Conversando com o Diabo - Continuação

(Favor não confundir esta obra de Ficção com a realidade deste autor)

Esta segunda metade do diálogo consumiu maior trabalho de compilação, pois as informações estavam bem fragmentadas em diversos trechos separados, obrigando-me a reunir várias partes isoladas em basicamente 3 itens específicos e correlacionados, e que interessam a todos. O Juízo Final, a Vida pós-morte e a Reencarnação.

JUÍZO FINAL

- Afinal, haverá um Apocalipse, um grande evento destruidor no... "Final dos Tempos"?

- Já parou para refletir sobre o significado destas palavras?

- Apocalipse?

- Quer dizer...

- Revelação! Está bem... Me refiro a um Armaggedon.

- É apenas um substantivo relativo a um local.

- Local?

- O vale de Meggido. No oriente médio.

- Tá. E a palavra Juízo Final?

- Um juízo, quer dizer um julgamento, só poderia ser final se a história e a evolução acabassem. Pode até haver um Grande Juízo, mas nunca um Final.

- Final dos Tempos nem pensar?

- Não se faça de bobo, você conhece palavras melhores.

- Está bem. Me refiro a um grande e global evento traumático de transição mental planetária em que...

- Estamos estudando o assunto, mas eu sou contra.

- Contra?! Então você é contra um... grande cataclisma? E quanto as milhares de profecias?

- Imaginar um fim para todas as coisas é comum à mente humana, mas na realidade nunca é de fato um fim, apenas uma passagem. ELE tinha planos para zerar a evolução espiritual deste planeta, mas nós o impedimos. Até hoje Ele ainda estuda um meio que causar outro evento suficientemente drástico para permitir um recomeço, mas é evidentemente muito complicado. Quando se atinge um número muito grande de seres vivos conscientes sobre um planeta, qualquer alteração no plano espiritual se torna muito mais difícil, ocorre um tipo de inércia.

ELE sabe que não há mais como controlar diretamente os humanos devido ao seu nível intelectual atual, por isso ainda pensa em demolir-lhes a infra estrutura de modo que ainda possa restaurar parte de seu poder. Só que isso eu não pretendo deixar de modo algum, prefiro a raça humana assim como está.


- Então não teremos um grande cataclisma?

- Dependendo de mim definitivamente não! Mas Ele, e alguns de seus aliados, ainda estão tentando. Chegaram até mesmo, em mais de uma ocasião, iniciar influências que poderiam ter levado a uma Guerra Nuclear, mas eu e meus associados conseguimos frustrar suas intenções.

- Ao que me parece então o... "Diabo" tem levado a melhor em proteger a raça humana da destruição.

- Pode interpretar assim se quiser, mas eu apenas estou ajudando vocês a serem o que vocês são, embora seja óbvio que um ou outro cataclisma local ocasional possa mesmo ser útil.

- E você? Tem algum em mente?

- Na verdade sim, estou pensando seriamente em destruir Jerusalém.

- O QUÊ?!?!?!

- Falo sério. Seria muito útil, eliminaria de uma vez por todas com a base das disputas do Oriente Médio.

- Mas isso daria origem a uma... O Oriente Médio viraria um caos!

- Não se forem observadas duas condições. Primeiro que não haja vítimas fatais, ou haja o mínimo possível, por isso a destruição teria que ser anunciada com muita antecedência para permitir a evacuação do local.

- Duvido! Os fiéis não irão abandonar Jerusálem. Morreriam mas não sairiam!

- Pois esses mais fanáticos podem morrer a vontade que não farão falta. Seria útil dar um bom tempo para que se preparasse a evacuação e para que os cientistas registrem o máximo possível o patrimônio histórico e arqueológico, de modo a atenuar a perda.

Segundo, seria necessária a aniquilação absoluta do local, deixando um buraco de algumas centenas de metros de profundidade, de modo a que não ficasse nada que pudesse servir de objeto de disputa, e seria também muito importante inundar o local com radiação e substâncias tóxicas, inviabilizando por pelo menos uns séculos qualquer tentativa de reocupação mas sem permitir que o dano ecológico se espalhe, o que seria possível com uma cratera razoavelmente funda.


- ...Eu ... Mal posso acreditar...

Até que enfim! Já estava duvidando que você fosse mesmo o Diabo, mas agora acredito, pois essa idéia só poderia vir de uma mente verdadeiramente diabólica!

- Ha ha ha...

- Mas... Para quê isso?!

- Destruiria os fundamentos das 3 grandes religiões abraâmicas. Nenhuma delas prevê algo sequer parecido com esse acontecimento, que a cidade santa seja aniquilada mas o restante do mundo preservado.

- Preservado?! A repercussão seria devastadora!

- Mas permitiria, após um inevitável período de caos, que a humanidade fortalecesse sua posição secular, as religiões perderiam a força, todas as organizações terroristas perderiam sua causa, e Israel praticamente seria desmantelada.

- E ELE!? Permitiria isso!?

- Sinceramente duvido que tente impedir, mas alguns de seus associados talvez.

- Espere aí! Se você pretende mesmo fazer isso não deveria manter segredo?!

- Não é segredo! Quase todos no plano espiritual já ouviram falar deste projeto, e para ser sincero basta observar a trajetória histórica de Jerusalém e perceber que isso não seria muito inusitado, na verdade os eventos parecem induzir tal fato.

- E quem jogaria a bomba lá?! Nem mesmo as potências mundiais tem armas tão poderosas para fazer esse estrago!

- Ah... Isso eu não posso revelar, mas tenho uma ótima carta na manga. Basta esperar o momento certo, e se as condições realmente forem favoráreis, levaremos o projeto adiante.

- E você acaba de me dar uma informação que pode me deixar famoso. Se eu espalhar por aí uma profecia sobre isso, se, e quando acontecer, posso me dar bem!

- Tem certeza? Dependendo do grau de precisão de sua profecia você poderá ganhar uma estadia em alguma prisão federal respondendo intermináveis interrogatórios sobre sua possível ligação com os envolvidos no evento. A CIA, Israel e os países Islâmicos partirão para cima de qualquer um que possa estar envolvido. Ocorrerá uma paranóia total. Quer mesmo brincar com isso?

- Bem...

- Além do mais você não pensa que eu lhe contei meu plano em detalhes não? Talvez ocorra de modo tão diferente do que eu lhe disse que sua profecia seria tão precisa quanto as da Mãe Diná!

- Droga! Você está brincando comigo!

- He he he...

- Bem que dizem que o Diabo é o pai da mentira.

- ...Hummpfff... Está bem vamos mudar de assunto.

VIDA PÓS-MORTE

- O que acontece quando morremos? Isto é, quando nosso corpo físico deixa de funcionar.

- A existência acaba.

- Mas há um espírito que deixa o corpo?

- Mais ou menos. Na realidade os termos espírito e alma são apenas variações para designar algo muito mais sutil.

- Qual das religiões está mais próxima da verdade?

- As espiritualistas acertaram algumas das linhas gerais, mas no fundo, a realidade é bem diferente.

- Mas pode-se dizer que a vida pós-morte, a reencarnação, evolução e etc, seguem os princípios gerais das religiões espiritualistas?

- Depende do nível de simplificação que lhe interessar.

- Por exemplo, o que estaria mais próximo da verdade: as orientais ou as ocidentais?

- Difícil dizer, cada uma acertou e errou em pontos distintos.

- Você poderia dizer alguma coisa mais concreta?

- Se quiser informações simplificadas, fique com seus livros espiritualistas, não faz muita diferença e não creio que seja um assunto que mereça tanta atenção se for tratado nesse nível, mas se você quiser saber algo mais profundo, deve estar preparado para uma revisão total em suas crenças.

- Mas se os espiritualistas acertaram em alguns pontos...

- Que tipo de conhecimento sobre física quântica você acha que é possível transmitir a pessoas sem nenhuma formação científica? Apenas generalizações que acabam por levar a mal entendidos, mas nesse caso a situação é ainda pior, pois não há realmente nenhuma forma de se explicar com precisão o funcionamento do plano transcendente. Não há linguagem humana suficientemente desenvolvida para isso. Na verdade, nem mesmo os seres mais evoluídos compreendem totalmente esse funcionamento, eu também não compreendo, mas posso explicar para você uma interpretação menos contaminada por crenças antigas e supertições pré-histórias ou medievais, se estiver mesmo disposto a ouvir.

- O que o faz pensar que eu não estaria?

- Ao final de tudo, você mesmo irá entender porque talvez preferisse não saber de nada.

- Muito bem! Estou pronto.

- Você conhece o significado do termo "espírito"?

- Sim. Quer dizer algo como "sopro". Os antigos perceberam que quando alguém deixava de viver, parava de respirar, e acreditavam que esse... "Ar" que deixava de habitar o interior do corpo era um tipo de essência de vida.

- Muito bem, mas hoje se sabe que nada mais é do que um composto de gases necessários a manutenção do organismo. O termo "espírito" deriva de uma antiga superstição, e toda uma gama de crenças, conceitos e teorias foram desenvolvidas em cima de termos linguísticos criados por pessoas de uma época remota sem qualquer conhecimento organizado, e dessa forma, os erros iniciais se perpetuaram indefinidamente através das deficiências da linguagem humana.

Todas as crenças espiritualistas terrestres se baseiam em erros semelhantes, e dessa forma foram construídas sobre uma série de metáforas extremamente imprecisas que falam sobre algo que desconhecem completamente. A Intuição é louvável, mas é impossível traduzir os conceitos eficientemente. Disso decore que pensar em algo como alma, espírito ou mônada já é um ponto de partida falho, pois simplesmente nada há que de fato mereça ser chamado de "espírito".


- Não existe espírito?

- Numa interpretação mais profunda, não.

- Mas você tanto se referiu ao mundo espiritual!

- Eu tinha que usar sua linguagem. É como explicar conceitos complicados a crianças, não há como não simplificar.

- Mas então o que existe afinal?!

- Na realidade, nada! Você deixa de existir, sobra contudo um tipo de "eco".

- ...Eco?

- Sim, uma "ressonância", uma "vibração". Algo para o qual não há terminologia nas linguagens terrestres.

- Mas não equivaleria a espírito?

- Considerando que esse eco é algo inconsciente, sem vida e totalmente desprovido de qualquer coisa que você gostaria de chamar de essência... Não.

- Quer dizer que depois que eu morrer, tudo que sobra é uma...

- Uma onda! Tal como um som, ou uma imagem vagando. Como uma estrela que tenha deixado de existir há milhões de anos, restando apenas sua imagem, suas ondas eletromagnéticas ressoando pelo espaço.

- Isso não é nada animador. Então não há vida pós-morte.

- Literalmente não.

- Nem reencarnação, nem...

- Espere. Há algo que pode ser chamado de reencarnação, embora seja mais um termo errôneo aplicado para uma simplificação grosseira.

- Ah... Espere aí! Se não há espírito como pode haver algo como, "a entrada do espírito em um novo corpo"?! Pois se essa onda, esse eco, puder entrar num novo corpo e trazer algo de sua existência anterior, então não passa de mais um termo para representar o mesmo conceito.

- É por isso que é difícil explicar. Você automaticamente força as idéias dentro dos termos que dispõe. Mas tente não empregar conceitos espiritualistas arcaicos. Usemos analogias mais sofisticadas. Raciocine como se essa onda fosse de fato um eco eletromagnético sutil. E tente relaxar, ouça, contenha-se, e aos poucos, me parece, você poderá compreender a idéia básica.

- Está bem. Prometo não interromper.

O CÉREBRO E A MENTE

- Os humanos tem um cérebro muito desenvolvido, onde ocorrem bilhões de reações químicas e sinais elétricos. Aliás, é a estrutura mais complexa de todo o Universo Físico que vocês possam conhecer. Tudo nesse Universo físico está interligado entre si, mas há planos mais sutis do que os que vocês podem ver, por enquanto. Tudo o que existe ressoa, reverbera no mundo físico em vários níveis. Seu corpo deixa uma imagem que pode ser captada mesmo daqui a milhões de anos em pontos remotos do espaço, os sons se perpetuam pelos meios densos, mas há outros meios sutis que permitem perpetuações ainda mais duradouras.

Nada há de mais complexo que a atividade cerebral, e ela deixa marcas, impressões, em certas "camadas" do Universo físico, inclusive uma onde nada mais consegue deixar qualquer registro. Vamos chamar essa camada de "Dimensão Mental". Nessa dimensão, nessa camada, os sinais emitidos pelo cérebro permanecem ecoando por períodos relativamente extensos de tempo. Quanto mais o cérebro trabalha, mais marcas ele deixa, mas as marcas mais fortes são aquelas cujo pensamento é mais profundo, desvinculado de maior parte das ações motoras e implicações fisiológicas. Isso significa que nada mais nada menos, a atividade mental racional deixa um eco mais profundo do que reações emocionais baseadas no corpo, e permanecem mais tempo ecoando, pois usam porções da massa cerebral que tem propriedades maiores de ressoar.

Dessa forma, o cérebro é um transmissor, capaz de operar numa camada muito mais precisa do que os demais meios físicos conhecidos por vocês. Nessa dimensão mental nada mais pode penetrar a não ser o eco da atividade cerebral, pois esta é muito específica, complexa e reúne uma gama de processos físicos incomparáveis.

Quanto menos "físico" for o "pensamento", mais abstrato, intuitivo, de razão elevada, mais forte é a impressão na dimensão mental, e mais tempo ela ecoa, ao lado das bilhões de outras impressões dos outros seres conscientes. Entenda bem, há também a presença de sinais mentais mais simples, até de alguns animais, mas são menos duráveis e mais fracos. Os mais fortes, são os humanos, e quanto mais concentrada e desenvolvida for a mente, mais intenso é seu sinal.

Sendo o cérebro o único capaz de gerar esse sinal, é também o único capaz de captá-lo, mas tal como os radio transmissores, ele precisa estar sintonizado em frequências parecidas. Quando alguém morre, seu cérebro se dissolve, e sua existência cessa, mas seu sinal mental permanece vagando, com uma série de frequências específicas. Cedo ou tarde, em algum lugar, um outro cérebro, por motivos puramente casuais, irá operar em frequências mais ou menos similares, e então ele começa a captar os sinais mentais que lhe forem compatíveis, e isso influencia sua existência.

Dependendo do grau de similaridade dos cérebros, e de seus modos de operação, essa influência pode ir desde simples afinidades superficiais até uma recuperação total do conteúdo mental. E não apenas dos sinais mentais de pessoas que já faleceram, mas também de outras pessoas vivas, você realmente poderia transmitir seu sinal mental para um outro cérebro, se sua mente estivesse devidamente treinada a esse nível.

Em maior ou menor grau, praticamente todos os sinais mentais são captados por praticamente todos os cérebros, porém a confusão é gerada não só pela multiplicidade de sinais, mas pela imprevisibilidade da formação dos cérebros. Se algum cérebro em algum lugar do mundo fosse suficientemente parecido com o seu, poderia até mesmo, neste exato momento, estar "ouvindo" esse diálogo, embora seja mais provável que ele esteja tendo idéias semelhantes, ou mesmo que esteja escrevendo sobre isso, com uma grau de semelhança imprevisível. Se não há cérebro com tal similitude agora, poderá haver amanhã, ou daqui a anos, ou séculos, porém, quanto maior for o seu tempo de vida e seu tempo de atividade cerebral elevada, mais forte é o seu sinal, e mais chance ele tem de ser captado.

Como eu disse antes, se daqui a milhares de anos surgir alguém que puder reproduzir seus processos mentais com suficiente precisão, muito do que seu cérebro produz aqui e agora pode ser recuperado, se o nível se similitude fosse tal que houvesse um duplicação de seus padrões de onda mentais, é possível que até mesmo suas memórias e suas impressões sensoriais voltem com exatidão. A isso podemos considerar como sendo algo similar a reencarnação. Mas perceba, não é você exatamente, e um outro Ser, uma outra mente, que capta, herda seus padrões, e então pode passar a viver como se fosse uma extensão sua. Mas não será você, ou se for, nenhum de nós tem como saber.

Vejo que você tem muito a perguntar.


- ... É. Ainda bem que vê. E nem sei por onde começar.

- Antes entenda que essa explicação ainda é uma simplificação da realidade, que é muito mais complexa e que nem mesmo eu a compreendo totalmente, talvez nem mesmo Ele! O Universo apenas é! Tem sido assim desde que me lembro. Entenda também que essa analogia só é atualmente possível porque a humanidade desenvolveu tecnologias que permitem a compreensão de conceitos como ondas eletromagnéticas. Seria muitíssimo mais difícil explicar esse mesmo conceito para um filósofo medieval por exemplo, a distância da realidade seria ainda maior pois as analogias seriam ainda mais forçadas. No futuro, surgirão na Terra novas idéias, novas descobertas e terminologias que permitirão analogias ainda mais refinadas, agora portanto não me parece possível uma explicação mais precisa do que essa.

- ELE!!! Você disse Deus! E você?! O que são vocês?! Não são também ecos mentais?

- Sim. Somos!

- Mas então... Vocês já tiveram, ou têm corpos físicos!

- Sem dúvida em algum momento do passado, as ondas que hoje constituem aquilo que poderíamos chamar de "nossas essências espirituais" foram enviadas por cérebros físicos. Mas sinceramente eu não sou capaz de rastrear minha própria origem.

- Mas você ainda tem corpo físico?!

- Não nesse exato momento. Mas eu posso providenciar alguns ocasionalmente.

- Mas se você disse que esse eco vagando não é na verdade a... Mente original, mas apenas um reflexo. Quer dizer então que você é só um reflexo? Não é você? Quero dizer...

- Suponha que algum milagre nesse exato momento produza uma cópia sua. Absolutamente perfeita e idêntica ao original. Esse outro você terá todas as suas memórias e saberá tudo o que você sabe, e estará livre e completamente autônomo, sendo capaz de agir por conta própria da mesma forma que você agiria.

Só que daí em diante vocês teriam vidas diferentes, seguiriam caminhos diferentes e com experiências diferentes gradualmente iriam se diferenciando. Me responda então: Aquele outro você continua sendo você?


- Não... Acho que não.

- Para ficar mais simples. Você abriria mão de sua existência mais facilmente porque há um outro você no mundo?

- De jeito nenhum.

- Então intuitivamente você já entendeu que aquele é um outro ser. Não é mais você. Agora, imagine esses dois você separados por um intervalo de tempo indefinido, que pode ser de até milhões de anos. Como você pode saber que esse você no futuro, terá de algum modo... A sua essência?

Ele mesmo não saberia. Teria todas as suas memórias e poderia estar plenamente convencido de que é a continuação do você que existe hoje, mas você, aqui e agora, teria a mesma certeza?!


- Quer dizer que eu poderia então desaparecer totalmente enquanto um outro eu pensa que o eu do passado continua existindo?

- Quero dizer que o você do presente não tem como saber se continuará a existir num você do futuro. Pense na sua cópia do presente, se uma não se deixa extinguir passivamente é porque sabe de alguma forma que deixará de existir apesar de sua cópia continuar viva. O você do futuro é ainda mais distante por estar num tempo diferente, que não permitiria sequer uma comunicação telepática que tornaria possível uma consciência bipartida. São seres distintos, podem compartilhar a mesma memória e até acreditar estarem um existindo através do outro, mas lembre-se que mesmo uma cópia você do presente poderia muito bem pensar que é o você original.

- Mas isso apenas sugere que não há como saber se continuaremos a existir ou não!

- Sim. Não há como ter certeza. Mas levando em conta dois seres separados pelo tempo e por existências diferentes, me incita a apostar que a existência original se extingue.

- Isso realmente não é muito animador. Quer dizer que apesar de haver coisas que funcionam como reencarnação, na realidade nosso destino mais provável é a extinção?

- Exatamente. Eu lhe disse que você poderia não gostar. É muito diferente do que suas religiões pregam. Se você esperava mais uma dose de frases bonitas e repletas de esperança numa singela vida espiritual, que você reencontraria seus entes queridos falecidos e que os males do mundo seriam compensados por uma justiça divina, então escolheu falar com a entidade errada.

- É... Afinal estou conversando com o Diabo... Não?

- Esta conversando com alguém que não está aqui para dizer o que as pessoas querem ouvir, o que lhes dá conforto. Digo o que sei sem me preocupar com nada disso.

- Mesmo assim... É tão...

- Você está mais abalado do que eu esperava.

- ... De qualquer modo... Não há certeza. Você disse que não há certeza.

- Sim. Não há certeza. Isso para você significa que ainda lhe resta esperança de vida eterna. Sim. Não há como lhe negar essa esperança, mesmo porque é impossível reprová-la.

- Então o grande mistério. O maior misterio de todos, que é o da existência, é também misterioso para vocês?

- Sim. É verdade. Mesmo o Ser Supremo do Universo, se é que há algum... Não teria como ter certeza da resposta para esse Grande Mistério, pois na realidade há uma contradição implícita.

- Contradição?

- Sim. A questão é a se própria Existência irá se perpetuar infinitamente, e apenas a mente individual poderia ter essa certeza. Porém, tal certeza só viria se a mente experimentasse uma extinção temporária e tivesse consciência disso.

Acontece que uma extinção é a ausência completa de qualquer experiência, é impossível ter memória da extinção em si. Tudo é existência. Se você fosse extinto e depois passasse a existir de novo, o máximo que poderia ter seriam recordações das experiências que lhe levam e crer que esteve extinto. Não faz o menor sentido uma recordação da não existência em si. Você poderia se lembrar do eventos que lhe ocorreram logo antes de seu novo período de existência, que levariam você a crer que morreu naquela situação. Depois, se lembraria do primeiros eventos desta nova existência e então iria deduzir que de algum modo você voltou a existir.

Mas você não pode saber que não existiu, apenas irá, com os dados que tiver, deduzir isso, e estimar talvez um período de tempo em que esteve realmente "morto", pois bilhões de anos ou um segundo não fazem diferença para a não existência, sua recordação seria a mesma. E mesmo um hipnólogo poderia lhe sugestionar, ou mesmo uma droga, ou uma série de eventos traumáticos, poderiam lhe fazer crer firmemente que morreu e ressuscitou mesmo que nada parecido tivesse ocorrido.

Mas então vem a grande pergunta. Como você, que crê ter voltado a existir, pode ter certeza de que é realmente aquele mesmo Ser que antes havia? Como já dissemos uma cópia sua poderia ter a total convicção de que é você, realmente acreditar nisso. Mas volto à questão, se você tivesse certeza de que essa cópia é mesmo você, então saberia que você poderia ser morto e sua existência permaneceria. Mas...


Ocorreu então de ele usar novamente seus recursos ilusórios. Ele assumiu uma aparência idêntica à minha, era como me ver por fora, e falou com uma expressão bem mais séria e desafiadora.

- Suponha que eu seja uma cópia sua. Que tenho todas as suas memórias e que até há pouco acreditava que era você. Somos totalmente iguais em tudo, a não ser por essa breve experiência em que existimos separados. E então...

Olhe para mim, e suponha que uma situação exigisse que um de nós morresse. Você... Teria certeza de que se desse agora um tiro na cabeça, ainda assim existiria através de mim, de que eu sou, ou serei, você?


Fiquei a fitar seus olhos e é difícil dizer o que senti. Por um lado percebi que a experiência poderia desencadear sensações inéditas e talvez fosse até possível que eu arriscasse de fato a crer que poderia morrer sem problemas, que continuaria a existir em minha cópia. Mas também senti a sensação estranha e indescritível de que um vazio poderia estar me esperando, e cheguei a conclusão:

- Você tem razão. Não há como ter certeza. É impossível. Não faz sentido. Mesmo que você... Quero dizer, a minha cópia, acreditasse ser eu realmente, eu, pessoalmente, não sei. Porém... Será que faz mesmo diferença? Será que realmente importa? Se não há certeza, posso acreditar livremente e ninguém jamais me provará o contrário! Além disso, tudo pode continuar a funcionar como se realmente existisse a vida eterna. Não há nenhum problema.

- Sim. Você tem razão. É por isso que não me preocupo em usar os termos na linguagem espiritualista, pois apesar de ela, em essência, ser falsa, continua sendo válida para a explicação. Tudo acaba se encaixando num extensa alegoria que é atualmente adequada a vocês.

- Mas... Se você não tem corpo... E se a onda mental não é realmente uma essência espiritual, é como se você, e Ele, não passassem de ilusões. Idéias nas nossas cabeças, captadas pelos nossos cérebros e talvez de um modo, se comunicando telepaticamente, inconscientemente é claro. Vocês não teriam existência real!

- É verdade. Você tem razão. Porém somos idéias tão fortes que penetramos profundamente nas mentes de bilhões de pessoas ao mesmo tempo, reforçando e amplificando nosso sinal cada vez mais. Se de repente todos os cérebros deixassem de existir, nós teríamos nossa existência suspensa até que novos cérebros surgissem.

Nossos sinais mentais são fortes demais para serem ignorados, e muitos de nós até acreditam que a partir de um certo nível de intensidade das ondas mentais, começa a surgir uma real existência independente. Mesmo que não haja, nosso sinais são suficientemente intensos para estar em cada ser humano na Terra, se misturando a seus próprios sinais mentais e absorvendo-os, conduzindo-os e manipulando-os. Nós podemos controlar praticamente qualquer cérebro individual, manipular suas percepções como eu faço com a sua. Podemos até mesmo controlar os cérebros dos animais, até mesmo das criaturas mais primitivas.


- Sim... E então é verdade que muitos dos fenômenos tidos como milagrosos ou sobrenaturais possam ser reais! Não?

- Depende do que você considera realidade. Se houvesse uma ilusão em que todos acreditassem e vivessem em função dela, durante milhares de anos, e todos os eventos que ocorressem estivessem de acordo com essa ilusão, então, que diferença faria?

- Sim! Mas isso explicaria o poder de Deus sobre os animais, ou sobre a percepção, mas... E que como você mesmo disse Ele não tinha poder sobre o Dilúvio, apenas disse que era obra Dele, mas ...Como vocês poderiam manipular um asteróide e enviá-lo para a Terra?

- Primeiramente, mesmo que tudo não passasse de uma imensa ilusão, como eu disse, não faria muita diferença, mas nesse caso entenda que Nós não temos poder apenas sobre os seres conscientes de seu planeta. Nós também podemos controlar seres de outros mundos, ou podemos pedir a seres semelhantes a nós que o façam. Eu poderia simplesmente requisitar a alguma entidade conhecida minha que enviasse agentes que fizessem isso por mim, talvez mesmo com naves capazes de manipular os asteróides e que seriam totalmente imperceptíveis a vocês.

Mas além disso, e já entrei numa área da qual não posso mesmo revelar muitas informações, eu disse que o cérebro humano é o mais complexo que vocês conhecem, mas não são os mais complexos que existem, e nem os únicos. Assim como há outros tipos de complexidade não cerebrais que também produzem consciência, e que podem estar onde vocês nem imaginam. Uma nuvem de gás pode ser consciente dependendo do arranjo molecular que possuir. Mas sobre isso, nada mais posso lhe dizer.


- Não pode ou não quer? E não pode em que sentido?

- Não quero e não posso, em mais de um sentido. E nosso tempo está se acabando, esse diálogo está chegando ao fim. O que mais quer perguntar?

DESPEDIDA

- Nem sei. Esse assunto me deixou tão desorientado que não consigo mais imaginar um outro. Bem, deixe-me ver minhas anotações.

Comecei então a vasculhar tudo o que já havia digitado, enquanto dizia uma ou outra palavra.

- Espere... Espere aí... Não. Isso ainda está muito esquisito. Veja, em inúmeros trechos de nossa conversa você falou sobre entidades e planos espirituais, em grupos que se relacionam num mundo espiritual. Você usou os termos como "receber essências para encarnação", "presença energética no plano espiritual", em "ter contato com espíritos", "aniquilar anjos", que só podem ser espíritos... Bem. Isso não parece fazer muito sentido sob essa essa... Teoria de Dimensão Mental!

- ... Não posso deixar de admirar a paixão com que você se apega a suas esperanças.

Basta você reinterpretar tudo. O que chamo de mundo, plano, esfera espiritual, é na realidade um modo de explicarmos a própria dimensão mental. Quando falo em dimensões paralelas nesse plano, são grupos de frequências onde certas ondas correm. Aniquilar um espírito pode ser entendido como introduzir uma contra frequência que interfere tão drasticamente numa onda que esta fica... Digamos "fora do ar" por períodos indefinidos.

Quando os homo sapiens começaram a surgir, nós adaptamos seus cérebros para serem capazes de receber certas frequências, assim como intensificamos algumas delas para se tornarem receptíveis. Até mesmo modulamos frequências em especial para remetê-las diretamente a certos cérebros específicos. A isso você pode dar o nome de preparar uma "essência espiritual para encarnação".

Não se faça de bobo. Você é inteligente. Basta pensar um pouco e verá que tudo pode ser reinterpretado para essa nova linguagem.


- Como podem manipular cérebros fisicamente?!

- Que tal dar uma maozinha na Seleção Natural? Podemos perceber quais cérebros de uma espécie são mais ou menos desenvolvidos, e então ajudamos os mais desenvolvidos a sobreviverem e se reproduzir. E nem vou falar sobre seres mais inteligentes que ainda estavam a nosso dispor naquela época. Alguns com tecnologia mais avançada do que a que vocês tem hoje.

- Sei... É. Talvez você tenha razão. Mas é que dessa forma, o espiritualismo fica tão... Reduzido a nada! Uma sombra.

- Eu lhe disse que o Universo é mecânico. Automático e desprovido de qualquer conteúdo ético em sua essência. Somos nós, os seres que de um modo ou de outro adquirimos consciência que tentamos dar sentido a existência. Que tentamos ordenar o Unvierso.

- Mas então o que é isso tudo?! Para que serve este Universo?!

- ...Hum... Eu não sei. ELE não sabe. E nem mesmo as grandes hierarquias superiores sabem. Apesar de dizerem o contrário, isso eu tenho certeza. É um mistério. Um total mistério. E nesse sentido todos nós somos muito parecidos. Eu, você, ELE, qualquer pessoa na Terra, no Universo.

Somos todos passageiros de um imenso barco cósmico vindo de ninguém sabe onde, indo para ninguém sabe dizer. Somos parte de uma imensa dança existencial cujo sentido último e primordial escapa às mais poderosas mentes da galáxia. Não há um Ser Supremo com um plano absoluto a controlar tudo, há uma tentativa de mentes ultra avançadas em tentar desvendar e dar sentido à toda essa ciranda cósmica.

Claro... Há coisas evidentes no processo. A evolução é uma delas. Todas estas mentes brilhantes, esses deuses, são o resultando do acúmulo qualitativo de tantas ondas mentais que terminam por produzir não simples frequências de ondas, mas aglomeradores que orientam todas as demais, canais que dirigem e conduzem bilhões de outras frequências, e com isso chegam a talvez, quem sabe, possuir de fato uma existência contínua e verdadeiramente transcendente. Portanto se você queria ouvir algo para incentivar sua conduta de se aperfeiçoar, se engrandecer como Ser Humano, evoluir, isso sim você pode ter certeza de que merece investimento, pois de um modo ou de outro esse esforço é sempre válido.

Eu não vim aqui para garantir sua felicidade, para lhe dar uma revelação ou pregar uma nova doutrina, só disse o que sei e o que penso. Se isso o faz feliz ótimo, se não, pior para você.

Agora devo ir. Vejo que você terá um belo trabalho para organizar todas essas anotações e muito do que eu disse poderá até ser perdido ou alterado. Não me importo. Você é apenas mais um dentre os quais eu decidi dar um pouco de atenção por considerá-lo esforçado e bem intencionado. Mas é só.

Você não terá prova nenhuma deste diálogo, e na verdade nunca sequer terá certeza de que tudo o que conversamos foi mesmo fruto de minha presença espiritual legítima ou apenas de sua fértil imaginação de escritor. Mesmo porque no fundo, e para efeito prático, não faz muita diferença. Não nesse atual período da história. Terá apenas o seu discernimento.

Foi uma boa conversa, devo dizer.

Talvez um dia conversemos de novo.

Adeus.


E fiquei um tempo parado, "vendo" aquela imagem se desvanecer. O dia já amanhecia e finalmente me dei conta de que estava há 17 horas naquela conversa. Assim que ele sumiu inúmeras novas perguntas surgiram novamente em minha cabeça, e eu seria capaz, tenho certeza, de repetir tudo de novo. Mas nem tentei chamá-lo ou coisa parecida.

Terminei de salvar os arquivos que havia digitado para posteriormente organizá-los, e então fui vencido pelo sono.

O verdadeiro motivo deste diálogo jamais soube, e como ele disse, eu nunca pude provar sequer para mim mesmo que tudo o que ocorrera fora real ou apenas fantasia, mas como ele mesmo disse, talvez não faça tanta diferença.

Não para quem não tem certeza sequer de que está mesmo vivo há vários anos, ou se é uma cópia recém criada a partir de um original extinto.

Não para quem faça parte deste Imenso e Insondável Universo...

FIM

Marcus Valerio XR

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