TERRORISTAS X DITADORES

Aproveitando que a qualquer momento o assunto Terrorismo deverá se tornar pauta máxima na campanha eleitoral, aproveito para publicar um ensaio que esteve semi pronto há muito tempo, desde que a série de textos em que se baseia foi publicada por ninguém menos que REINALDO AZEVEDO.

Estou aqui, num ato por sinal imprudente, assumindo que tudo o que o autor escreveu nesses textos seja factual, não exatamente porque eu acredite, mas porque mesmo o sendo, parece ter o efeito contrário ao que pretende o autor.

A série se chama TODAS AS PESSOAS MORTAS POR TERRORISTAS DE ESQUERDA, e para mim, é a evidência definitiva que a esquizofrenia editorial da revista veja já está internalizada não só por seus principais articuladores ideológicos, como também por seus leitores mais reacionários.

Ocorre mais uma vez o fato, assim como ocorreu com as reportagens comentadas em Heróis Capitais, O Brasileiro sem Cabeça de Cabeça para Baixo, e na matéria sobre Che Guevara, a impressionante disposição em sustentar uma opinião apresentando um conjunto de fatos que a contradizem frontalmente. Como se apontassem para o Sol a pino para provar que já é noite.

Nesse caso, o objetivo da série de textos do Tio Rei é "revelar" a periculosidade dos esquerdistas, mostrando que a ditadura agia em legítima defesa ou coisa que o valha, e tentando mostrar o quanto os revolucionários eram monstros muito piores que seus perseguidores.

O problema é que o texto já começa admitindo que a ditadura matou 293 militantes de esquerda, NO MÍNIMO, sem contar os desaparecidos! Ao mesmo tempo que assume que, por outro lado, os revolucionários mataram 119! O placar então, na hipótese mais favorável aos defensores do regime, já começa em franca desvantagem, mostrando que o regime matou muito mais militantes do que o contrário. E isso se desconsiderarmos o número de 424 alegado pelos esquerdistas.

Mas o problema maior ocorre quando o texto, candidamente, vem "provar" que as mortes não começaram somente após o AI-5, mas sim antes dele, dando então suas datas.

Os 19 Assassinados antes do AI-5 Foram, pela ordem, de 12/11/64 a 07/11/60:

001 - Paulo Macena - Vigia - RJ
002 - Carlos Argemiro Camargo - Sargento do Exército - PR
003 - Edson Régis de Carvalho - Jornalista - PE
004 - Nelson Gomes Fernandes - Almirante - PE
005 - Raimundo de Carvalho Andrade - Cabo da PM - GO
006 - José Gonçalves Conceição (Zé Dico) - Fazendeiro - SP
007 - Osíris Motta Marcondes - bancário - SP
008 - Agostinho Ferreira Lima - Marinha Mercante - Rio Negro/AM
009 - Ailton de Oliveira - Guarda Penitenciário - RJ
010 - Mário Kozel Filho - Soldado do Exército - SP
011 - Noel de Oliveira Ramos - Civil - RJ
012 - Nelson de Barros - Sargento PM - RJ
013 - Edward Ernest Tito Otto Maximilian Von Westernhagen - Major do Exército Alemão - RJ
014 - Eduardo Custódio de Souza - Soldado PM - SP
015 - Antônio Carlos Jeffery - Soldado PM - SP
016 - Charles Rodney Chandler - Capitão do Exército dos Estados Unidos - SP
017 - Luiz Carlos Augusto - Civil - RJ
018 - Wenceslau Ramalho Leite - Civil - RJ
019 - Estanislau Ignácio Correia - Civil - SP
(Há muito mais detalhes no texto original.)

O autor parece querer fazer deste fato algum tipo de inversão do início do conflito. Como se os militantes de esquerda tivessem puxado a briga, fazendo a linda vista grossa para o fato explícito que mesmo antes do AI-5, JÁ SE ESTAVA EM FRANCA DITADURA MILITAR! Mas ele escreve como se a ditadura só tivesse começado em 68!

O que o autor do texto adoraria é que houvesse assassinatos ou ações terroristas antes do Golpe Militar, o que só podemos supor que não houve, caso contrário, certamente constariam aqui.

Conclusão. O militantes de esquerda só pegaram em armas e partiram para violência DEPOIS que os militares usurparam o poder derrubando um presidente democraticamente eleito!

Mas de qualquer modo, a partir do AI-5, a situação evidentemente se agravou, como apresenta o texto Muitas de suas Vítimas eram Pessoas Comuns: Só Tiveram A Má Sorte de Cruzar com Esquerdista. De 07/01/69 a 18/12/69, as mortes foram:

020 - Alzira Baltazar de Almeida - Dona de casa - Rio de Janeiro/RJ
021 - Edmundo Janot - Lavrador - Rio de Janeiro/RJ
022 - Cecildes Moreira de Faria - Subinspetor de Polícia - BH/MG
023 - José Antunes Ferreira - Guarda civil - BH/MG
024 - Francisco Bento da Silva - Motorista - SP
025 - Luiz Francisco da Silva - Guarda bancário -SP
026 - José de Carvalho - Investigador de Polícia - SP
027 - Orlando Pinto da Silva - Guarda Civil - SP
028 - Naul José Montovani - Soldado PM - SP
029 - Boaventura Rodrigues da Silva - Soldado PM - SP
030 - Guido Boné - soldado PM - SP
031 - Natalino Amaro Teixeira - Soldado PM - SP
032 - Cidelino Palmeiras do Nascimento - Motorista de táxi - RJ
033 - Aparecido dos Santos Oliveira - Soldado PM - SP
034 - José Santa Maria - Gerente de Banco - RJ
035 - Sulamita Campos Leite - Dona de casa - PA
036 - Mauro Celso Rodrigues - Soldado PM - MA
037 - José Getúlio Borba - Comerciário - SP
038 - João Guilherme de Brito - Soldado da Força Pública - SP
039 - Samuel Pires - Cobrador de ônibus - SP
040 - Kurt Kriegel - Comerciante - Porto Alegre/RS
041 - Cláudio Ernesto Canton - Agente da Polícia Federal - SP
042 - Euclídes de Paiva Cerqueira - Guarda particular - RJ
043 - Abelardo Rosa Lima - Soldado PM - SP
044 - Romildo Ottenio - Soldado PM - SP
045 - Nilson José de Azevedo Lins- Civil - PE
046 - Estela Borges Morato - Investigadora do DOPS - SP
047 - Friederich Adolf Rohmann - Protético - SP
048 - Orlando Girolo - Bancário - SP
049 - Joel Nunes - Subtenente PM - RJ
050 - Elias dos Santos - Soldado do Exército - RJ

O texto chama atenção para o fato de "muitas" pessoas nada terem a ver com o regime, mas, mais uma vez, mostra que, destes 30, ao menos 20 eram sim militares, policiais, agentes diretos da repressão ou pelos menos guardas e seguranças em geral. E mesmo alguns civis, como o próprio texto descreve, foram mortos em ação, ao reagir contra os militantes durante suas investidas violentas.

Certamente inocentes foram pegos no fogo cruzado, mas eu apostaria que um número possivelmente maior deles também foi pego pela máquina repressora. Sem contar as inúmeras pessoas que foram presas e torturadas tendo ABSOLUTAMENTE NADA A VER com os militantes de esquerda. Ao menos aqui em Brasília, é difícil encontrar quem não conheça pessoalmente alguns.

Passemos para o próximo texto, A Impressionante Covardia de Lamarca, que visa destacar esse famoso personagem da militância.

Seguem-se, de 17/01/70 a 09/06/71.

051 - José Geraldo Alves Cursino - Sargento PM - São Paulo/SP
052 - Antônio Aparecido Posso Nogueró - Sargento PM - SP
053 - Newton de Oliveira Nascimento - Soldado PM - RJ
054 - Joaquim Melo - Investigador de Polícia - PE
055 - João Batista de Souza - Guarda de Segurança - SP
056 - Alberto Mendes Junior- 1º Tenente PM - SP
057 - Irlando de Moura Régis - Agente da Polícia Federal - RJ
058 - Isidoro Zamboldi - segurança - SP
059 - Benedito Gomes - Capitão do Exército - SP
060 - Vagner Lúcio Vitorino da Silva - Guarda de segurança - RJ
061 - José Armando Rodrigues - Comerciante - CE
062 - Bertolino Ferreira da Silva - Guarda de segurança - SP
063 - Célio Tonelly - Soldado da PM - SP
064 - Autair Macedo - Guarda de segurança - RJ
065 - Walder Xavier de Lima - Sargento da Aeronáutica - BA
066 - José Marques do Nascimento - Civil - SP
067 - Garibaldo de Queiroz - Soldado PM - SP
068 - José Aleixo Nunes - Soldado PM - SP
069 - Hélio de Carvalho Araújo - Agente da Polícia Federal - RJ
070 - Marcelo Costa Tavares - Estudante - MG
071 - Américo Cassiolato - Soldado PM - SP
072 - Fernando Pereira - Comerciário - RJ
073 - Djalma Peluci Batista - Soldado PM - RJ
074 - Mateus Levino dos Santos - Tenente da FAB - PE
075 - José Julio Toja Martinez - Major do Exército - RJ
076 - Maria Alice Matos - Empregada doméstica - RJ
077 - Henning Albert Boilesen - Industrial - SP
078 - Manoel da Silva Neto - Soldado PM - SP
079 - Adilson Sampaio - Artesão - RJ
080 - Antônio Lisboa Ceres de Oliveira - Civil - RJ

O texto conta uma triste história que deveria ilustrar tal grau de covardia, a morte do Tenente Alberto Mendes Jr. Porém, como pode-se ver claramente, a mesma se deu numa circunstância extremamente tensa, enquanto os terroristas fugiam com o prisioneiro pelo mato após uma emboscada, e decidiram eliminá-lo.

Certamente lamentável, mas em que tipo de guerra isso é diferente? Se até o regime, confortavelmente instalado em suas bases, eliminava seus prisioneiros, que moral pode haver para julgar um punhado de guerrilheiros acuados? Guerra sempre será guerra! Trágica, brutal e em geral insensível. Guerrilha não raro é pior ainda. Não a toa a anistia decidiu não punir tais crimes de guerra, de ambos os lados, pelo justo reconhecimento das condições de exceção em que se deram.

Por fim, a série fecha com o texto O ALTO GRAU DE LETALIDADE DAQUELES HUMANISTAS…, com os demais mortos e mais detalhes, de 01/07/71 a 10/04/74.

081 - Jaime Pereira da Silva - Civil - RJ
082 - Gentil Procópio de Melo - Motorista de praça - PE
083 - Jayme Cardenio Dolce - Guarda de segurança - RJ
084 - Silvâno Amâncio dos Santos - Guarda de segurança - RJ
085 - Demerval Ferreira dos Santos - Guarda de segurança - RJ
086 - Alberto da Silva Machado - Civil - RJ
087 - José do Amaral - Sub-oficial da reserva da Marinha - RJ
088 - Nelson Martinez Ponce - Cabo PM - SP
089 - João Campos - Cabo PM - SP
090 - José Amaral Vilela - Guarda de segurança - RJ
091 - Eduardo Timóteo Filho - Soldado PM - RJ
092 - Hélio Ferreira de Moura - Guarda de Segurança - RJ
093 - Tomaz Paulino de Almeida - Sargento PM - São Paulo/SP
094 - Sylas Bispo Feche - Cabo PM São Paulo/SP
095 - Elzo Ito - Estudante - São Paulo/SP
096 - Iris do Amaral - Civil - RJ
097 - David A. Cuthberg - Marinheiro inglês - RJ
098 - Luzimar Machado de Oliveira - Soldado PM - GO
099 - Benedito Monteiro da Silva - Cabo PM - SP
100 - Napoleão Felipe Bertolane Biscaldi - Civil - SP
101 - Walter César Galleti - Comerciante - SP
102 - Manoel dos Santos - Guarda de Segurança - SP
103 - Aníbal Figueiredo de Albuquerque - Coronel R1 do Exército - SP
104 - Odilo Cruz Rosa - Cabo do Exército - PA
105 - Rosendo - Sargento PM - SP
106 - João Pereira - Mateiro Araguaia/PA
107 - Mário Domingos Panzarielo - Detetive Polícia Civil - RJ
108 - Mário Abraim da Silva - Segundo Sargento do Exército - PA
109 - Sílvio Nunes Alves - Bancário - RJ
110 - Osmar… - Posseiro - PA
111 - Luiz Honório Correia - Civil - RJ
112 - Severino Fernandes da Silva - Civil - PE
113 - José Inocêncio Barreto - Civil - PE
114 - Manoel Henrique de Oliveira - Comerciante - SP
115 - Pedro Américo Mota Garcia - Civil - RJ
116 - Octávio Gonçalves Moreira Júnior - Delegado de polícia - SP
117 - Pedro Mineiro - Capataz da Fazenda Capingo
118 - Soldado do Exército - Araguaia/PA
119 - Geraldo José Nogueira - Soldado PM - SP

Como em todos os casos, a maioria continua sendo de autênticos integrantes do aparelho repressor. Que inocentes sejam pegos, acontece em qualquer situação similar, e na realidade É ESSE O PROBLEMA! Se as guerras só matassem as partes diretamente ativas e interessadas no conflito, não teríamos do que reclamar! Só morreria quem decidiu correr o risco.

Ainda há um texto chamado Quando os Esquerdistas Mataram seus Próprios Companheiros. Mas isso se torna irrelevante considerando que o objetivo da série é mostrar os militantes de esquerda como terroristas e responsáveis pela violência.

Enfim, essa série de textos surpreende pelo simples motivo de dar números aos fatos, que têm sido alardeados e utilizados em contendas cada vez mais acirradas sobre quem foi pior. Eu próprio estranhei tal contagem porque após tanto tempo ouvindo sobre as terríveis atrocidades cometidas pelos frustrados revolucionários, realmente pensei que poderiam ser contadas ao menos na casa das centenas. Mas considerando que o autor é um dos maiores anti-comunistas que existe no país, não vejo motivo algum para duvidar de sua veracidade. Se ele pudesse, inflaria o número muito mais.

Lembrando do placar, vemos que a repressão matou bem mais militantes do que o contrário, quase o dobro, e isso aceitando os números modestos dados pelos próprio textos, pois se admitirmos os números alegados pelos esquerdistas, a repressão teria matado o quádruplo!

Mas isso se torna irrelevante diante do tema principal, um argumento poderoso à favor da esquerda revolucionária (à qual não simpatizo) curiosamente dado de mão beijada por um de seus arqui-inimigos. E esse argumento é o fato claro e simples que os movimentos de esquerda SÓ PARTIRAM PARA VIOLÊNCIA APÓS A DITADURA!

Antes, eles se mobilizavam por meio dos sindicatos, dos movimentos populares, das agitações estudantis e mobilização de categorias diversas. Operaram como forças políticas legitimamente instituídas num jogo democrático, ONDE ESTAVAM GANHANDO, num movimento típico de soberania e maioria popular. Pode ter havido uma série de desatinos, e é sim provável que houvesse ações menos democráticas à caminho, mas isso não muda o fato de que eram resultados da mera evolução histórica, da disseminação livre de idéias e dos movimentos intelectuais.

Então, surge um golpe militar que destrói da noite para dia todo um trabalho de décadas, lançando-o, por decreto, na criminalidade. Um regime de exceção que viola a mais básica noção de Contrato Social, levando os recém oprimidos a se sentir em estado de natureza, e autorizados ao uso da força contra um governo ditadorial ilegítimo.

A "TERRÍVEL" AMEAÇA DA ESQUERDA

A justificativa para o golpe militar é repetida até hoje. Se não tivesse ocorrido, os esquerdistas teriam tomado o poder no Brasil e implantado um regime muitíssimo mais opressivo. Em meu texto Revolução na Ditadura, Golpe na Democracia, mostrei porque esse argumento é pueril, não resistindo a uma observação mais atenta pelos simples fato de que em todas as revoluções de esquerda, elas sempre se levantaram contra regimes ditatoriais ou monárquicos, NUNCA CONTRA DEMOCRACIAS! E que, por outro lado, Ditaduras de Direita SEMPRE derrubam Sistemas Democráticos.

Há porém uma série de especificidades que devem ser observadas em cada caso, mas no do Brasil um único parece ser mais do que suficiente. Os próprios números generosamente forneceidos por Reinaldo Azevedo.

Se havia no Brasil uma ameaça de esquerda capaz de subjugar o país inteiro, capaz de impor uma ditadura comparável à soviética, com poder para cercar um país imenso como o nosso, controlar suas fronteiras como fez com Cuba, e dominar uma nação de na época 75 milhões de habitantes...

ESSA FORÇA FOI DESMANTELADA COM A MORTE DE 293 TERRORISTAS!?!?!?!
(Será que a morte de 300 bolcheviques teria impedido a revolução russa?!?!)

Se havia uma ameaça, ela foi derrotada pelo Golpe Militar. A DITADURA VENCEU! Esmagando totalmente os movimentos de esquerda. Era ESSA A AMEAÇA?!?! Um punhado de estudantes que pegaram em armas acreditando no delírio de que derrubariam um regime apoiado em séculos de poder?!

Ou os serviços de "inteligência" militares eram loucos, ou então essa "ameaça" não passou de uma desculpa fajuta para estabelecer um regime que não admitia perder no jogo democrático!

Apenas isso. Simples, direto e claro.

Marcus Valerio XR
13 de Setembro de 2010
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