O PULSO AINDA PULSA

 

Marcus Valerio XR

Primeira Parte - VINGANÇA

 

Érico detestava horário de verão. Nunca aceitou essa arbitrária alteração no relógio biológico humano sem o consentimento expresso da população. Ele era tão radical, que em todas as ocasiões em que o horário de verão entrava em funcionamento, demorava a semana inteira para se acostumar, de propósito.

No primeiro dia, Segunda-feira, chegava 50 minutos atrasado, na Terça o atraso era de 40, e assim por diante, só assumindo o horário de verão definitivamente uma semana depois. Como sua capacidade de chegar pontualmente era famosa, na exata hora que ele combinasse, todos sabiam que seus atrasos eram propositais. Tal pontualidade resultara no britânico apelido de Sir Eric, que resultou em Eric.

Por tudo isso, nesta ocasião, quando o horário de verão acabara de ser inaugurado, pela primeira vez em vários anos Érico estava rindo a toa. Ele agora não mais cumpria um horário comercial comum, que era regido pelas normas humanas, seu horário agora era regido pela natureza, de forma totalmente inflexível.

Recém formado em Astronomia e cursando pós graduação em Astrofísica, Érico estava mais do que nunca feliz com seu novo emprego. Trabalha no observatório sul americano do SOW (SOlar Watchers), uma organização criada há menos de um ano que tinha por objetivo observar o Sol constantemente, devido a estranhas anomalias que vinham ocorrendo nos últimos anos.

O Observatório de Vigilância Solar funcionava desde o momento em que o Sol nascia até o momento em que ele se punha, quando a responsabilidade de vigiar e estudar as imprevisíveis e peculiares perturbações solares ficava a cargo dos observatórios de outros pontos do planeta.

Sendo assim, o horário de trabalho de Érico era imune à ridícula alteração determinada pelo governo que dizia-se, ser destinada a redução do consumo de energia.

Érico estava tão exultante, com um sentimento de revanche tão recompensador, que nem estava se importando com o fato de que nesta exata Segunda-Feira, estivesse escalado para compor o primeiro turno de estudo e vigilância, o que o obrigava a acordar ainda com o céu escuro.

Desceu a rua rumo a parada de ônibus e nem mesmo o alvoroço no fim da madrugada, incomum nas épocas de horário normal, conseguiram abalar seu humor. Para cada vez que alguém lhe reclamava do novo horário, ele adorava explicar por que para ele não fazia a menor diferença.

"Essas leis idiotas não mandam na natureza!" Ele sempre dizia. Assim como também "E essa estória de economia de energia não me convence! Que diferença faz acender a luz no fim da tarde ou no começo da manhã?!"

Outro passageiro que ia com ele no ônibus interpelou. - E já estão falando em racionamento de energia no mês que vêm. - E a conversa esquentou quando mais pessoas entraram na assunto.

- E ainda põem a culpa no povo. Que estamos desperdiçando energia e blá-blá-bla.

- Sabe o que eu acho pior!? E que sempre tem esse papo de poupar luz, mas no fim do ano, quando os enfeites de natal gastam muito mais, ninguém dá um pio!

- Vai ver é por que no fim do ano chove muito e as represas estão mais cheias.

- Cê acredita nisso?!

- Só sei que eu guardo sempre em casa minhas velinhas e meu velho lampião de querosene.

- Pra mim isso é o de menos. Eu não vivo é sem meu som.

- E eu!? Que trabalho no meu computador em casa?!

Érico saltou do ônibus com o humor inabalável, no dia seguinte ele só teria que acordar as 8:30h, do horário real! Desceu a pequena estrada por entre o jardim que levava ao imponente observatório, construído com recursos internacionais em tempo recorde devido a urgência da situação. Apesar de estar feliz, ficou pensativo sobre o quanto nós atualmente somos dependentes de energia, esse pensamento voltaria a incomodá-lo mais tarde.

A noite já cedia lugar ao clarão que surgia no horizonte, Érico entrou no observatório, cumprimentou alguns colegas e logo já ativava o seu equipamento, os monitores e computadores. E quando o primeiro pedaço luminoso do Astro Rei surgia no horizonte, os poderosos sensores, telescópios e radio-telescópios já miravam nossa estrela, cujo comportamento ultimamente tanto vinha intrigando os cientistas.

Segunda Parte - VIGILANTES DO SOL

 

Começou há menos de dois anos. Os astrônomos descobriram um comportamento anômalo na superfície do Sol. Manchas solares estavam ocorrendo com maior frequência e com durações mais prolongadas do que o normal. Coices Solares também se mostraram mais intensos e o Astro Rei começou a emitir radiações que causaram interferência nos satélites de comunicação.

Embora não tenha sido notada pela maioria da população, a preocupação da comunidade científica foi grande. Poucos foram suficientemente otimistas para menosprezarem a situação. A maioria dos cientistas do mundo foi taxativa, o emissões de radiação eletromagnética deveriam aumentar nos próximos anos, pelo menos a médio prazo.

Pequenos Coices Solares poderiam deixar sistemas de comunicação inativos por vários minutos, além de causar danos a satélites, sistemas de gravação magnética e tráfego aéreo.

Foi criado então o SOW, com o objetivo de monitorar constantemente o Sol e com o uso de novos sistemas de detecção e análise, prever com antecedência de várias horas um eminente Pulso eletromagnético capaz de afetar a infra estrutura tecnológica terrestre.

Várias teorias exóticas foram elaboradas para explicar o estranhíssimo comportamento solar dos últimos anos, uma delas chegava a afirmar que um corpo celeste desconhecido havia se chocado com a Estrela, pelo lado oposto ao da Terra, o que explicava a não visualização do evento, e de algum modo estava afetando o comportamento das reações nucleares que geram luz e calor para toda a vida no Planeta. Algo parecia ter alterado a composição química da estrela, como se tivesse adicionado uma dose extra de Hidrogênio, porém nada era certo.

Mas o fato problemático é que até agora o pesado investimento realizado no projeto SOW não se justificara, em mais de 6 meses de operação não ocorrera nenhuma anomalia que justificasse uma vigilância tão apurada, e já havia detratores comparando-o com o Projeto SETI.

Porém, tudo isso mudaria agora.

Terceira Parte - MENSAGEM DA ÁFRICA

 

Após ativar o último monitor, Érico percebeu que desta vez não fora como sempre, o primeiro a chegar. Pablo, seu ex-colega de faculdade, já estava em seu posto, mas tão agachado e quieto que era quase imperceptível.

- Ué Pablo! Já está aí?!

O franzino e recurvado rapaz nem se moveu e após alguns segundos de silêncio respondeu em tom sarcástico.

- Não. Ainda estou em casa. Essa é apenas um projeção holográfica.

Érico ignorou o gracejo e continuou. - Hoje a abertura e o primeiro turno são meus! - Ainda sem olhar para ele, demonstrando compenetração, Pablo respondeu devagar. - Eu sei, mas hoje todo mundo lá em casa acordou mais cedo, fizeram a maior bagunça e eu não consegui mais dormir. Preferi vir pro trabalho.

Finalmente percebendo os rabiscos e cálculos de Pablo, Érico se aproximou e observou diversas tabelas, pranchas, livros, calculadoras e canetas ao lado da tela do computador, e antes que perguntasse Pablo se levantou de supetão.

- Eric! Melhor você ver isso. - Entregando alguns papéis para o colega. - Veio do SOW Africano há uns minutos, pouco antes de eu chegar.

- O que eles viram desta vez?! - Indagou Érico curioso, e Pablo já respondia mesmo antes dele completar a pergunta.

- Quando o Sol se punha, para eles, detectaram algumas ondas estranhas. Acharam que era interferência mas mesmo assim recomendaram esses parâmetros de análise. - Mostrou ao colega o comunicado via FAX e uma série de gráficos.

- Sim. - Disse Érico - Alguma novidade? - Pablo de repente pareceu fazer pouco caso. - Não sei. É que pus essas frequências nos sensores de campo e... Deu isso! - Ele mostrou outros gráficos tirados dos rádio sensores que examinavam as frequência solares antes mesmo da estrela ser visível.

Érico demorou um tempo para entender. - Humm. E como está agora? - Foram checar o monitor e Pablo logo lhe mostrou um gráfico ascendente que deixou o colega de olhos arregalados.

- Acho que não é nada. - Disse desanimado Pablo. Mas Érico não concordou. - Peraí! Mas se isso for resultado de uma hiper concentração de hidrogênio nós... - Mas Pablo interrompeu. - Não pode ser! Seria rápido demais!

Érico não se deu por vencido. - Eu sei mas... Se for... Eu acho melhor chamar os outros. Entre em contato com o SOW africano antes que eles vão embora e peça tudo o que eles tiverem! Se for o que estou pensando...

E correu rumo à sua sala sem tirar os olhos dos papéis. Pablo ficou olhando o companheiro sair pela porta, meio cético sobre o que Érico deveria estar pensando. - Será possível. Um coice dessa amplitude?

 

Difícil foi convencer os outros cientistas do SOW a se reunirem quando muitos folgavam hoje. Mas Érico estava mais do que preocupado. Estava eufórico enquanto distribuía papéis a todos e começou a rabiscar no quadro branco.

- Eu sei! Pode ser difícil de engolir. Muito difícil mas vamos supor, só supor, que isso seja uma hiper concentração de hidrogênio puro prestes a entrar em fusão.

- Tão longe da superfície?! - Interrompeu um dos físicos mais velhos. Mas Érico insistou. - Vamos só supor! Bem, se for, a liberação de energia seria algo jamais visto, sequer sonhado em toda a história. E com esse nível, liberaria um pulso de...

A doutora o interrompeu. - Se fosse uma explosão dessa intensidade, seria quase uma nova estrela de vida curta na superfície. O pulso eletromagnético seria tão violento que... Não sei que tipo de estrago faria.

- Eu sei! - Pronunciou Érico triunfante. - Arrisco dizer que a cidade onde for meio-dia, não conseguirá usar nem telefone. Toda telecomunicação vai vai estar fora do ar. E talvez sofra até mesmo blecautes.

Os colegas olhavam para ele incrédulos, mas não totalmente a ponto de ignorarem a possibilidade.

- Está bem! - Disse o diretor. - Vamos elaborar um relatório completo e enviar para os outros SOWs, se eles confirmarem a suspeita...

 

Mas não confirmaram. Quase todos os outros astrofísicos consideraram os cálculos de Érico falhos e suas previsões exageradas. Segundo ele, em alguns dias haveria um coice solar tão grande, que todo o projeto SOW estaria mais do que justificado.

Quarta Parte - NO AR

 

- O que estou dizendo... - Explicou Érico no microfone. - É que pelos meus cálculos podermos ter um pulso eletromagnético tão forte que vocês e qualquer rádio ou TV sairiam do ar por horas. Não só isso, telefones celulares e telefones normais, Internet, TV por assinatura e etc.

- Mas isso seria um problemão hein? - Respondeu a radialista com sua típica voz que deixava todos em dúvida se estava sendo séria ou sarcástica. - E haveria algum jeito de impedir?

- Não! Nenhum, o que poderíamos é prever com antecedência e administrar essa pausa. Podem aproveitar para fazer alguma limpeza ou checagem no equipamento e...

- Espere. Estamos recebendo um telefonema, o ouvinte quer fazer uma pergunta. - A radialista orientou a colocação da ligação no ar. O som como sempre nesses casos era ruim, o ouvinte se apresentou e foi um tanto direto.

- O que eu acho é que mal terminou a paranóia ridícula do Bug do Milênio e já aparece um outro para fazer uma previsão tipo Nostradamus. Isso é catastrofismo cara! Me diz uma coisa, se isso for verdade por que é que os outros astrônomos não concordam com você?

Érico tomou fôlego ante o inexplicável sorriso da radialista. - Bem, pra começar não estou fazendo nenhuma previsão catastrófica, apenas alertando para uma possibilidade que como cientista e profissional do projeto SOW considero muito provável. Não quero ser alarmista, mas cumpro com o dever de minha consciência.

- Alguma palavra final senhor Érico? - Perguntou em tom finalizante a radialista. Érico agradeceu, deu e-mail e FAX para contato.

Saiu da rádio um tanto deprimido. Era sua terceira aparição em rádios esta semana e já havia sido contactado para um programa de entrevistas, mas infelizmente se sentia colocado no grupo dos charlatães. Como os demais astrônomos eram céticos em relação ao problema, ele não estava encontrando apoio e já se sentia comparado a Pseudo Cientistas.

Cientistas céticos raramente aparecem na mídia, que em geral dá grande cobertura a qualquer sensacionalismo insensato que se traveste de ciência. O repentino sucesso de Érico o fazia se sentir um farsante, logo ele que sempre fora um adversário dos astrólogos, profetas e místicos.

O programa de TV para o qual fora convidado não por acaso falava sobre previsões e profecias da Nova Era e ele queria recusar o convite. Ficara de dar uma resposta no dia seguinte. Já estava ficando desanimado.

À noite resolveu ir para o laboratório. As coisas por lá também não andavam bem. Sua insistência no assunto já estava gerando críticas e repreensões até mesmo de outros SOWs. Nesse inferno astral, ele decidira por um fim naquilo.

Ficaria trabalhando revisando seus cálculos até que se desse por vencido pela opinião da maioria ou que conseguisse um meio de provar sua hipótese.

Por volta das 4 horas da manhã já estava prestes a se render. Achava que seus cálculos tinham mesmo alguma falha. Cansado e quase incapaz de manter os olhos abertos mesmo com doses maciças de café, acabava de chegar a conclusão que era melhor deixar aquilo de lado.

Porém um FAX do SOW australiano viria frustar essa postura mais cômoda.

Ele pegou o papel e mal acreditou no que viu. Não só um dos cientistas do SOW australiano confirmara suas previsões como enviou novos dados e observações que fizeram Érico se arrepiar.

Após rápidos cálculos e projeções baseados nos dados auxiliares que acabara de receber pelos computadores interligados do SOW, ele mudou de ídeia quanto ao programa de TV no dia seguinte.

- Ah meu Deus! Eu tenho que avisar a todos!

Quinta Parte - FORA DO AR

 

O cansaço o vencera fazendo-o dormir por toda a manhã. Quando acordou revisou suas projeções e não teve dúvidas. De casa ligou para o observatório e a atitude de seus colegas mudara, ele estavam agora indecisos e confusos perante os números assombrosos que estavam constatando. Por algum motivo totalmente incompreensível, uma imensa concentração de Hidrogênio parecia prestes a produzir uma fusão desmedida, inesperada e jamais vista.

Érico almoçava com certa tranquilidade quando o telefone tocou. Era do programa de TV, ele já havia confirmado sua presença mas o motivo da ligação era outra. - É melhor você vir logo, está quase na hora!

- Mas ainda falta... - Érico ia respondendo. - ARRGHHH!!! MALDITO HORÁRIO DE VERÃO!!!

Ele se esquecera que já estava uma hora atrasado, foi um baque em sua orgulhosa pontualidade, correu para o prédio onde ficava o estúdio que por sorte era próximo a sua casa. Foi correndo e falando ao telefone para que os produtores do programas tivessem paciência pois as notícias que levava eram muito sérias. Ele precisava dar um aviso.

O programa já estava no ar e ele a pé, pois de ônibus demoraria mais tempo, exausto e quase sem conseguir continuar foi pedindo para que desse seu aviso ao vivo do próprio telefone. Os produtores do programa inventaram um estória de que ele teve que correr para o observatório devido a uma emergência e que agora trazia em primeira mão notícias supreendentes.

Mal segurando o celular, se preparava para por sua voz no ar quando o aparelho acusou uma chamada do SOW, ele convenceu os produtores a esperarem um pouco enquanto atendia os colegas do observatório.

Ele já havia quase derrubado uma barraca de cachorro quente quando entrou em pânico. As notícias de seus antes incrédulos colegas agora eram muito mais assustadoras que as dele.

Passou a correr mais depressa ignorando a fadiga. Derrubou uma barraquinha de camelô mas não se deteve, gritou desculpas e continuou a correr. Ofegando comunicou-se com o programa de TV que o pôs no ar de imediato. Após se apresentar declarou quase sem fôlego.

- A qualquer momento!! Repito. A qualquer momento teremos um coice solar jamais visto na história, as pessoas que estiverem dependendo de eletricidade e melhor que desliguem seus aparelhos. Aeronaves no ar devem pousar, cirurgias que...

Ele quase foi atropelado. Um cachorro se pôs a correr atrás dele e logo chamou atenção da polícia. Mas nada iria intimidá-lo, ele agora tinha o aval do SOW.

Chegou ao prédio e correu direto para o elevador. A lentidão das portas o deixaram ainda mais nervoso. Apenas duas moças, por sinal muito bonitas e produzidas, o acompanhavam. Por sorte elas iam descer um andar acima dele, já estavam quase chegando.

Mas de súbito... Tudo parou!

 

Na escuridão total Érico puxou o telefone. Desligado. Apertou o botão da luz do relógio. Não funcionou.

As moças quase entraram em pânico. - Ai meu Deus! Faltou luz logo agora!?

- Não foi falta de energia. - Ele respondeu. - Foi um Pulso Eletromagnético!

Ele sorria diante da ironia da situação Por acaso, uma de suas mais excitantes fantasias eróticas era exatamente essa. Ficar trancado num elevador com belas mulheres. Mas logo se concentrou na gravidade da situação.

- Alguém tem um isqueiro. - Uma das moças respondeu que sim e logo o acendeu. Pela primeira vez ele agradeceu ter ao seu lado fumantes a bordo de um elevador. Com a luz da chama procurou o mecanismo da porta e com muito esforço conseguiu forçá-la a se abrir.

Estavam a meio andar e ele pulou para o piso. - Ei moço! - Chamou uma das garotas. - Não vai deixar a gente aqui vai?

Ele de fato quase se esquecera. Com muito cuidado ajudou as moças a descerem tentando disfarçar o fato de que curtiu brevemente aquele momento onde desceu duas mulheres de saias curtas de uma altura maior que seus ombros.

Então correu para as escadas. Passou direto pelo andar do estúdio pois o programa já estava mesmo fora do ar. Chegou ao terraço e olhou para a rua.

Os carros parados, várias batidas, as pessoas confusas e diversos gritos. A essa hora centenas estavam presas em elevadores, em metrôs debaixo da terra, os automóveis travaram repentinamente seus motores e os freios subitamente desativaram-se.

Foi sorte nenhum veículo aéreo ter caído na cidade.

Sexta Parte - SOL MUTANTE

 

O blecaute durara quase 15 minutos e os prejuízos foram grandes, atingido quase um sexto da área do planeta que por sorte, era em maior parte marítima. De catastrofista de plantão e profeta ao estilo Nova Era, Érico foi reconhecido como um competente astrofísico. O SOW se reuniu para uma teleconferência com todos os outros 5 observatórios do planeta.

Todos confirmaram as repercussões e as causas do estranho fenômeno que desafiava todas as explicações. O velho astro rei se tornara indócil e traiçoeiro. Interferências nas telecomunicações embora geralmente imperceptíveis, se tornaram constantes e as perspectivas com relação a outros pulsos eletromagnéticos não eram animadoras.

Porém um mês após o evento, o assunto saiu de moda. Como se fosse um trauma esquecido e isolado no mundo, o Blecaute foi deixado para trás como mais um acontecimento corriqueiro tal qual outra breve perturbação social qualquer.

Nesse meio tempo Érico deu várias entrevistas e compareceu a diversos programas. Muitos insistiam em perguntar se ele tivera alguma intuição mística para prever o que os outros não puderam, mas ele insistia em afirmar que só usara o método científico e sim, alguma dose de intuição, mas nada de místico.

Para sua surpresa, o programa onde estava agora era apresentado pela senhorita Inês, uma das moças que estavam com ele no elevador no dia do blecaute. Ela estava sendo orientada pela direção de sua emissora o dar a maior cobertura possível a Érico e aos fenômenos, aproveitando a escassez de investimentos no assunto por parte das outras redes de TV.

Foi no programa recém criado Visões do Século XXI, que Érico anunciou pela primeira vez a idéia de investimentos maciços em programas de desenvolvimento de tecnologias alternativas, não elétricas, prevendo uma época em que nossos sistemas dependentes de energia elétrica não seriam mais confiáveis.

O assunto esfriou um pouco mais após outro mês de normalidade. Apenas Inês e seu programa davam alguma atenção ao programa SOW e suas mais recentes descobertas com destaque para Érico que já se tornara amigo da apresentadora.

Mas antes que o terceiro mês se completasse. O Sol voltaria a atacar, dando pouco tempo ao SOW para reagir.

Sétima Parte - UM PALMO ADIANTE DO NARIZ

 

Inês estava no SOW colhendo os últimos dados alarmantes do projeto. Se iniciaria uma série de reportagens um tanto catastrofistas. A todo vapor Érico e seus amigos trabalhavam na tentativa de interpretar os últimos eventos solares. Embora Inês estivesse estusiasmada com seu programa, também estava receosa. Se as piores projeções de Érico se concretizassem ela perderia seu emprego, pois não haveria mais televisão. Érico foi, em todo o mundo, o mais ousado de todos os cientistas com relação ao futuro do Sol.

Após cálculos e mais cálculos, chegaram a conclusão que um novo pulso estava prestes a ocorrer, desta vez provavelmente em outra localidade do planeta pois a noite já se aproximava. No horizonte a estrela amarela permitia uma visão peculiar de sua nova fotosfera, cujas cores sofriam alterações.

Érico e Inês estavam agora visitando um depósito de registros magnéticos. Gigabytes de dados eram conservados em discos ópticos e papel e ele queria ter certeza da organização do arquivo ao mesmo tempo que explicava a ela alguns detalhes do projeto. O ambiente recebia fraquíssima iluminação externa e somente na parte da manhã, portanto quando as luzes se apagaram, não se podia enxergar sequer um palmo adiante do nariz.

Inês gritou de susto. O estalo das luzes realmente foi um tanto ameaçador, mas o breu que se formava no ambiente era simplesmente apavorante. Mesmo andando com o máximo possível de cuidado e tateando no escuro, Érico acabou por derrubar um pilha de CDs no chão, tornando o deslocamento ainda mais perigoso pois uma pisada indesejável e não só se estragaria um CD como era bem possível que se tomasse um belo tombo naquele chão encerado.

A jornalista, completamente desorientada por estar num ambiente que não conhecia, chamava por Érico, que mesmo já tendo vindo várias vezes ao local também estava bastante perdido. Foram chamando um ao outro tentando se guiar pelas vozes. No escuro eles procuravam se tocar, para que ele a conduzisse para a porta onde poderiam passar para um recinto mais claro, que ainda aproveitasse algo da luz do dia minguante.

Após hesitantes passos ele finalmente sentiu alguma coisa, uma respiração, bem próxima ao seu rosto.

- Inês? - Ele perguntou. E a proximidade do som não restava dúvida. Seu rostos estavam tão próximos a ponto de começarem a se distinguir na escuridão ajudados pela progressiva adaptação visual ao ambiente que ainda possuía alguma claridade.

- Você tem seu isqueiro?! - Perguntou Érico.

- Estou tentando achar na bolsa. - Ela respondeu.

Desistindo de procurar o objeto com a mão esquerda, ela tirou a alça de um ombro e passou para o outro. Nisso, acidentalmente laçou o braço de Érico que com o susto cambaleou se apoiando nela. O breve desquilíbrio os deixou ainda mais próximos. Ela achou o isqueiro e o acendeu.

Subitamente seus rostos se iluminaram, face a face, próximos. A sensação de ver um rosto humano surgir naquela escuridão tinha algo de inefável. Como uma luz de esperança, um aconchego.

No começo ficaram paralizados, mas depois já estavam próximos demais para se afastarem. Não se podia deter mais aquela inspiração do momento.

Eles se beijaram.

Oitava Parte - CONTAGEM DE CORPOS

 

Todos esperavam que o SOW latino americano estaria fora do alcance do pulso. Porém mesmo estando o Sol já no horizonte, eles não escaparam do blecaute.

Embora o aviso tivesse sido dado com quase 10 minutos de antecedência, não fora possível pousar as vários aviões que voavam naquele momento. O resultado macabro foi nada mais nada menos que 46 tragédias aéreas, desde pequenos jatos particulares até grandes boeings.

Após quase meia hora de blecaute, os noticiários de todo o mundo tentavam cobrir o evento. Inês fora convocada para dirigir um especial e estava muito nervosa. Talvez por saber que enquanto milhares de pessoas morriam, ela, devido ao mesmo evento causador de tanta tragédia, tivera um momento romântico.

Em várias partes das 3 américas, leste da Asia e Oceania as equipes de resgate trabalhavam com força total, poucos aviões tiveram a sorte de planar até que o efeito do pulso passasse ou que saíssem do raio de ação do neutralizador eletromagnético solar.

Dias depois ocorreu uma reunião mundial de cientistas e autoridades no prédio da ONU, inclusive os cientistas do SOW. Um evento de tal magnitude recebeu ampla cobertura internacional e agora Inês já podia negociar salários maiores pois Érico, que já se fazia notar mundialmente, sempre dava preferência a sua nova namorada.

A reunião porém não era nada festiva, para não dizer trágica.

Começaram fazendo um levantamento dos prejuízos causados pelo último blecaute. Mais de 10.000 pessoas mortas não apenas em acidentes aéreos, mas também ferro e rodoviários, sem contar os efermos em hospitais que dependiam de aparelhos. Bilhões de dólares perdidos.

Então o presidente do comitê internacional que liderava o SOW e outros programas astronômicos fez seu pronunciamento ao mundo.

Nona Parte - MÁS NOTÍCIAS

 

Ia piorar, dizia o presidente. Declarando seu extremo pesar, advertia que todas as projeções indicavam uma transformação completamente inesperada e repentina na estrela. O Sol passaria a pulsar, descarregando rajadas de energia que trariam campos eletromagnéticos tão fortes, que toda a tecnologia elétrica seria inviabilizada periódicamente. A frequência desses pulsos ainda era incerta, mas já se esperavam ondas de blecaute de várias horas, ocorrendo pelo menos uma ou duas vezes por semana.

A antes visionária proposta de Érico em se desenvolver tecnologias alternativas não elétricas ganhou os círculos acadêmicos e científicos, e é claro, a mídia.

De volta a casa, Érico foi promovido a chefe de pesquisas do SOW latino americano, não apenas devido a sua competência mas entes de tudo, devido a sua persistência, e também a sua fama, o que o facilitava a angariar verbas e financiamentos além dos que já obtinha.

De apresentadora, Inês também assumiu direção e produção de seu novo programa, NOVA MANHÃ, totalmente dedicado ao SOW e ao Astro-Rei. Com um notável senso comercial e já confiante nas novas teorias de Érico, agora seu noivo, ela passou a investir também em mídias não eletrônicas, ou para ser mais exato, imprensa.

Mas as mais recentes projeções e previsões de Érico eram muito mais que preocupantes. Após seus últimos cálculos, formulou uma teoria que embora razoavelmente aceita pelos demais cientistas, era tão catastrófica que chegava a ser difícil de ser anunciada.

Passaram-se poucos meses, e Érico insistiu com Inês para que se casassem o quanto antes. Quando ela cedeu, e emitiu um porquê retórico mas desejoso de alguma resposta poética. Érico apenas respondeu.

- Quero ter uma nova vida ao seu lado, no novo mundo que virá.

Décima Parte - NOVA

 

Nas praias, o povo esperava o nascer do Sol do primeiro dia do ano. Mas dessa vez seria muito mais do que a culminância de uma noite de Reveillon. Esse era o despertar de uma Nova Era.

O Sol nasceu diferente, numa coloração mais clara. No horizonte, onde outrora nascia um gigante vermelho, agora surgia um gigante já amarelo. A meia altura onde antes o astro rei era de um intenso amarelo, agora era mais branco do que antes era no zênite, a agora no zênite, ao meio-dia, era uma estrela da mais pura e clara luz alva.

As noites agora pareciam mais estreladas. Bilhões de pessoas, esquecidas de como eram as estrelas por tanto tempo, agora redescobriam as constelações. A Lua voltara a ser a grande dama da noite, e além dela e das estrelas, só as tochas amareladas assomavam na escuridão das noites.

Não havia mais energia elétrica, de nenhum tipo, de nenhuma forma. Nem usinas hidrelétricas, nem geotérmicas, nem nucleares podiam abastecer o planeta. Nem pilhas, nem baterias, nem geradores movidos a motores a explosão. Tudo era inútil, nada funcionava.

Os pulsos eletromagnéticos eram tão constantes que não era possível produzir qualquer corrente elétrica aproveitável.

Após 200 anos de uso extensivo de eletricidade, a maior revolução tecnológica de todos os tempos, a humanidade se via obrigada a depender da tração animal, do esforço humano, do auxílio dos ventos.

Quem poderia imaginar, no século XX, que a grande reviravolta no mundo se daria não por uma guerra nuclear, ou pelo impacto de um meteoro ou mesmo que apenas ao passar próximo a Lua, desequilibrasse sua órbita? Nada disso, não fora a revolução das máquinas nem o Bug do Milênio, não forra uma nova doença ou uma nova guerra, fora só um mudança de comportamento do bom e velho Rei Sol.

Foram poucas as vezes que ainda se pode utilizar os meios elétricos com segurança. Agora, nada mais de telefones, rádio, Internet ou TV, o correio se dava novamente a cavalo ou bicicleta, ou pombos, e as notícias demoravam dias, semanas, para chegar.

Todo o parque industrial planetário parado, bilhões de toneladas de frutos da tecnologia humana inutilizados, todos os sonhos futuristas de desenvolvimento foram por água abaixo.

Foi inevitável o trauma. Inúmeras guerras, muitas delas milenaristas, varreram o planeta de ponta a ponta, a falta de comunicação em um planeta superpovoado era fatídica. Embora a humanidade tenha vivido milhares de anos sem o luxo da eletricidade, ela nunca tivera 6 milhões de habitantes, que só podiam ser sustentados graças aos recursos tecnológicos.

Sem meios, os recursos demoravam a chegar, a medicina estava trabalhando a um décimo de sua potência, o índice de mortalidade por efermidades mais do que quintuplicou. A falta de comunicação faliu as instituições, arruinou os governos, a anarquia se instaurou por toda a parte. Novas correntes religiosas surgiram. Milênios de previsões místicas e profetas ousado jamais chegaram sequer perto de insinuar algo desse tipo.

Mas não era o fim do mundo. Muitos cientistas já lideravam projetos de desenvolvimento de tecnologias alternativas, alguns eram promissores, técnicas consagradas por séculos mas superadas pele tecnologia doram recuperadas. A humanidade sobreviveria.

À noite, como sempre, era muito mais complicada. Podia-se ver pilhas de fogo por toda a parte, tentando com muito esforço, fazer o que a iluminação elétrica noturna fizera eficientemente por mais de 100 anos. A Lua Cheia era mais que adorada.

Foram muitos anos até que as coisas começassem a assumir uma rotina menos conturbada. Com o tempo novas instituições surgiram, as sociedades foram se reorganizando.

Um dia, numa noite estrelada, um jovem rapaz olhava para a cidade abaixo, de sua casa enconstada num morro. Ele ouvira falar de coisas que nunca vira funcionando, sabia que antigamente haviam os aviões, não aqueles leves planadores e asas delta, mas enormes aviões que ele só via agora em livros, ou aos pedaços em ferros velho. Sua mãe, a Senhora Inês, era boa contadora de histórias, reunindo a noite várias famílias em torno de fogueiras e lembrando de uma época onde a humanidade estava no apogeu do controle da natureza.

O rapaz só ouvia falar de televisores, videogames e computadores e perguntou então a seu pai quando chegaria a época em que eles poderiam ser usados.

Érico olhou para seu filho e deixou seu telescópio, que mirava a noite estrelada. Ele contou da época em que tudo era diferente e perguntava a si próprio se as coisas realmente eram melhores, ou se a vida agora parecia até mais atraente.

E ele lhe disse:

- Eu não sei meu filho. Sem nossos velhos equipamentos é difícil de calcular. Mas enquanto o Sol continuar instável e pulsando, esses pulsos vão inviabilizar nossa velha tecnologia.

- Um dia talvez ele volte a se aquietar e então posamos usar de novo o poder da eletricidade. Mas por enquanto...

- O Pulso, ainda pulsa.

 

Marcus Valerio XR
Março a Outubro de 2001

Volta à Lista de Contos