio Philip José Farmer escritos entre as décadas de 60 e 80. Além destes, há outros contos menores do mesmo autor e de outros autores. Foi também realizado um filme, piloto de seriado de TV, com o título Riverworld. Ao menos os 4 primeiros livros foram traduzidos para o Português Lusitano, com títulos bastante alterados.
2. www.xr.pro.br/contos/ressureicao.html
3. HANLEY, Richard. A Metafísica de Jornada nas Estrelas. São Paulo: Makron Books, 1998. Este livro pode ser considerado uma autêntica introdução e síntese geral de Filosofia da Mente. O autor usa exemplos da famosa série de Ficção Científica para ilustras as experiências de Pensamento comumente usadas por John Searle, Donald Davidson, Daniel Dennett, Thomas Nagel e vários outros.
4. A obra principal de Kardec sobre tais temas seria “O Livro dos Espíritos”, onde são tratados temas como a Constituição dos Espíritos e a conexão Mente e Corpo. Kardec bem poderia ser considerado um tardio filósofo sistemático ao estilo Neoplatônico não fosse sua pretensão religiosa e apresentação similar a uma Religião Revelada. Seus livros apresentados em forma de diálogos entre os estudiosos e os espíritos, fazem uma curiosa mistura de inquirição socrática com teologia cristã e iluminismo. Sou da opinião que a dimensão filosófica da obra de Kardec vem sendo negligenciada a começar pelos próprios Kardecistas, que muitas vezes tem mais pretensões científicas, a meu ver insustentáveis, do que filosóficas, que são muitíssimo mais promissoras. Para ver uma sequência de diálogos sobre elementos filosóficos e pretensamente científicos da obra de Kardec, consultar meu site www.xr.pro.br.
5. Waldo Wiera é um ex Kardecista que fundou uma organização denominada IIPC – INTSTITUTO INTERNACIONAL DE PROJECIOLOGIA e CONSCIENCIOLOGIA, apresentando uma abordagem sistematizada e em linguajar cientificizado de uma concepção de universo similar à do Kardecismo. Mais informações em www.iipc.org.br
6. Este Neo-gnosticismo moderno é uma fusão de Gnosticismo, Teosofia e movimentos doutrinários latino-americanos, em especial do místico colombiano auto denominado Venerável Mestre Samael Aun Weor www.gnosis.org.br.
7. A obra NOSSO LAR que é apresentada como sendo de autoria do Espírito André Luiz Psicografada pelo famoso médium Chico Xavier, é um best-seller da literatura espírita, contando a saga de um recém desencarnado espírito por diversos planos espirituais em especial a cidade espiritual conhecida como “Nosso Lar”.
8. Para uma acessível introdução sobre algumas teorias físicas de Vanguarda, um bom exemplo é HAWKING, Stephen. O Universo numa Casca de Noz. São Paulo, Editora Arx, 2001.

30


MONISMO X DUALISMO

De que é composto nosso Universo? Parece que a questão passa então a ser esta. Há uma Substância Mental? Se sim, em qualquer situação ela garantiria a MCM? Se não, existe esperança de MCM? Sem ter a pretensão de solucionar essa questão, que admito de antemão ser insolúvel, creio que o primeiro passo seja organizar as possibilidades de modo a nos permitir ao menos algumas observações probabilísticas.
Evidentemente nossa existência só pode se dar em ao menos uma substância. O nosso Horizonte Existencial tem que ocorrer em algum meio substancial. Mas também pode envolver mais de uma substância. O dilema então não é exatamente entre o Monismo e o Dualismo, mas entre o Monismo e o Não-Monismo, ou melhor dizendo, o “Mais que Monismo”, uma vez que não se admite um Nada.
No entanto, ocorrendo o “Mais que Monismo”, o que nos interessa de fato é que haveria “Ao Menos Duas Substâncias”, então nosso dilema é entre “Uma” ou “Ao menos Duas” substâncias. Continuarei a usar a palavra Dualismo como um simplificador.
Além disso, mesmo que existam 3 ou mais substâncias, ao que parece apenas duas são de fato relevantes. Uma é onde se dá nosso Horizonte Existencial, outra é onde se dá nossa Mente. Nosso dilema vem a ser o Mente e Corpo, e por isso ou ambos estão numa mesma substância, ou em diferentes.
Começando, a primeira Possibilidade é de que o Universo seja MONISTA, este Monismo porém pode ser MATERIALISTA ou MENTALISTA. No primeiro somente existiria a Matéria, e não haveria uma Mente independente do Corpo. A Mente seria então uma mera função do cérebro, com quase total possibilidade de ser extinta na morte. No segundo, haveria somente a Mente, e a Matéria seria uma espécie de ilusão, um sonho densificado. A primeira é a opção dos Fisicalistas Reducionistas, de grande parte dos Neurocognitivistas, Behavioristas Ontológicos, e de grande parte dos Cientistas. A segunda é a opção de grande parte do Hinduísmo e outras vertentes religiosas e filosóficas.
Mas o Universo pode também ser ao menos DUALISTA, onde exista de fato uma substância que identificamos como Matéria, e outra como Mental. É a opção da maior parte das Religiões e de boa parte dos Filósofos.
Como já vimos, apenas no Monismo Materialista a MCM pareceria inviabilizada. Não obstante o Monismo costuma se apresentar também como possuindo Duas Propriedades. Ou seja, teríamos sim uma única substância, mas ela tem a capacidade de assumir duas modalidades de comportamento, se assemelhando então a um Dualismo. Neste caso as propriedades são obviamente de Mente e Matéria, e esta é uma posição comum na Filosofia da Mente. O raciocínio não mudaria muito, a MCM também estaria provavelmente garantida pela propriedade Mental, como pretendo explicar mais adiante.

31


Sendo assim, me parece, apenas em uma possibilidade, o Materialismo sem Dualismo de Propriedades, que a MCM estaria inviabilizada. E como estamos organizando as possibilidades com relação a viabilização ou não da MCM, podemos excluir certos desdobramentos, como o Monismo Mentalista com Dualismo de Propriedades.Então as possibilidades relevantes são:
DUALISMO de SUBSTÂNCIA Matéria / Mente , Monismo MENTALISTA , Monismo MATERIALISTA e Monismo Materialista com DUALISMO de PROPRIEDADES.
Quero insistir que um Dualismo Mente Matéria e um Monismo com Propriedades de Mente e Matéria seriam equivalentes. Em ambos os casos, haveria uma certa independência entre um e outro. Para justificar isso, quero invocar o Pressuposto de Identidade Mental que anunciei na Possibilidade 4.
Diante da possibilidade de um Dualismo de Substância, temos que poderia ocorrer que na ocasião da Morte, mesmo que a Mente fosse independente, que esta também sofresse um processo paralelo de “destruição”. Corpo e Mente se separariam, e ambos morreriam. Creio no entanto que haja uma falha fundamental nesta idéia, pois na realidade a Matéria em si não se destrói, apenas se transforma, e então o que ocorre é uma mera mudança de forma. Se há uma Substância Mental paralela, me parece muito lícito supor que possua indestrutibilidade atômica semelhante, podemos mesmo, de certa forma, experienciar isto mentalmente, com a simples percepção de que nossos pensamentos não parecem destrutíveis. Idéias uma vez “surgidas” não parecem sujeitas à extinção total. Pode ocorrer que, por falta de comunicação, uma idéia deixe de ser transmitida, e os únicos que a conheçam acabem por morrer, deixando-a ausente no mundo. No entanto estamos a falar de uma Substância Mental, mesmo que ninguém mais no nosso mundo material tomasse conhecimento destas idéias, nada nos garante que elas não permaneçam neste Plano Mental. Somando-se isso à facilidade com que podemos “criar” idéias novas, que podemos transformar, multiplicar, fundir e dividir agregados mentais, o que implica numa ampla versatilidade desta substância mental, não vejo então porque supor que algum agregado mental possa ser definitivamente extinto. E ainda assim, mesmo que pudesse, ele poderá um dia ser novamente construído, e aí, segundo o princípio de identidade, seria necessariamente o mesmo.
Para simplificar, se parece-nos quase impossível que possamos um dia reunir átomo por átomo dando a um corpo a mesmíssima forma de uma outra anteriormente extinta, parece-me muitíssimo mais simples de se realizar isso no Plano Mental. Mesmo que houvesse uma desagregação temporária da Mente após a morte do corpo, isso não significaria que a Mente em si não pudesse ressuscitar junto com, ou independente, o corpo.

32


Antes de prosseguir quero lembrar quais são os objetivos desta monografia. Quero deixar claro que, apesar de todas essas reflexões, não estou imediatamente preocupado com uma “Imortalidade” total da Mente individual, mas sim preocupado com a possibilidade da Meta-Continuidade da Mente além de nosso Horizonte Existencial. Daí, se após outros saltos de outros Horizontes Existenciais ela irá de fato Meta-Continuar, passa a ser uma questão derivada e composta.
Assim, quero argumentar que num Dualismo de Substância Mente e Corpo, a possibilidade de uma morte mental necessariamente associada a uma morte corpórea me parece pouquíssimo provável. Se temos severas leis termodinâmicas tornando obrigatória a desintegração da forma do Corpo, não vejo porque tais leis teriam que fazer o mesmo com a Mente, uma vez que tudo indica ser a Substância Mental muitíssimo mais flexível e autônoma. É a densidade do mundo físico e as dispendiosas relações energéticas em sistemas complexos que levam a uma irreversível corrupção do organismo após a morte. Mas que densidade, e que dispendiosas relações energéticas esperaríamos no mundo mental?
Eu poderia até mesmo esperar não uma extinção, mas um tipo de dissolução da Mente após a separação do corpo, num sentido similar à Possibilidade 4, de Absorção da Mente individual por um Plano Mental maior. Isso faria sentido por que uma vez sem a associação com o corpo poderia ocorrer algo similar a um estado de sonho, onde a impossibilidade de retorno à vigília talvez implicasse num tipo de delírio que terminasse por desintegrar a individualidade. Mas como eu já argumentei antes, a Possibilidade 4 continua sendo MCM.
Levemos agora raciocínio similar ao Monismo com Dualismo de Propriedades, onde a Propriedade Mente faria um papel similar ao da Substância Mente. Mesmo com a degeneração corpórea correndo em paralelo com uma degeneração mental, nada impediria que uma futura Ressurreição do corpo não trouxesse uma nova replicação da Mente, e então poderíamos invocar o mesmo princípio de identidade, ou fazer uma ligeira adaptação do Monismo Anômalo de Donald Davidson 1 para receptar o mesmo princípio de indentidade para a “anomalia” do mental.
Poderámos também parodiar o conceito de Superveniência usado por Jaegwon Kim 1 , e usar a analogia da gravação digital. Diz-se que os processos mentais Supervêem ao Cérebro, de modo que havendo duas arquiteturas cerebrais idênticas, necessariamente deveriam ter “arquiteturas” mentais idênticas, porém duas “arquiteturas” mentais idênticas não necessariamente devem ter a mesma arquitetura cerebral. Na analogia, podemos dizer que dois Compact Discs exatamente idênticos em sua estrutura microscópica de gravação, necessariamente terão que reproduzir a mesma música. Porém essa mesma música pode ser reproduzida não apenas por CDs, mas também por Fitas Magnéticas, Discos de Vinil ou arquivos MP3.

33


Da mesma forma que neste mundo digital podemos garantir a identidade da informação sem garantir a identidade de dois objetos físicos por mais idênticos que possam ser, mesmo porque ocupariam espaços diferentes, então poderíamos também garantir a identidade do Mental mesmo sem garantir a identidade de dois corpos fisicamente idênticos, a não ser pelo seu local no espaço-tempo e matéria intrínseca.
Mas talvez o argumento mais importante para sustentar a tese de que a Mente não deve estar sujeita a mesma degradação que o corpo, quer seja num Dualismo de Substância ou de Propriedades, é aquele que deveria ser o mais simples é óbvio: A Mente tem Subjetividade. Auto-Consciência. Noção de Eu e Individualidade.
Isso não ocorre com meros corpos, CDs ou arquivos digitais, por isso, sempre será ilícito querer comparar a Mente a qualquer outra coisa material ou mesmo lógica. Certo detrator da idéia de Sobrevivência da Mente certa vez afirmou que “perguntar para onde vai a Mente após a morte do corpo é tão sem sentido quanto perguntar para onde foi a velocidade após a parada do automóvel” 2.
Considero esta uma péssima comparação. A Velocidade não está reivindicando qualquer direito existencial, ele é uma coisa qualquer no mundo. A mente não é uma coisa qualquer, e ela que vê o mundo, e ela que pensa e que questiona. Sendo assim, só podemos inferir que ela tenha propriedades que, mesmo que correlatas e similares, sejam essencialmente diferentes. O simples desejo voluntarioso da mente em não ser extinta talvez fosse suficiente para impedir sua extinção num Plano Substancial onde as leis provavelmente estarão sujeitas ao menos em parte a sua influência subjetiva.
Com tudo isso, espero ter esclarecido porque não acho nada coerente a idéia de supor que a Substância Mental, ou mesmo a Propriedade Mental, estaria sujeita às mesmas condições de degradação da Substância ou Propriedade Material. Com uma última, ainda que imprecisa, analogia pensemos no caso do Dualismo de Propriedades da mesma forma como pensamos na relação entre o Hardware e o Software. A primeira vista, parece mais fácil destruir o Software do que o Hardware. Basta um comando Delete. No entanto podemos copiar o Software instantaneamente, e assim que o fizermos várias vezes, ele pode logo se copiar num ritmo praticamente impossível de ser detido, enquanto o Hardware continuará preso num espaço tempo específico, muito mais sujeito à destruição. Além disso, ainda temos que mesmo tendo sido uma vez deletado, é muito mais plausível recriar um Software idêntico do que um Hardware idêntico.

34


Dessa forma, decorre que é o físico que tem muito mais chances de ser destruído, enquanto corpo isolado, do que o Mental, considerando que haja um suporte substancial para o mesmo quer em forma de substância pura ou em forma de propriedade.

Pensemos agora que o Universo seja uma Monismo Mentalista. Bem, não me parece sequer discutível neste caso que a Mente tenha que se extinguir após a extinção do fenômeno ilusório do corpo. O Mentalismo necessariamente garantiria a MCM. Se considerarmos que neste Monismo também houvesse um dualismo de propriedades, mas uma vez não vejo motivos para duvidar da MCM. Portanto, espero que exposto meus motivos para explicitar porque considero que, uma vez havendo uma Substância Mental, nada há que deponha contra a alta possibilidade da MCM além de nosso Horizonte Existencial. No Monismo Mentalista a MCM provavelmente se daria necessariamente, num dualismo Mente Matéria continuo crendo que ela tenha altíssima probabilidade, se não total. E mesmo num Monismo Materialista com dualismo de propriedades, ela continuaria sendo ao menos possível.
Passemos agora para a possibilidade onde aparentemente não haveria lugar para a MCM. O Materialismo sem dualismo de propriedades. Para isso, é preciso obviamente reduzir totalmente o mental ao físico, o que na realidade não tem sido muito comum entre os filósofos da mente.
Pessoalmente ainda tenho dúvidas quanto a isso implicar necessariamente na impossibilidade da MCM, mas por enquanto assim consideremos, uma vez que nesta forma de reducionismo a própria Mente acaba por ter sua existência negada enquanto Ente próprio e autônomo, e assim, seria uma espécie de “ilusão”, um “fantasma da máquina” neurocognitiva.
Pois bem, levando tudo isso em conta, passemos a um desmembramento progressivo nas possibilidades.

DUALISMO MENTAL/MATERIAL 50%
MONISMO MENTAL 25%
MATERIALDUALISMO DE PROPRIEDADES MENTAL/MATERIAL 12,5%
MONISMO DE PROPRIEDADES 12.5%

EM PRODUÇÃO...

35


1.KIM, Jaegwon.1993. Can Supervenience and ‘Non-Strict’ Laws Save Anoumalous Monism?. Mental Causation. Oxford, Clarendon Press. Há um interessante texto confrontando Donald Davidson e Jaegwon Kim “Kim vs Davidson quanto à Causalidade Mental” de André Joffily Abath em www.consciencia.org/contemporanea/davidvskimabath.shtml .
2. Espírito, Alma e Mente. Frank R. Zindler.

36


Ensaio Original

Imortalidade da Alma em Platão