PIRATAS DIGITAIS?
E onde estão os CORSÁRIOS e os BUCANEIROS?

Todos parecem saber o que são PIRATAS, pois nos lembramos dos velhos bandos de criminosos marítimos que saqueavam outros navios em seu próprio proveito. Nessa época, havia também os CORSÁRIOS, que eram basicamente piratas que saqueavam em favor de um reino, e ainda os BUCANEIROS, que eram mercenários que agiam sob encomenda.

Hoje ouvimos muito o termo pirataria ser empregado para uma série de atividades que dificilmente se assemelham ao que havia nos tempos das grandes navegações. É evidente que os antigos piratas não vendiam produtos quer fossem legítimos, falsos ou ilegalmente duplicados, eles simplesmente assaltavam. Por isso chamar tais atividades de pirataria é essencialmente errôneo.
Infelizmente o termo pegou, como inúmeros outros termos errôneos pegam, portanto vamos aceitar essa curiosa carapuça e fazer algumas definições.

O que está em jogo agora é o que chamamos de "Pirataria Digital".

Primeiro temos que diferenciar um produto pirata de uma falsificação. Esta última normalmente se propõe a passar como sendo original, mas nunca é tão boa quanto, podendo até mesmo resultar em prejuízo posterior ao consumidor apesar da economia inicial.
Um produto digital pirata raramente se tenta passar como sendo original, o consumidor sabe que está adquirindo um produto ilegal, mas em contrapartida, a cópia digital em si é idêntica ao original. Não há diferença de qualidade.
Portanto temos coisas muito diferentes que não devem ser confundidas, e com isso em mente analisemos agora a situação atual da pirataria digital.

Reproduções ilegais sempre existiram, mas somente o advento da tecnologia digital permitiu cópias perfeitas. Houve tempo que somente ao pé do rádio ou adquirindo um disco de vinil poderia-se ouvir uma gravação.

Então vieram as fitas cassete, e tornou-se possível reproduzir livremente os discos originais apesar da onipresente advertência de proibição. Mesmo assim uma fita K7 ainda não era a mesma coisa que um disco. Sua qualidade deteriora com o tempo e ela não permite uma localização mais rápida de qualquer ponto da gravação.
Vieram os CDs, que também passaram a ser gravados em fita, até que finalmente surgiram os CDs graváveis, que vieram pouco a pouco se popularizando e hoje é muito fácil copiar músicas com a mesma qualidade e recursos do original.
Mais um salto foi dado com os formatos em arquivos digitais. Agora músicas podem ser encontradas na Internet e se transferir de um computador a outro mesmo sem usar CDs. Essa músicas podem ser organizadas, editadas e gravadas livremente em CDs ou até mesmo fitas. Então vieram os IPODs e os MP3 players.
Esse tipo de atividade pode até ser considerada ilegal, mas é improcedente taxá-la de roubo, pois numa reprodução não autorizada não ocorre a perda do produto original, como no caso de um roubo. Ter um bem roubado, e ter um bem "copiado" sem que você perca o seu original são coisas bastante diferentes.
Tivemos uma evolução inegável na facilidade com que se pode obter uma música. Antes era necessário esperar uma gravadora lançar o produto em nosso país e ter dinheiro para adquiri-lo, hoje podemos fazê-lo mesmo com produtos que oficialmente jamais se aproximariam de nós, e o mesmo já acontece com filmes, que muitas vezes estão disponíveis digitalmente antes mesmo de estrearem nos cinemas, embora por enquanto ainda em qualidade inferior.
Aonde iremos parar?

Houve época em que se algum artista quisesse gravar sua obra necessitaria de um equipamento caro e dispendioso, por isso era necessário encontrar uma gravadora, pois só elas tinham a tecnologia necessária para tal. Elas permitiam a gravação e reprodução economicamente inalcançáveis para a maioria das pessoas.

Hoje isso mudou. Ninguém mais precisa de uma grande gravadora. Equipamentos caseiros ou estúdios baratos podem permitir gravações com praticamente o mesmo nível de qualidade, qualquer artista com um investimento mínimo hoje em dia pode gravar suas músicas em CD.
Sendo assim fica a pergunta: Quem ainda precisa das gravadoras?

NINGUÉM!!!

Elas estão Superadas! Ultrapassadas! Obsoletas!
Mas isso apenas tecnicamente, as gravadoras não se limitaram, é claro, à parte tecnológica das gravações musicais. Elas passaram a controlar o show-bussiness, a ponto de simplesmente determinar os fenômenos musicais e os gostos das massas, e até mesmo produzindo artistas completamente artificiais, cujo objetivo jamais teve relação com a arte mas apenas como um meio de vender um produto de baixa qualidade para um público refém das gravadoras.
Hoje as gravadoras não mais sobrevivem graças a seus recursos técnicos, mas sim porque edificaram uma imensa estrutura de tráfico de influência, por meio de relações desiguais, jabás, monopólios e cartéis, e dos imorais contratos de concessões de direitos autorais que obrigam os artistas iniciantes a simplesmente ceder, de graça, os direitos de comercialização de suas músicas para serem aceitos no show-bussiness.
Qualquer pessoa com um mínimo conhecimento da área sabe que as condições impostas aos artistas iniciantes ao fazerem contratos com as grandes gravadoras são simplesmente humilhantes. As gravadoras ficam somente com TUDO e mais um pouco. Aos artistas resta basicamente a fama, que é claro, se devidamente aproveitada pode render muito e até transformá-los num fenômeno comercial capaz de negociar mais em pé de igualdade com as gravadoras, se tornando então sócios da mesma.
Até hoje a maior parte da renda dos artistas é obtida nos shows, pois a porcentagem que ganham por CD vendido, quando existe, é ridícula. E aí vem a constatação mais bombástica:
A PIRATARIA NÃO PREJUDICA A GRANDE MAIORIA DOS ARTISTAS!
Pelo contrário! Beneficia, pois eles podem divulgar melhor sua obra, não fazendo diferença se por CDs piratas ou originais de gravadoras, ou por arquivos MP3, pois eles, a imensa maioria, nada ganham do mesmo jeito.
Somente os artistas de maior renome, com melhores contratos, são parcialmente lesados. Mas este são uma porcentagem ínfima dos profissionais desta área, e que já podem se beneficiar da fama de outras formas, como fazendo anúncios, vendendo produtos com sua imagem ou trabalhando em campanhas políticas!

É diante deste fato que dói ver a imensa hipocrisia que tem permeado a mídia atual na propaganda contra a pirataria digital. O discurso é sempre orientado em tentar iludir o consumidor de que os artistas estão sendo prejudicados. Mas isso é, na melhor das hipóteses, uma meia verdade.

A maior parte da renda dos artistas, mesmo dos grandes, continua sendo dos shows e outras formas de marketing, de modo que os artistas podem muito bem sobreviver sem qualquer fonte de renda por meio de CDs. Quem de fato é prejudicado pela pirataria são as gravadoras, esses dinossauros da mídia em franca extinção por absoluta falta de necessidade.
Mas as gravadoras abusam da falácia do espantalho, acusando os piratas digitais de estarem envolvidos com o terrorismo e o tráfico de drogas, atividades de natureza absolutamente diferente, ao não ser pelo fato de que qualquer um hoje em dia pode usar tecnologia digital de reprodução.
Chegam a querer que o ato de copiar um CD seja igualado aos crimes hediondos como tortura e estupro, e torná-lo inafiançável!
A imensa campanha movida nos meios de telecomunicação contra a pirataria, longe de ter qualquer preocupação com o os profissionais que fazem da arte a sua vida, ou com a arte em si, não passa de um grito de agonia dos vampiros do show-bussiness que vêem a cada dia menor possibilidade de sobreviver do sangue e suor das pessoas que transformam sentimentos em sons para tornar o mundo que vivemos mais alegre.

Se temos uma tecnologia que permite a cópia indiscrimidada sem perda de qualidade, por que não usá-la? Por que temos que submeter recursos conquistados pela ciência aos ditames de uma estrutura mercadológica construída décadas atrás quando tais recursos não existiam?

Se os que fazem uso livre desta tecnologia são PIRATAS, e nesse sentido criminosos, as gravadoras são CORSÁRIOS, que usam a mesma tecnologia em benefício de grupos econômicos, ou BUCANEIROS, que alugam seus recursos para quem pagar mais, e ainda prejudicam o mundo da arte infestando o mercado de produtos de baixíssima qualidade que só sobrevivem graças a poderosas estratégias de marketing.

Curiosamente este texto foi escrito por alguém que não é consumidor de CDs musicais piratas. Mesmo porque a quase totalidade dos consumidores de piratas são pessoas de baixa renda cujo gosto musical recai sobre o mais popular e divulgado pela mídia, e consequentemente sobre o brutal controle das gravadoras. Os consumidores mais exigentes em geral possuem gosto mais elitizado.

Sou daqueles que espontaneamente pagam muito mais caro para adquirir um produto com o fino acabamento que por enquanto só mesmo as gravadoras tem garantido. Há muitos iguais a mim, um público fiel que tem acesso a tecnologia de cópia mas por vontade própria ainda adquire produtos originais.
Lamentavelmente as gravadoras não estão sabendo respeitar esse público. O preço dos CDs aumentou espantosamente ao passo que os gastos de produção despencaram, as indústrias mudam o modelo da embalagem e o encaixe do orifício do CD continua quebrando, vários títulos internacionais vem com sobra de espaço e tem havido muitos que são lançados em várias versões diferentes mudando uma só música ou detalhes da capa, obrigando o consumidor fiel a comprar duas ou 3 vezes o mesmo CD para adquirir apenas uma música a mais, e o mais incrível, várias séries simplesmente decidiram abolir os encartes com as letras das músicas.

As gravadoras estão se acabando, e já o fazem tarde, mas não parecem dispostas a aceitar o fato, ou a se adaptar aos novos tempos. Ao invés disso, usam recursos legais, também de uma época onde tecnologia digital não existia, para sabotar as potencialidades de uma revolucionária tecnologia.

Precisamos de novos modos de produção e comercialização para atender aos novos tempos e utilizar os novos meios, e não de fórmulas primitivas que não se adequam à realidade atual.
Isso irá ocorrer inevitavelmente, e quem quiser sobreviver que aprenda a navegar nas águas de uma nova era.
Poeticamente, os PIRATAS se adaptaram. Tanto que até hoje são lembrados e continuam navegando. Os CORSÁRIOS e BUCANEIROS não, e por isso estão afundados e esquecidos.

Marcus Valerio XR
27 de Julho de 2003

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Gostaria de acrescentar uma observação que me foi sugerida por Pedro Volpi, em Agosto de 2004.
Costumamos ver as gravadoras declararem que tem prejuízo de zilhões de reais por ano devido à pirataria. Esse cálculo é feito, pasmem!, multiplicando-se o número de CDs piratas vendidos pelo preço de um original. Como se o mesmo assalariado que paga 5 reais num CD pirata, fosse pagar 30 num original caso fosse sua única opção! Ora, se os piratas não existissem, as gravadoras TALVEZ ganhariam sim um pouquinho mais, mas apenas em cima de uma pequena parcela da população que apesar de ter poder aquisitivo, acaba comprando piratas. Agora querer que na ausência de piratas pessoas de baixa renda ao invés de pagar 10 reais em 3 piratas fossem pagar quase 100 em 3 originais é, como disse Pedro Volpi, mais do que enganoso. Chega a ser perverso! Marcus Valerio XR - 04 de Dezembro de 2004