OBS: Este não é um conto novo, foi escrito na virada de 2002/2003 a pedido de um editor que pretendia lançar um revista de quadrinhos que também incluiria alguns contos em texto. Tal quadrinhista conheceu-me através deste site, e me contactou para desenvolvermos um trabalho em conjunto, no entanto, por uma série de fatores a tal publicação acabou não se realizando. Mantive este conto guardado por um tempo, esperando ainda alguma retomada da publicação, e sinceramente, acabei me esquecendo dele.
Antes que me perguntem, ele também não pertence a nenhum de meus outros universos, apesar de ser uma ambientação que sempre ocupou minha imaginação. Trata-se de um planeta dividio em 3 domínios, um domínio Celestial, um Terrestre e um Subterrestre, sendo o primeiro constituído de imensas planícies elevadas muitos kms de altitude, separadas do solo por acidentes geográficos intransponíveis que permitiram que suas civilizações, ainda que aparentadas, se desenvolvessem por milênios sem se encontrarem, após uma geoformação brusca que elevou as planícies, até que finalmente a tecnologia avançou suficientemente a ponto de permitir aos habitantes das alturas descerem à superfície.
O mundo terrestre por sua vez vivia em constante tensão com o subterrestre, que se desenvolvera paralelamente em profundas cavernas que também isolaram sua civlização por séculos, mas não tanto quanto viveu isolada a civilização celestial. A chegada destes últimos à superfície, de modo hostil, obrigou os domínios da superfície e do subterrâneo a se aliarem, passando a viver de forma pacífica embora tensa, forçando os celestiais a se comportar de modo menos invasivo, resultando numa era de incertezas e bruscas transformações.
Esse conto é uma breve aventura de 3 personagens principais, um de cada domínio, que fazem parte de uma aliança isolada que visa harmonizar os 3 reinos, e portanto vive enfrentando ameaças ao frágil estado de coisas neste exótico planeta.

Marcus Valerio XR
13 de Maio de 2006




OS SUBTERRESTRES


Seguiram correndo por trás de uma horta na última casa daquela aldeia.
- A passagem é aqui! - Disse Melze, enquanto Liandur abria o saco de Póortal e lançava sobre a terra. A luminosidade do pó logo desaparecia assim que penetrava no solo, então vinha o tremor, cada vez mais forte até que uma fenda se abria revelando um túnel natural que sumia nas profundezas.
Klerien pulou na frente e assim que seus dois companheiros a seguiram desceram correndo cada vez mais para baixo, até que mesmo antes da abertura se fechar naturalmente, já estavam na escuridão.
- Para que trouxe o cetro solar? Aqui embaixo será inútil! - Perguntou Melze. - Nunca me separo dele. - Respondeu Klerien que assim como Liandur ativou a jóia que traziam na testa e fortes feixes de luz clareavam o caminho. Melze não necessitava disso, possuía um radar natural como todo subterrestre nativo, tinha os olhos sempre fechados, pois não os usava.
Desde que Uir dominara o mundo Subterrestre, uma parceria pacífica de séculos com a Superfície ficou comprometida, agora ele sequestrara a princesa local, também uma promissora vidente, e os 3 guerreiros tinham que trazê-la de volta o mais rápido possível, antes que os subterrestres inimigos desaparecessem nas profundezas.
Correndo por estreitos túneis, Melze não demorou a perceber que já estavam sendo seguidos. - Desliguem as jóias. - Sussurrou para seus companheiros que o atenderam. Liandur reduziu a luz para um nível quase imperceptível, que não denunciaria sua presença, porém suficiente para que sua sensível visão felina lhe permitisse enxergar. Klerien não tinha essa capacidade, mas seus outros sentidos eram tão desenvolvidos que compensavam, principalmente o tato em toda a pele, que lhe permitia diferenciar sutis variações de pressão e temperatura no ar, por isso andava com poucas roupas.
Graças a essa habilidade ela percebeu a aproximação furtiva de um torpi, soldado bestial subterrestre, que estava prestes a lhes atacar pelas costas. Num só movimento ela atingiu a cabeça do torpi com uma adaga sem sequer se virar para ele, porém o golpe não foi suficientemente preciso para atingir em cheio a garganta e o monstro ainda emitiu um grito estridente.
- Vamos! - Chamou Melze levando-os por outro túnel adjacente enquanto algumas dezenas de torpis passaram a perseguí-los. Desceram cada vez mais nas profundezas até que uma iluminação se fez notar e impressionados chegaram numa enorme galeria subterrânea onde se reuniam centenas de torpis, os habitantes da escuridão, nobres subterrestres, mais evoluídos, montando os temíveis e asquerosos lermis, moluscos pegajosos e venenosos, e ao centro da galeria, sob um grande templo de pedra, um ser de quase 4m de altura, Uir em pessoa, com sua inconfundível couraça negra.
Usando o Cetro Solar como bastão Klerien derrubava seus oponentes, Liandur era muito hábil com sua espada e Melze com suas adagas, mas a superioridade numérica era incontestável, e os nobres podiam ordenar seus lermis a cuspir ácido ou veneno a longas distâncias. Liandur se desviou de um jato de ácido e num salto cortou a criatura derrubando seu montador, mas era pouco efetivo pois os lermis eram quase insensíveis a perfurações ou cortes.
- Alguém tem sal?! - Gritou Klerien e seus colegas negaram. - Não acredito que temos um saco cheio de Póortal, o pó mais caro do mundo, e nem um pouquinho do pó mais barato!
- Chegaram rápido. Estou impressionado! - Disse Uir com seu imutável e sinistro sorriso, enquanto os 3 guerreiros abatiam alguns torpis que os atacaram até serem detidos pelas ordens do soberano.
Cercados por um exército tão grande,Uir nem se deu ao trabalho de mandar capturar ou revistar seus inimigos, e disse. - Agora é tarde demais, a Lua Cristal logo estará no horizonte ideal para que meus especialistas inseminem suas conterrâneas da superfície.
- Para que isso uir?! - Gritou Melze. - Por que comprar essa briga com os reinos Sobre Terrestres?!
- Com nossa aliança desfeita ambos seremos vítimas fáceis dos Altíssimos! - Completou Liandur.
Uir, movendo-se em direção à 3 princesas terrestres que jaziam nuas sobre um altar prontas para serem inseminadas, respondeu. - Quando eu terminar nem os Altíssimos nem os Terrestres serão páreo para mim. A semente que introduzirei nessas videntes terá uma gestação muito rápida, e em breve terei minhas super sensitivas, capazes de ver tudo a qualquer momento, em qualquer lugar!
- E que espécie de criaturas serão essas sensitivas que nascerão?! - Perguntou Liandur.
- Elas não nascerão. - Respondeu uir. - A semente cresce para dentro do próprio corpo até chegar ao cérebro, transformado-as de mulheres em híbridas mutantes que logo estarão sob meu controle. Não há nada que possam fazer. Ninguém sabe que estamos aqui. Posso até lhes conceder o privilégio de deixá-los assistir o processo antes de matá-los.
- É verdade. - Disse Liandur em voz baixa. - Eu não sei onde ele conseguiu essas sementes mas pode mesmo produzir super sensitivas. Essas princesas estão entre as videntes mais poderosas da Superfície.
- E por que capturou princesas de 3 reinos? Por que não videntes quaisquer? - Perguntou Melze, segurando firme as adagas.
- Se eu o fizesse, logo perceberiam que meu interesse era pelas videntes, e poderiam prever meus planos. - Respondeu Uir. - Capturando princesas todos esperam apenas algum tipo de extorsão.
- E agora? - Sussurrou Klerien para seus colegas. - Os reinos não fazem idéia do que ele está planejando! Estão enviando tropas para cavernas conhecidas esperando alguma negociação.
- São muitos. - Disse Liandur. - Não podemos derrotá-los. E duvido que qualquer reforço chegue a tempo. Se pelo menos seu cetro solar estivesse carregado poderíamos pôr todos esses torpis para correr. - Completou olhando para Klerien.
Enquanto isso os servos de Uir abriam caixas de onde saíam tentáculos de plantas-olho, que tinham o poder de visão a distância e se preparavam para inserir seus órgãos reprodutores nas princesas.
- Só tem um jeito. - Disse Melze. - Está com seu arco, Klerien?
- Sim. Mas de que adianta, estão muito longe! Não dá pra acertar desta distância!
- Mas o teto não está tão longe.
- E daí?! - Interrompeu Liandur.
- Ponha o Póortal numa flecha e dispare-o bem ali. - Disse Melze apontando para o teto logo acima do templo de pedra onde estava uir, seus servos, as princesas e as plantas-olho.
- Mas não há nenhum túnel ali! Só terra e rocha! - Protestou Liandur.
- Eu sei. Mas confie em mim. É nossa única chance.
Discretamente Klerien preparou seu arco e Liandur sacou o Póortal. - Quanto ponho? - Perguntou. - Tudo! - Respondeu Melze.
- O quê?! Aqui há Póortal para abrir umas 200 passagens! Como posso desperdiçar tudo de uma só vez?!
- É nossa única chance! Faça! - Insistiu Melze enquanto Klerien amarrava o pequeno saco na ponta da flecha. - Não vai ser fácil. - Disse ela, e rapidamente armou e disparou a flecha para o alto, antes que as centenas de torpis e subterrestres montados em lermis pudessem fazer qualquer coisa.
Todos olharam a trajetória da flecha rumo ao teto a algumas dezenas de metros acima do templo, e então Klerien pensou. - "Corremos cerca de 10 kms na direção do leste, o que quer dizer que estamos..."
- Sob o mar!!! - Gritou ela assim que a flecha atingiu o alvo fazendo o Póortal penetrar na rocha. Os tremores demoraram mas então o pó mágico fez seu efeito, e o teto passou a ruir causando um imenso desabamento, e água começou a entrar, primeiro aos poucos.
- Protejam-se! - Gritou Melze. E correram para debaixo de uma construção de rocha quando então a água do mar invadiu a galeria. Os lermis em contato com o sal dissolveram-se rapidamente e a luz do Sol, que estava a pino em exato meio-dia, torrou os poucos torpis que não foram arrastados pelas águas.
Em segundos o grande exército de Uir foi aniquilado enquanto o mar escoava para dentro da terra pelo imenso ralo que se formou, isolando o templo de pedra numa espécie de ilha cercada pela cachoeira circular.
Os guerreiros atacaram os torpis mais resistentes ao sol, ou os soldados subterrestres que restaram, que foram sendo derrotados um a um pela espada de Liandur, as adagas de Melze e o bastão e as garras de Klerien. Mesmo assim eram muitos, e avançaram com ferocidade redobrada ante a ordem de Uir.
- Vou usar o Cetro Solar! - Gritou Klerien, e apontou o globo negro da extremidade do bastão para cima. O globo se abriu como um par de pálpebras revelando um olho, no caso um cristal tão transparente que era quase invisível, mas que foi brilhando cada vez mais até se tornar quase tão intenso quanto o próprio sol. Então Klerien fechou o globo e apontou a extremidade oposta para os inimigos, e um feixe de luz varreu a cena como um mortífero LASER durante apenas alguns segundos, suficientes para um efeito devastador.
- Agora, Uir! - Disse Liandur, avançando contra os poucos torpis que restaram e logo chegando ao templo de pedra, que após o choque das rochas e terra desmoronadas, e em seguida das águas, acabou não resistindo e estava prestes a desabar.
Melze e Klerien soltaram as princesas, que rapidamente se vestiram a fugiram do local antes que tudo viesse abaixo, e Liandur ficou frente a frente com Uir, um gigante que mesmo tendo quase que o dobro de seu tamanho não parecia intimidá-lo.
- Muito bem! Vocês são melhores do que eu pensava. - Disse em voz sinistra mas sem diminuir seu tenebroso sorriso. E deu um imenso salto para o alto mergulhando logo em seguida. Como já desconfiava Liandur,Uir não iria travar combate, com seus pés afiados como espadas penetrou no solo, escavando velozmente e desaparecendo nas profundezas.
Perseguí-lo estava fora de cogitação, ele podia fechar totalmente a couraça de seu corpo e nadar agilmente em lava vulcânica, que logo subiu incandescente pelo buraco endurecendo e fechando a passagem.
A água parou de cair, aquele golfo era ligado ao mar por uma seção mais rasa, que com a maré baixa ficava isolado do restante tempo suficiente para que logo o local estivesse repleto de soldados terrestres do reino, tentando não atolar no lamaçal e contemplando aterrorizados aquele imenso buraco para onde barcos e peixes haviam sido arrastados.
Cordas foram lançadas e os guerreiros e as princesas puderam ser puxados até a superfície e levados até a praia seca, onde o rei local, com sua comitiva, esperava.
- Não me lembro de ter autorizado uma mudança na geografia de meu reino Liandur! - Disse em tom sério, mas logo se alegrou ao ver a filha, que o abraçou ainda chorando.
- Posso lhe garantir que é melhor do que o que aconteceria caso Uir tivesse obtido o que queria. - Respondeu, logo em seguida explicando os detalhes com o apoio das outras princesas, que ainda surpreendiam o rei por estarem ali.
- Então é pior do que eu pensava. - Disse o rei.

Um dia depois comitivas dos outros reinos se aproximaram para buscar suas princesas, enquanto operários construíam uma represa para tentar impedir que a água do mar ficasse periodicamente escoando para o subterrâneo.
Os 3 guerreiros foram recompensados, ainda que agissem mais por ideais, e partiram para se juntar a outros de sua ordem guerreira em missões ainda mais perigosas.
A princesa Xara escapara de ter seu corpo violado pela semente de uma temível planta-olho, e a noite seu pai viera lhe dar boa noite e velar parte de seu sono, agradecendo a sorte que tudo tivesse acabado bem, e então deixou a jovem e poderosa vidente sozinha em sua cama. Fingindo dormir, e pensando.

"Maldição! Estava tão perto! Tão perto de conseguir me tornar uma Super Sensitiva. Por que aqueles 3 tinham que estragar tudo?! Mas tudo bem, eles ganharam desta vez, mas em breve encontrarei Uir novamente, e juntos daremos prosseguimento ao nosso plano. Me transformarei na Sensitiva mais poderosa dos 3 domínios e um dia arrasarei os malditos Celestiais!"

Marcus Valerio XR
Dezembro 2002 / Janeiro 2003

Contos de FC & FF


Descrição dos personagens para ilustração.

Liandur: Esbelto, embora seu corpo seja coberto por mantos negros semelhantes ao dos cavaleiros Jedis, tem cabelos negros, compridos e lisos, presos num rabo de cavalo. Usa uma espada longa.
Klerien: Atlética embora de curvas sensuais, e apesar da capa usa poucas roupas, ficando inclusive descalça, embora sem ser o que chamaríamos de vulgar ou apelativo. Seus cabelos são brancos e curtos, usa como arma o Cetro Solar, um bastão tão alto quanto ela e com uma esfera no topo, e tem garras afiadas. Enrola a capa no pescoço sobre os ombros na hora da ação.
Melze: Mais baixo e mais entroncado, tem aparência semi-humana, seus olhos ficam sempre fechados e seu rosto tem uma ligeria aparência de buldogue. Sua orelhas são compridas e os dedos grossos. Usa roupas marrons num tipo de roupa de pele primitiva, porém com design mais sofisticado. Suas armas são adagas.
Uir: Enorme, com 4m de altura, o corpo duro como uma armadura natural, escuro e ligeiramente espinhoso. Apresenta um sorriso aterrador constante, tem garras afiadas nos pés e nas mãos e não usa roupas.
Torpis: Antropóides, parecidos com gorilas mas sem pêlos e nus. Não usam armas, são muito pouco inteligentes para isso, e sim suas garras e dentes afiados, e são usados como força bruta. Podem ser de várias cores. Tem olhos muito pequenos, quase inexistentes, narinas e orelhas grandes.
Lermis: Lesmas tipo caracóis mas sem conchas, usadas como montarias pelos nobres subterrestres. Embora não sejam muito rápidos, são muito perigosos, podem grudar pelas paredes ou teto e navegam sobre água doce.
Subterrestres: Humanóides como Melze, mas em geral mais altos, magros e de feições mais delicadas. Alguns são cegos e a maioria enxerga muito pouco, mas as orelhas são sempre grandes e sensíveis, e os dedos grossos lhes permitem tato muito aguçado. Além disso possuem ótimo faro e são capazes de se orientar pelo som e pelo tato com maestria, num misterioso tipo de radar. Alguns são peludos.
Celestiais: Humanóides como Klerien. Possuem pele reflexiva, de aparência, prateada, dourada ou bronzeada. Alguns brilham intensamente sob a luz do Sol. Em geral são altos, magros e leves, e possuem um tato incrivelmente sensível principalmente à variações atmosféricas, o que lhes permite prever tempestades e dizer exatamente qual a temperatura ambiente, além de sentir a aproximação dos objetos a sua volta pela simples reflexão destes ao calor de seu corpo.