A Moeda Mística

Marcus Valerio XR

Parte III

Sentados no chão e encostados num muro, ocultos atrás de uma árvore, os dois amigos confabulavam.

– E agora? – Perguntou Duílio com um ar de desânimo.

– Não sei. Você atirou no cara, a empregada é testemunha. E jogou um policial pela janela. Legal.

– Eles eram traficantes! – Reagiu Duílio.

– É. Máfia de policiais. A gente tá ferrado. – Hélvio levantou e ficou dando voltas em torno da árvore. Então, após uma mudança de expressão foi a Duílio com um "sorriso sério" no rosto. – Já que começamos, vamos até o fim! – Disse retirando o frasco de líquido incolor do bolso.

– Você pegou?! Ei! Isso pode ser... Uma prova, acho que nós podemos... – Duílio parou e pôs a mão na cabeça mudando de expressão. – ...Ela. Ela está aqui perto.

– Quem? – Estranhou Hélvio. – Kalmir... Quer dizer. Camila. – Respondeu Duílio descendo a rua e sendo seguido por seu companheiro logo atrás.

Num carro preto parado no semáforo, a motorista alisava os cabelos deixando clara uma sensação de quase desespero. Quando um vulto chegou a sua janela, misturou o susto com a indignação em relação a pedintes de rua, mas logo se recobrou. Era Duílio.

– Ai meu deus! Duílio!! Que susto! – Ela respirou. – Vocês estão muito encrencados!!! – Gritou. O semáforo já estava prestes a abrir e ela ordenou. – Entrem no carro agora!

Rodando pela cidade, depois de tentar explicar o ocorrido omitindo as partes menos críveis, Duílio ouviu o sermão de sua prima, que não era de fato nem um pouco animador. Ambos foram vistos entrando e saindo do prédio, o corpo do policial estatelado no chão atraiu uma multidão e a polícia já tinha toda a ficha dos suspeitos. Eles estavam sendo extensivamente procurados.

Dividida entre prestar atenção no trânsito e discutir com seu primo, Camila quase provoca um acidente, por insistência dele, ela encostou o carro. – É como é que vocês esperam provar essa história fugindo?!

Hélvio capitulou e puxou o frasco. – Temos isto aqui.

– Ι a tal droga?! – Surpreendeu–se Camila. Os rapazes confirmaram e Duílio divagou. – E agora? Não podemos entregá-la a polícia.

– Claro que não! – Confirmou Hélvio, e continuou. – Matamos um policial e pomos em risco uma quadrilha que tem representantes na polícia.

Camila pegou o frasco e observou, se atreveu a abri-lo devagar e cheirá-lo cautelosamente. Fechou rapidamente. De repente encarou os rapazes. – Vamos levar pro laboratório!

– O que foi?! – Perguntou Duílio após notar a mudança de comportamento da moça. Ela pensou um pouco e respondeu.

– Meu marido é enfermeiro chefe no Hospital Geral. Há alguns meses tem ocorrido uma ocorrência anormal de pessoas em estado de... Coma. A incidência e o histórico desses pacientes levaram alguns médicos a pensar em consumo de algum tipo de medicamento. Droga. Mas os exames não conseguem detectar nada conclusivo. Pela história de vocês, os sintomas que o Felipe descreveu são muito similares e isso, essa droga, poderia muito bem... Repito! Poderia! Poderia ser a causa.

Os rapazes estavam surpresos. – Eu acho que até tinha ouvido algo a respeito. – Comentou Hélvio. – Será quê? Já está se espalhando?!

Duílio encostou no banco tentando pensar, tentando se lembrar de algo. E disse para si mesmo. – Será...

Quando haviam chegado ao laboratório da universidade onde trabalhava Camila, que conhecia um dos assistentes, ela pedira um exame imediato e em seguida ligara para seu marido. Os rapazes ficaram na sala dela com instruções de não sair. Hélvio estranhava o mutismo de Duílio. Eles já esperavam hα horas.

– Mas afinal o que foi? – Perguntou impaciente.

– Tem alguma coisa muito estranha. – Respondeu Duílio após uma longa respiração. – Nossos poderes ultrapassaram o limite entre nossos mundos! Têm certeza que isso deveria acontecer?

– Estranho. Ainda não pensei nisso. Foi tudo tão... Natural. Quase como se... Fosse algo totalmente comum.

– Na Terra Média era comum. Apesar de recentemente eu não estar mais usando meus poderes. Mas acho que nos acostumamos tanto que... Fizemos como se fosse algo perfeitamente natural. – Duílio parecia imerso em centenas de suposições.

– Tem uma teoria... – Continuou Hélvio. – Que diz que o que nos impede de exteriorizar nossa paranormalidade é simplesmente nossa dúvida. Se tivéssemos certeza total, plena convicção mesmo inconsciente, de que podemos fazer algo extraordinário, isso se tornaria possível. Pode ter sido isso, não tínhamos dúvidas quando agimos, e a maioria das pessoas têm. Por isso os poderes latentes humanos não funcionam.

– Mas ter essa certeza é praticamente impossível! Não conseguimos eliminar todas as dúvidas, nem mesmo as conscientes quanto mais as inconscientes.

– Ou isso ou... – Hélvio olhou para Duílio. – Jesus Cristo estava certo ao dizer que se você tiver Fé, nenhuma dúvida, pode mover montanhas.

– ... É – Suspirou Duílio. – Mas não é só isso. Tem outra coisa que...

A porta foi aberta e antes que eles pudessem se mover Camila irrompeu acompanhada de seu marido Celso e um outro homem, que estavam visivelmente eufóricos. – Olá! Bem, é... Vamos direto ao assunto? – Se aproximou o homem mais velho. – Eu sou o Dr. Nazareno, muito prazer. – Disse cumprimentando os rapazes.

– Estou há vários dias tentando achar a causa da estranha... "Epidemia" que tem ocorrido recentemente. E pelo jeito acho que encontrei. – Ele fez uma pausa dramática. – Onde vocês conseguiram aquela substância?

Duílio e Dumpal se entreolharam e fitaram Camila e ela logo se prontificou. – Oh... Desculpe. O exame. Tudo indica que é mesmo aquela droga que têm causado a... – Faltaram-lhe as palavras mas seu marido a ajudou – Os inexplicáveis estados de coma recentes.

Eles explicaram que nas últimas semanas foram dadas nos hospitais da cidade mais de 20 entradas de pacientes em certos tipos de estados de coma e catatonismo inexplicáveis. Alguns eram envolvidos com narcotráfico, inclusive alguns policiais, mas nada nos exames indicava qualquer droga conhecida, a não ser algumas substâncias estranhas mas cujo relevância não pudera ser confirmada. Todas elas foram confirmadas na substância que Felipe chamou de Virtuol ou Virtuína.

Após um tempo os rapazes explicaram tudo o que podiam sobre a tal droga mas omitiram as circunstâncias com a evidente complacência de Camila. Duílio também se lembrou. – Entrem em contato com o Dr. Jonas, que era responsável por mim e veja se confirma a presença desta droga nos nossos exames.

O resultado não decepcionou, por telefone o Dr. Nazareno se comunicou com o médico responsável pelo caso de Duílio, que antes já conversara com o responsável por Hélvio. Confirmaram a presença dos mesmos resíduos inconclusivos nos testes sanguíneos logo no início do coma. O enigma estava sendo solucionado e o Dr. Nazareno anunciou.

– Graças a Deus parece que estamos no caminho da resposta, agora creio ser mais fácil achar um jeito de tirar esses pacientes do coma.

Duílio teve um estalo. Quase um baque. Pôs as mãos na cabeça e se concentrou. Hélvio fitava-o ainda mais intrigado que os outros.

– Não é possível! Não pode ser coincidência! - Exclamou Duílio. – O Quê?! – Perguntou Hélvio, mas Duílio se virou de imediato para o médico. – Onde estão esses pacientes?!

No caminho para o hospital, Camila tentava esquecer que os rapazes estavam sendo procurados pela polícia, e torcia para o médico e o marido não saberem antes do tempo. Camila não tinha idéia do que Duílio pretendia fazer lá mas por algum motivo confiava nele. Enquanto isso Duílio e Hélvio tinham uma necessidade terrível de se comunicar mas não queriam falar sobre o assunto abertamente, ainda tiveram o infeliz descuido de ao se sentar no banco de trαs, deixarem o médico entre eles.

De repente Duílio olhou para Hélvio como se este o tivesse chamado. Com um breve olhar Hélvio lhe orientou a olhar pra frente e baixar os olhos e se concentrar. Então, aconteceu.

– "Dumpal! Dumpal está me ouvindo?" – Duílio ainda tentou olhar para o amigo . – "Não olhe para mim! Estou lhe falando telepaticamente."

Duílio deixou a última migalha de incredulidade de lado, e então a telepatia fluiu livremente.

– "Afinal o que o perturba Dumpal?"

– "Hélvio.... – Duílio sentiu o poder falhar, mas logo compreendeu por que. – "Herios. Não acredito que possa ser coincidência."

– "O quê?!"

– "Narzamidra! Antes de eu usar a moeda para voltar, ele me disse que eu só poderia curar os habitantes de Bomandis se antes curasse os que sofriam da mesma doença aqui."

– "O Sono Eterno?"

– "Sim! Os habitantes de Bomandis sofrem do Sono Interminável. É o equivalente ao nosso estado de Coma! Veja bem... Tudo parece estar relacionado, de algum modo minha vinda aqui parece tão fantástica quanto qualquer coisa na Terra Média, é quase como outra missão. As vezes chego a pensar, se no fundo, ainda não estou sonhando."

Hélvio manteve um silêncio mental por alguns instantes. – "Há uma coisa que não lhe contei. Tive há algum tempo uma intuição. As vezes mesmo estando aqui, entro mentalmente na Terra Média por alguns segundos. Acho que quando matamos o Felipe, ele foi pra lá, com o personagem dele, e tem alguma coisa muito estranha acontecendo. Nós temos que voltar Dumpal!"

– "Eu sei! Mas preciso fazer isso antes e..."

– "E o quê?!"

– "Não sei. Tem alguma outra coisa."

– "Pense bem. Como é que você pretende tirar essas pessoas do coma? Acha que seus poderes da Terra Média vão servir para isso?"

– "Não sei. Mas tenho que tentar."

Chegando ao hospital o próprio Dr. Nazareno parecia captar a idéia de Duílio. Talvez ele pudesse ajudar, afinal era um dos que saíram daquele coma singular. Numa sala grande e arejada, chegaram a um dos pacientes que apesar de recém chegado tinha um estado mais preocupante. Era um rapaz de 21 anos, artista e de vida um pouco desregrada. O médico explicou.

– Todos os pacientes têm apresentado sintomas incomuns ao coma, assumindo regularmente um estado catatônico e se aproximando por vezes do um estado de esquizofrenia. Alguns já tem apresentado sonambulismo, como você.

Duílio olhou para o rapaz que, pelo menos dormindo, parecia simpático. E por um instante teve um autêntico sentimento de solidariedade e piedade. Podia sentir de algum modo, que ele não estava num mundo agradável, algo que os usuários de alucinógenos costumam chamar de "má viagem". Duílio sabia o quanto podia ser torturante.

– Por vezes. – Continuou o Dr. Nazareno. – Eles tem movimentos, e na maior parte do tempo ficam com alguns músculos retraídos, tendo ocasionais movimentos espasmódicos. Nem sei por que chamamos isso de coma. É algo totalmente inédito.

Duílio pensou consigo. "O que posso fazer? Mesmo na Terra Média eu não era curandeiro." Ainda assim levou as mãos sobre o rapaz, como se estivesse prestes a fazer uma sessão de cura energética típica de algumas crenças espiritualistas. O médico, assim como Camila, seu marido, e a enfermeira local não pareciam céticos, e Duílio pensou, "Se eu não tiver dúvidas..."

Ele sentiu suas mãos vibrarem, como fogo, e por um momento acreditou de fato, porém, nada aconteceu.

Decepcionado baixou as mãos olhando para o rapaz que parecia sofrer alguma coisa, num terrível pesadelo. Ele olhou para as mãos trêmulas e fechadas do jovem. O médico comentou. – É muito comum eles retraírem as mãos.

O rapaz parecia prestes a dar um soco em alguém, suas mãos foram amarradas. Hélvio olhou fixamente para a cena, e teve uma idéia.

– Espera aí! – Mexeu nos bolsos procurando algo e retirou uma moeda de 1 Real, do mesmo tipo da que usara para se mover entre os mundos.

– Dá licença. – E abriu com dificuldade a mão do rapaz depositando a moeda dentro.

– Mas o quê... – Interrompeu o médico. Mas Duílio o apoiou gestualmente embora com um olhar de dúvida para o colega, que disse. – É um palpite.

As convulsões do rapaz aumentaram inexplicavelmente. Ele começou a tremer e se debater com violência. Celso chamou mais enfermeiros e o médico tentou tirar a moeda do rapaz mas sem sucesso. De repente.

– AAAHHHH!!!!!

Todos se assustaram mas foi um grito mais de alívio do que de dor. O jovem acordou subitamente soltando a moeda no chão, com o olhar confuso e assustado, mas logo se acalmou, e após baixar a respiração falou em tom débil. – Que viagem... Horrível... Droga! ...E aí? ...Onde é que eu tô?

O Dr. Nazareno estava boquiaberto, olhou para Hélvio com um sorriso pasmo. – Mas? Como é que?

Hélvio pegou a moeda e mostrou ao médico. – "Mágica! Uma Moeda Mística!"

Diante do olhar espantado ate mesmo de Duílio. Ele tentou se corrigir. – Ora! Sei lá! Talvez a frieza do metal, ou a sensação de segurar algo do mundo real ou... Não sei! Mas deu certo não?

 

Se foi ou não mágica era incerto. Mas o Dr. Nazareno usou o mesmo método em outros 3 pacientes, todos acordaram.

 

Mais tarde eles desciam pela escadaria que dava para o corredor principal, Duílio estava com um sentimento de alívio, como de missão cumprida ainda que não tivesse sido exatamente ele que houvesse curado "os enfermos daquela doença-feitiço de seu mundo". Só agora pensava com mais calma não apenas na Terra Média mas também no mundo real, em seus pais.

Ao chegarem ao saguão deram de frente com os seguranças do hospital, e vários agentes da Polícia Civil.

Eles ouviram a ordem de prisão como algo tão irreal quanto qualquer cena de filme. Por segundos sabiam que teriam defesa jurídica, haviam descoberto e exposto um novo, revolucionário e extremamente perigoso tipo de droga, eles próprios haviam sido vítimas daquela droga, poderiam provar cedo ou tarde o envolvimento da polícia, os advogados poderiam alegar legítima defesa ou até insanidade. Em suma, tinham muitas chances.

Mas havia um problema, não podiam ser presos em flagrante, mais 12 horas e poderiam responder o processo em liberdade, não podiam ser pegos agora. E além do mais Duílio olhou nos olhos de um dos policiais e não teve dúvidas, ele não planejava deixá-lo viver até o dia seguinte, os tentáculos da máfia da qual Felipe participava já se articulavam.

Duílio tambιm não teve dúvidas. Apenas ergueu a mão.

Uma rajada de vento violenta percorreu o corredor derrubando todos no chão, sorte não haver nenhum doente na linha do deslocamento de ar. Hélvio não ficou atrás, num comando mental derrubou os bebedouros em cima dos policiais e logo os dois se puseram a correr rumo a saída dos fundos.

– Duílio!!! – Gritou Camila que fora a única a se recuperar do susto causado pelos eventos sobrenaturais. – Não faça isso!!!

Eles não podiam esperar, mesmo assim Duílio olhou para trás. – Sinto muito prima!!!

Fugiram corredor abaixo para a porta dos fundos e saíram violentamente.

– Parados!!! – Gritou um dos soldados de um grupo de uns 6 ou 7 policiais militares que os aguardavam. Com várias armas apontadas para eles estava muito difícil reagir. Duílio parou, agora se lembrava de seus poderes, da maneira como podia gerar ventos poderosos. Na Terra Média, bastaria um intenso ciclone a sua volta para que flechas não pudessem atingi-lo, mas isso seria também eficiente contra balas? Mas Hélvio, que era antes de tudo um telecinético, agiu primeiro, deixando claro a Duílio o que fazer.

As armas de 4 soldados voaram de suas mãos e os outros foram derrubados quando Duílio, agora mais do que nunca Dumpal, lhes jogou uma verdadeira parede de ar sólido. Os ventos se espalharam em várias direções. Os jornais de uma banca de revistas próxima voaram, transeuntes também foram empurrados perdendo o equilíbrio, alguns caíram. Dois carros foram desgovernados.

Os dois correram rua acima após tentar avaliar o estrago que haviam feito, mas na pressa ou talvez na euforia não perceberam que foram seguidos. Duílio sentiu o perigo vir por trás e se virou. Aquele policial que ele pressentira estar mal intencionado vinha por trás dele, de arma em punho e pronto para disparar.

Duílio se concentrou enquanto Hélvio abriu distância sem perceber que o amigo havia parado. O policial se aproximava, dedo no gatilho e olhar típico de predador.

Os instantes se sucederam em câmera lenta, a munição detonou e a bala vinha girando como uma broca. Ante o gesto de Duílio o ar reagiu, era quase possível ver as partículas se comprimindo umas as outras, prestes a explodir numa rajada equivalente a um furacão. A bala sentia a resistência cada vez mais forte do ar.

Porém Camila vinha correndo logo atrás, gritando seu nome, assistindo a cena. Para Duílio ela estava praticamente congelada no tempo, mas ele olhou em seus olhos, num singular e inexplicável momento. Era como se contemplasse o olhar profundo da elfo que agora lhe vinha a memória.

Ele divagou, como se tivesse tempo para isso.

Muitas vítimas de tiros declaram não terem sentido que "tomaram um tiro". Foi o que aconteceu com Duílio, uma dor intensa que parecia vir de dentro. A incomum resistência do ar diminuiu a potência da bala, o que não necessariamente fora um benefício. Por vezes é preferível que ela atravesse o corpo do que ficar retida como ficou em alguma parte de seu abdômen.

Outros policiais vieram logo atrás, e havia outras testemunhas. Mesmo diante dos incomuns eventos, o policial para todos os efeitos, atirara sem justificativa, contra alguém que aparentemente apenas levava as mãos à frente, como que em sinal de rendição e "não atire". Tanto que foi até razoavelmente aceitável a idéia de que o policial suicidou quando na verdade, obrigado pela telecinésia de Hélvio apontou a arma para a própria cabeça e disparou.

Camila chegou até seu primo que deitado no chão agonizava. Ele viu seus olhos castanhos derramando lágrimas e contemplou seus cabelos dourados como que esvoaçando ao vento em câmera lenta, contra um céu claro parcialmente nublado. Ele ouviu, ou disse, não tinha certeza, "Eu Te Amo."

E tudo se apagou.

As imagens surgiram distorcidas, mas o que antes era um céu branco azulado se tornou um teto cinza azulado e rochoso, mas a beldade loira ainda estava lá, com os mesmos cabelos esvoaçando ao vento. Porém os olhos castanhos deram lugar a olhos dourados, a pele ficou ainda mais clara e reluzente, os cabelos praticamente brancos, as feições mais delicadas e exóticas, e as orelhas alongadas.

– Dumpal?!?! – A encantadora voz da elfo fez repentinamente a dor do jovem desaparecer. Com as mãos no ventre procurava o ferimento e respirou aliviado quando nada encontrou. Levantou-se devagar e com lágrimas nos olhos abraçou a companheira como nunca fizera antes.

O vento se acalmou após Dumpal acordar, a magia acabara, deixando calmas as chamas da fogueira azul. Ele reconheceu a voz de Narzamidra.

– Finalmente meu jovem! Espero que se sinta bem. – Disse em tom preocupado.

– E... – Ele tinha dificuldades para falar. – Eu... Esto...

– Dormindo há quase 4 dias. – Completou a elfo. Ele então pensou. – En... Então é... Verdade. O tempo não corre da mesma... Forma por aqui... Não é?

– O quê? – Indagou Kalmira.

– Paciência meu jovem. É melhor que se recomponha, há uma refeição lhe esperando.

Duílio demorou para se equilibrar mas caminhou até um aposento nos fundos. Compensara a fome de 3 dias e a abstinência de suas demais necessidade primárias. Logo depois o anão Olmim se juntou a eles e Duílio ainda se alimentava quando o velho feiticeiro decidiu não mais esperar.

Duílio contou a história, entre uma abocanhada e outra, omitiu as partes mais complicadas mas todos compreenderam que estivera em seu mundo de origem, onde a Terra Média é apenas fantasia, que viera através de uma substância equivalente a uma poção mágica e que agora era provável que estivesse morto por lá.

Narzamidra não parecia tão surpreso, e logo iniciou.

– Meu caro, temo que não mais podemos deixá-lo descansar. A situação aqui nesses 3 dias se tornou problemática. Recebi uma comunicação de que os problemas na aldeia de Bomandis e imediações se agravaram repentinamente com a chegada de um estranho e poderoso feiticeiro, que ao que parece, está preparando uma magia muito perigosa. Todos os feiticeiros da região estão sendo convocados. Devemos ir o quanto antes.

Duílio de repente, sabia do que se tratava, e mais uma vez não teve dúvidas. – Então não percamos mais tempo. Devemos ir logo e... Como você sairá daqui?

Narzamidra respondeu. – Por anos tenho me poupado de enfrentar Salagim, acho que chegou a hora, juntos podemos derrotá-lo, é muito mais provável do que tentar atravessar as montanhas enfeitiçadas que me prendem pelo outro lado. Se eu conseguir sair, o feitiço acaba e estarei livre.

Olmim e Kalmira se entreolharam, mas logo ela se dirigiu a Dumpal. – Não tenha medo, conseguiremos.

Dumpal, Kalmira, Narzamidra, Olmim e o pequeno cãozinho Balrog desciam rumo aos penhascos por onde antes Folstag encontrara a morte. Carregavam poucos suprimentos, Narzamidra afirmava possuir um meio de chegarem rápido a Bomandis, para onde mesmo que o caminho fosse descida e mesmo que conseguissem cavalos, levariam semanas.

Logo estavam entre os labirintos rochosos, guiados pela iluminação mística que emanava da mãos da elfo, caminhando cautelosamente, mais uma curva e todos se preparavam. O pobre caozinho tinha que ser carregado por Olmim, que levava quase toda a bagagem uma vez que os outros se disponibilizavam para um combate. Não houve maior demora.

– NARZAMIDRA!!!

Rugiu a tenebrosa voz. As paredes de pedra tremeram e uma labareda de fogo surgiu. Olmim ficou para trás tentando segurar o assustado Balrog. Dumpal e Narzamidra se entreolharam e pediram a Kalmira que se afastasse, mas ela chegou ao jovem e tomou-lhe as mãos. Uma forte onda de energia o percorreu e ele sentiu seus poderes voltarem com força total.

O monstro surgiu de pé, com as asas abertas ao alto, e os ferimentos que Folstag lhe infringira agora era quase imperceptíveis arranhões.

– Posso ter que tolerar seus insultos velho feiticeiro. Mas as regras são claras! Se tentar passar por aqui eu posso destruí-lo!!!

– Não Salagim! – Respondeu o feiticeiro com a voz firme como aço – Hoje minha prisão acaba. Decidi que é hora de por fim a essa farsa que por tantos anos compactuei.

Eles caminharam para um terreno mais aberto, o jovem e o ancião lado a lado, prontos para agir, o dragão se irritou.

– Basta!!! Eu porei fim a esta atribuição maldita que me incumbiram! Só me alegra velho tolo, saber que amanhã poderei sair daqui tendo destruído você e esse jovem insolente!

Dumpal que não tinha nenhum olhar de consideração pelo dragão. Mantinha-se num silêncio concentrado e prestes a deflagrar um ataque, mas Salagim agiu primeiro.

A rajada de fogo preencheu todo o chão, indo ameaçar até mesmo a elfo e o anão que se protegiam atrás de uma parede rochosa. Um escudo luminoso azul gerado pelo feiticeiro protegeu também a Dumpal. Salagim levantou vôo, sabia que seus oponentes eram perigosos, era melhor ir para o ar onde seus ataques seriam muito mais efetivos.

Mas Dumpal não estava disposto a prolongar a luta, concentrando uma onda poderosa de energia nas mãos, lançou uma carga mística que produzia uma bola de vento concentrado.

A distância era grande, Salagim parecia menosprezar o ataque. Ondas de vento não costumam ser muito eficientes contra dragões voando. Com um bater de asas, Salagim poderia deslocar ar com ainda mais violência. Sua petulância foi seu erro.

Prestes a atingir o alvo, sob um comando e um gesto de Dumpal a concentração de vento se expandiu dando origem a um vácuo. O dragão foi imediatamente envolvido pela repentina bolha de não-ar. A súbita despressurização fez o fogo se extinguir, seus olhos e língua incharem, diversas erupções de sangue brotaram da carapaça escamosa em todo o corpo. E tudo isso muito rápido.

Sem sustentação as asas foram inúteis, ele despencou como uma pedra. Dumpal manteve a bolha acompanhando a queda durante todo o tempo e sem a resistência do ar, a aceleração foi ainda maior. O violento impacto com o chão parecia ser resultado de uma queda de um ponto várias vezes mais alto. O estrondo só não foi maior por que o ainda persistente vácuo inibiu boa parte do som.

Mas Dumpal se esforçara demais, caiu de joelhos tonto, prestes a desmaiar, não medira seu esforço e percebera que pusera quase toda sua magia num só ataque de uma só vez, demoraria para poder atacar de novo.

Salagim não estava derrotado apesar do duro golpe, mas ficou bem atordoado, então Narzamidra entrou em ação.

De um gesto ao ar, nuvens no céu se agitaram. Um chiado se fazia sentir, os pouco pelos do dragão se arrepiaram repentinamente, sendo atraídos para o céu, até mesmo os pelos e cabelos de Dumpal estavam eriçados na direção do dragão.

O raio atingiu o dragão em cheio gerando um trovão assustador. Aquele ataque jamais teria atingido Salagim se ele não estivesse brevemente desnorteado, ele teria se desviado facilmente, mas naquele estado não pτde evitar ser duramente afetado pela devastadora energia celeste.

Dumpal já estava de pé e Narzamidra preparou um novo ataque mas se deteve.

– O que está esperando?! Acabe logo com ele!! – Gritou Dumpal que ainda não se esquecera da morte do companheiro e além do mais, sabia que o dragão poderia se recuperar inesperadamente.

– SALAGIM! – Gritou Narzamidra com voz de trovão! – Sei que os dragões de sua família tem o hábito de não se render, o que causou a morte de seu irmão. Mas pense! Você é o último de sua descendência, creio que a conservação de sua linhagem é mais importante que seu orgulho!

O dragão olhava debilmente, se sentido derrotado. Após um longo silêncio respondeu.

– Está bem. Faremos um acordo. Posso levá-los a aldeia de Bomandis se me pouparem. Assim que você sair daqui, minha permanência não fará sentido, e é naquela direção mesmo que pretendo ir.

Dumpal cochichou com o feiticeiro mas este logo respondeu. – Não se preocupe, ele nos deu sua palavra, irá cumprir.

O dragão não precisou de muito tempo para se recuperar. Narzamidra e Olmim, que segurava o relutante Balrog, subiram numa das pernas do enorme animal, Dumpal e a elfo subiram na outra, onde viram que o "dedo" antes decepado por Folstag era apenas um pedaço da unha que já estava quase no comprimento original. Salagim levantou vôo e em segundos os passageiros já precisavam proteger o rosto ante a enorme velocidade.

Pelo ar Salagim cruzou em menos de um dia a distância que por terra Dumpal e seus companheiros demoraram quase uma Lua. Pousou num pequeno monte logo em frente a aldeia de Bomandis, na verdade uma cidade. A noite começava a cair.

– Minha dívida está paga. – Disse Salagim de forma conformada mas rude. – Mas antes preciso saber uma coisa Dumpal.

O rapaz olhou para a fera, ainda com cara de poucos amigos. – Do que se trata?

– Afinal. – Rugiu a fera. – Quem é você?!

Dumpal capitulou por uns instantes, e Olmim passou a sua frente – Um dos feiticeiros que ajudaram a derrotar Mordor!

– O quê?! Aquela lenda ridícula de bruxos que vieram do céu. Não me venha com essa! Nós dragões somos os senhores do ar, sabemos tudo sobre o que vem lá de cima!

– Sim! – Retrucou Dumpal. – Mas vim de muito além de lá em cima. Onde enormes máquinas voam muito mais alto e mais rápido do que vocês. De um mundo onde não existem dragões, ou se existiram, estão todos mortos. E se ainda existissem, eu os mataria.

Salagim olhou furioso por alguns instantes, mas depois começou a rir, e alçou vôo sumindo entre as nuvens como um foguete. Dumpal ficou a olhar e pensando no desperdício que fora a morte de Folstag, na realidade durante aquela luta, ele não tivera nenhuma chance.

Os 4 então desceram rumo a cidade. Lá chegando a situação era assustadora, pelas ruas poeirentas onde até haviam algumas casas bonitas e bem cuidadas, pessoas passavam rápido e com medo, logo se escondendo ou entrando por uma das portas. Havia um indiscutível cheiro de morte no ar, algo que parecia indicar que onde outrora houvera fragrâncias de flores, agora só exalava putrefação de cadáveres.

Um dos cidadãos se aproximou assustado e antes que perguntasse Narzamidra se pronunciou.

– Viemos de muito longe para saber o que está ocorrendo aqui. Se colaborarem poderemos ajudar!

O Homem ainda hesitante se aproximou e com muita cautela foi contando a história – É Felion! O Feiticeiro. Ele chegou ontem na aurora. Pensamos que iria curar os efermos do sono eterno. – Ele apontou para algumas pessoas dormindo caídas nas ruas. – Mas lançou um feitiço ainda pior, quase todas as pessoas adormeceram e parece que nunca mais vão acordar!

Dumpal se aproximou de uma janela e viu um rapaz dormindo, se lembrou da vítima de "coma" que conseguira salvar em seu outro mundo. O jovem estava muito magro, devia ser difícil alimentá-los.

– E não é só aqui! – Continuou o cidadão. – Já sabemos que o mesmo acontece nas aldeias vizinhas. Vários guerreiros já foram tentar deter esse Felion, mas todos foram mortos.

De repente uma luz azul surgiu no horizonte. – Lá está ele. – Gritou o apavorado homem.

Narzamidra observou cuidadosamente e falou. – Está preparando um tipo de magia terrível, algo de muito poder.

– Sim. – Completou Dumpal. – Está usando as almas e as vidas dessas pessoas como alimento, fortificando sua feitiçaria. E não vai parar. A melhor forma de quebrar o feitiço é acabar com essa magia.

– Não temos tempo a perder. – Disse o ancião.

Dumpal olhou para Olmim e pediu que ficasse acompanhando Kalmira, mas ela preferiu seguí-los até mais perto do local. Uma multidão de pessoas se reunia atrás deles quando chegaram do outro lado da cidade. Era uma pequena subida até um desfiladeiro.

– Vamos! – O jovem feiticeiro disse decidido e junto ao ancião seguiram caminho acima.

Estranhas luzes azuladas ofuscavam o local. Havia um fosso onde a energia se concentrava e as paredes rochosas pareciam apesar de irregulares, ser claramente uma construção recente, sem dúvida através de magia.

Continuaram a caminhar vendo corpos de guerreiros que pareciam se matar uns aos outros. Não foram só humanos, mas também elfos e até uns Orcs. Não resistiram ao poder de manipulação mental de Felion. Mais ΰ frente encontraram outro corpo no chão, roupas de feiticeiro. Dumpal o virou e Narzamidra o reconheceu.

– Tirluzam... – Disse pesadamente e se agachou para tocar-lhe a face. Foi um colega meu nos meus tempos de aprendiz. Uma lastimável perda.

– Mais uma vítima de Felip... – Dumpal se corrigiu. – Felion. – Ele sentiu um breve calafrio ao pronunciar o nome de outro mundo do seu adversário. Mas sabia que não havia perigo de ser puxado de volta. Seu corpo com certeza estava morto. Agora ele viveria completamente na Terra Média.

Andaram mais e então finalmente se depararam com a cena, por sinal, grotesca.

Uma turbulenta luz azul parecia aprisionar diversas almas que gritavam de agonia. Era uma espécie de abismo que sugava vida, convertendo sua energia em alguma magia prestes a explodir em algo completamente estranho e ameaçador. Então ouviram a grotesca voz.

– Dumpal! Ou melhor dizendo... DUÍLIO!!!

Uma pausa e o autor da frase percebeu que não provocara o efeito esperado. Saiu de trás da ofuscante bola de energia azulada e macabra.

– Até que enfim. Pensei que não viria. Pelo jeito acabaram com você por lá também não é mesmo! Caso contrário não estaria aqui tão... Estabilizado.

O feiticeiro vestia roupas azuis e negras muito estranhas, mas seu rosto era claramente conhecido para Dumpal.

– Felion! – Gritou Narzamidra. – Que espécie de abominação está a realizar aqui?!

– Isso!? – Felion apontou para a luz. – É o futuro! Algo que irá revolucionar tudo neste mundo! Estou concentrando a mais poderosa das energias, a das almas humanas. Em sono eterno essas almas ainda ligadas ao corpo, são mais poderosas do que se estivessem mortas. Com essa super energia estou prestes a abrir um portal entre este mundo e um outro. Começou pequeno e há muito tempo, mas terminará grandioso, e provavelmente hoje.

Dumpal interrompeu sonoramente – Quer abriu um portal para o nosso mundo natal!?

– O que?! Longe disso! Você pensa Dumpal, que apenas você e seu outro amigo sabiam? Pensou que Herios descobrira algo que eu também não sabia?

Dumpal lembrou-se então da teoria maluca do Universo Infinito, onde tudo era possível e cada mundo de imaginação era real em algum lugar.

– Achou que minha vida se resumia a trabalhar nos estudos de uma droga para viciados no nosso mundo? Eu sempre soube disto aqui! Há muito mais tempo do que vocês pensam! E sabe o que mais Dumpal? Herios estava certo. Há infinitos mundos, e podemos alcançar com certa facilidade aqueles que conhecemos melhor, em histórias. Podemos chegar nos mundos de Jornada nas Estrelas, em Darkover, em TERRANIA! E nada pode nos deter.

Dumpal estava tão surpreso quanto irritado. – E precisa causar sofrimento a tantas pessoas?! Nesse o no nosso outro mundo?!

– Não seja sentimental Dumpal. Não tem outro jeito! Para viajar apenas com a consciência para esses outros mundos não é tão difícil. Mas para abrir uma ponte entre eles?! É preciso muita energia mental! Mas já estou tendo resultados. A nossa volta já há um campo de interseção, onde dois mundos começam a se interferir. Não tenho nem idéia de que outro mundo estou contatando, mas creio que assim que o portal estiver prestes a se abrir, poderei dirigi-lo para onde eu quiser. Já imaginou?! Que tal Arrakis?! O Monte Olimpo, Atlântida ou o Planeta dos Macacos. As possibilidades são infinitas. O UNIVERSO É INFINITO!!!

Dumpal não estava nem um pouco animado. A cada instante ele sentia mais e mais vidas serem torturadas naquele globo de luz infernal. Tinha que dar um jeito naquilo. Olhou para Narzamidra e percebeu que havia algo errado. O ancião disse. – Meus poderes... Estão falhando.

– Exatamente Dumpal. Ele pertence totalmente a este mundo e é mais vulnerável. Mas você e eu somos bem mais resistentes as interferências deste campo de interseção. Aqui dentro, nenhum feiticeiro deste mundo, nem mesmo Mitrandir, nem mesmo Sarumam, seriam páreo para nós.

Dumpal fez seu companheiro recuar. Não tinha escolha.

–Você poderia se juntar a mim, mas sei que não vai fazer isso. Vai ter que me enfrentar sozinho Dumpal! E você não conseguia se sair muito bem contra mim nos jogos. Lembra-se?

Mas Dumpal apenas ergueu as mãos, concentrando seus poderes e disse. – Aqui, a realidade é outra!!!

Ele começou e brilhar e Felion também. Era como um fogo invisível em torno dos dois, ficando cada vez mais intenso.

O duelo decisivo se iniciou.

O primeiro ataque de Dumpal veio sob a forma de um raio, que desceu dos céus diretamente sobre Felion, mas um escudo cúpula transparente não só o bloqueou como o absorveu o logo em seguida descarregou de volta contra seu feiticeiro.

Um escudo semelhante se ergueu em torno de Dumpal que parecia ter mais dificuldade de resistir ao contra ataque. Felion continuava descarregando os relâmpagos contra seu oponente mas este, ao invés de tentar se desviar ou reverter o efeito, fez o inverso, convocou um outro raio que desceu dos céus novamente contra Felion que de imediato o desviou novamente contra Dumpal.

Mas ele se abaixou e numa manobra inusitada transferiu a energia para o solo, fazendo-o brotar da terra contra Felion que se desequilibrou afetado pelas descargas elétricas. O solo rachou em várias erosões.

– Uaau! Boa manobra Dumpal!

Mas logo contra atacou arremessando uma bola de energia. Dumpal concentrou um escudo frontal bloqueando o ataque. Outros dois disparos vieram, mas ele se desviou do primeiro e pegou o segundo com a mão, lançado-o de volta.

Felion apenas se esquivou deixando a bola de energia se perder no barranco recém aberto atrás dele, ficando depois parado.

Dumpal pressentiu o perigo, por trás dele algumas espadas dos guerreiros mortos se aproximavam prestes a atingi-lo. Se virou e um escudo de ar fez as lâminas contornarem seu corpo. Se voltou novamente para Felion e com uma rajada de vento fortíssima fez as espadas avançarem com ainda mais velocidade.

Felion reagiu rápido, criando uma defesa semelhante, mas abriu a guarda frontal e Dumpal apenas aproveitou o vento já lançado deixando-o praticamente sólido e atingindo Felion com uma rajada tão densa quanto uma parede.

O feiticeiro voou barranco abaixo, permanecendo um pouco silencioso. Então um enorme dragão negro surgiu emitindo um estrondoso rugido.

– "Ilusão!" – Percebeu Dumpal. Mas o fogo era de verdade. Um rio de chamas veio em sua direção. Ele passou a fazer o vento girar ao seu redor, criando um ciclone. As chamas ficaram cada vez mais afastadas até que Felion, levitando um pouco acima, ficou visível.

O tornado ficava cada vez mais forte. Dumpal se preparava para lançar um de seus ataques mais poderosos, o lançamento do ciclone místico contra o inimigo. Se atingisse em cheio a luta estaria encerrada.

Porém.

– Aahh... – Dumpal sentiu uma pontada no ventre e um formigamento inesperado. O vento perdeu a força mas logo ele voltou a acelera-lo. Outra pontada, desta vez mais forte fez o ciclone perder ainda mais força. Dumpal começou a perder a visão. A imagens ficaram repentinamente distorcidas. Felion nada fazia, apenas observava.

Dumpal sentiu mãos tocando em seus braços, objetos frios colados ao seu tórax. – Ah... Não...

Felion desceu ao solo e continuou apenas a olhar.

Dumpal caiu de joelhos, a visão turvava, começou a ver imagens estranhas, objetos diferentes.

– Ora vejam só! Parece que você ainda está vivo no outro mundo meu caro! Devem estar tentando reanimá-lo.

Dumpal percebeu que era verdade. Seu corpo físico ainda funcionava, os médicos tentavam trazê-lo de volta. – Não... Agora não...

– Você se esqueceu de esquecer meu amigo. Se tiver corpo físico vivo, mesmo em estado de coma, só pode ficar aqui se esquecer o mundo real! Você já era!

O "puxão" era cada vez mais forte, Dumpal estava a ponto de sucumbir.

– É mais uma coisa que eu sabia há muito tempo. Seu amigo Herios foi atrasado em suas descobertas. Eu tenho o controle total da situação.

Então uma presença inesperada interrompeu. – Nem tanto quanto você pensa babaca!

Flutuando no ar estava um feiticeiro vestido de negro, um brilho verde emanava de sua mão levantada.

– Herios?!?! A quanto temp... – Mas Felion não teve tempo de completar, um raio verde o atingiu empurrando-o contra a parede. Dumpal começava a se recompor, estava vencendo a "atração" de seu mundo original.

Quase esmagado contra a rocha, Felion não conseguia reagir. Força telecinética pura, tão concentrada que chegava a brilhar, o mantinha imóvel. Então Herios baixou seu braço, mas a luz verde continuou aprisionando o inimigo contra a parede.

Na mão esquerda de Herios surgiu um arco brilhante, na direita uma flecha. Era sua magia mais poderosa, a flecha de Eros com o poder do Sol, Helios. – Você já deixou nosso mundo original, e agora vai deixar este aqui também!

Apontou a flecha brilhante contra o oponente, mas de repente, a bola luminosa que aprisionava almas emitiu um pulso mais forte.

Herios se abalou no ar, ficando momentaneamente a deriva, a flecha e o arco começaram a sumir, a força que mantinha Felion preso enfraqueceu. Outro pulso luminoso ainda mais forte fez o turbilhão de almas dobrar de tamanho.

Herios caiu duramente ao chão, o arco e flecha sumiram e seu brilho verde também. Felion ficou livre e Dumpal embora mais recuperado, percebeu que seus poderes haviam sumido.

– Finalmente! – Alegrou-se Felion olhando para a luz azul. – Está quase pronto. – Ele caminhou para Herios que ainda estava se levantando. – A magia atingiu mais um nível na abertura do portal. Agora a zona de interseção vai começar a fazer este lugar ficar fora deste mundo, e seus poderes, nosso poderes aqui, estão anulados.

Herios de pé, encarava o oponente com ódio no olhar.

– Mas eu ainda tenho meus truques. – Felion puxou um pequeno objeto e arremessou contra Herios. A bola se abriu na forma de uma rede, atingindo Herios com uma força incrível e jogando-o no chão.

Felion então puxou um estranho objeto na outra mão. – Estive viajando por outro mundos meus caros. Vi coisa que vocês nem imaginam. Tenho uma pequena coleção de artefatos que... Bem, alguma coisa sempre funciona.

O objeto em sua mão se revelou uma espécie de disco de arremesso, que se abriu em duas partes laminadas ameaçadoras e piscou luzes verdes. Ele levantou o braço prestes a atirar o artefato.

Mas uma mão agarrou seu pulso e um soco atingiu seu rosto em cheio. Caído ao chão não tardou a levantar mas Dumpal já estava quase em cima dele. Ele apontou o disco mas de repente este começou a falhar, ficou transparente e a rede que prendia Herios também.

– Droga! – Exclamou Felion. E então o disco desapareceu por completo. Dumpal partiu para cima mas Felion recuou procurando algo em suas roupas. Tocou num objeto no cinto e de repente um plasma alaranjado escuro o envolveu.

Imerso num paralelepípedo semi opaco, Felion nem sentiu os golpes de Dumpal que parecia esmurrar pedra, estava invulnerável. Mas logo o atacante, olhando bem para o estranho escudo, percebeu. – "Já sei. Pressão lenta."

Levou a mão rapidamente mas logo a deteve, empurrando-a forte mas lentamente contra o plasma do escudo, penetrou até agarrar o pescoço de Felion. Mas nem seria necessário, logo o escudo também começou a falhar, desfazendo-se como num sonho.

– Maldição! Nada funciona! – Gritou Felion. Dumpal avançou com chutes e socos e seu inimigo recuou até a beirada de uma ampla fissura, porém numa defesa bem feita de Felion e numa nova e violenta oscilação da energia azulada que fizera a terra tremer, Dumpal perdeu o equilíbrio escorregando numa falha do solo e ficou pendurado numa raiz, tendo vários metros até o chão abaixo de si.

Felion não teve tempo de tirar vantagem, dessa vez Herios atacava, mas não foi necessário revidar o ataque, Herios foi detido por uma espécie de barreira invisível.

– Acabou! – Disse Felion. – O último pulso colocou esse lugar num zona de suspensão. Agora nada deste mundo, nem mesmo seus corpos, pode me atingir. Eu estou fora de seu alcance.

A luz azulada ficava cada vez mais intensa, os tremores de terra mais violentos e Felion continuou, ignorando as tentativas de Herios de atingi-lo. – Desista, para todos os efeitos, não estamos mais na Terra Média, estamos em... Deixe-me ver, que tal... O universo de Guerra nas Estrelas?

Herios parou de repente com os olhos surpresos pela súbita oportunidade, ele também estava entre a Terra Média e algum outro lugar, não podia atingir Felipe com seu corpo, que ademais era da Terra Média. Então buscou algo na altura da cintura, nas costas. Estava lá!

Retirou um pequeno bastão metálico e com um olhar decidido disse a seu oponente.

– Acontece que você não é o único aqui a ter estado em outros universos!

Num simples apertar de botão em seu artefato uma luz verde se projetou em linha reta. Foi preciso um só golpe. O ruído: Uooommm.

Na beira do barranco Felion nem teve tempo de pensar, seu corpo caiu partido ao meio pela vertical, indo se estatelar no chão.

Dumpal conseguiu subir de volta e se deparou com o amigo desligando sua ligth saber.

Ficaram olhando para as metades do corpo abaixo e perceberam elas desaparecerem, com isso a esfera azulada repentinamente se rompeu. As almas foram libertadas num oceano de luz. A terra parou de tremer.

– E agora? Para onde ele foi? – Perguntou exausto Dumpal.

– Não sei. Algum outro mundo talvez. – Herios tinha um olhar dividido entre a lamentação e o alívio.

Dumpal sentiu a vertigem novamente e seu amigo o segurou. – Dumpal! Você não morreu. Seu corpo no mundo original ainda está vivo! – Dumpal respirou fundo e perguntou. – E você?

– Eu estava na cadeia ora. Acha que eu ia ficar lá, entrei em estado de coma e assim tiveram que me mandar pra um hospital. Assim que as coisas melhorarem eu volto. E você? Quer voltar?

Dumpal fez uma longa pausa. – Não agora não.

– Então você tem que esquecer meu amigo.

– E por que você não?

– Prática. Você vai chegar lá. – Ele retirou do bolso a moeda. – Tome, lembre-se de só olhar para ela quando quiser voltar para seu mundo original, ou quando tiver saudades dos seus pais, você não saberá como é esse mundo nem quem são seus pais, mas saberá que existem.

Dumpal pensou um pouco, pegou a moeda e a guardou num saco, deixando-o bem amarrado. – Não estou conseguindo me esquecer.

Herios passou a mão sobre sua cabeça. – Apenas queira.... Isso. Assim que eu desaparecer você esquecerá tudo, mas sentirá o momento certo de voltar.

– Onde você vai?

– Tenho outros mundos para visitar. Mas um dia nos veremos. Adeus Dumpal. – E desapareceu suavemente.

Meio desnorteado seguiu caminho abaixo, encontrou Kalmira e Olmim, que o abraçaram, e Narzamidra que o cumprimentou. O velho feiticeiro percebeu o seu estado.

– Está perdido de novo meu jovem. Suas memórias se foram novamente. Ainda tenho a moeda se quiser.

– Não. – Respondeu Dumpal. Eu sei que pelo menos agora, não quero olhar para ela.

– Todas as pessoas acordaram Dumpal. – Comentou Olmim alegremente. – Mas estão um bocado assustadas.

– E agora? – Indagou Kalmira. – Os habitantes de Bomandis não tem muitas riquezas para recompensá-lo.

– Não importa. – Respondeu Dumpal olhando nos olhos da elfo. – Não é isso que eu realmente quero.

Após serem abastecido de cavalos e suprimentos, Narzamidra e Olmim partiram juntos. O anão precisava rever sua família e o ancião compartilharia com ele a maior parte do caminho. Foi uma lenta despedida, especialmente com o anão e o dócil Balrog.

Dumpal e Kalmira ainda ficaram mais um dia em Bomandis, gozando da hospitalidade e do agradecimento.

No raiar do outro dia partiram, mesmo tendo cavalos eles preferiam andar a pé. Em frente ao por do Sol pararam e se encararam.

– Para onde vai Dumpal?

– Não sei. E você?

– Para Valfenda, minha família está lá. – Fez uma pausa dramática. – Você vem comigo?

– Sim.

– Pretende voltar ao seu mundo?

– Sim, mas irei antes passar um bom tempo aqui, ao seu lado.

Ficaram se encarando por quase um minuto, Dumpal confuso sobre o motivo que o levava a amar tanto aquela elfo, finalmente tomou coragem.

Ele pensava que seria estranho beijar uma elfo. Mas foi maravilhoso.

Seguiram rumo ao Sol, de mãos dadas.

 

FIM

Marcus Valerio XR

 

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