Universidade de Brasília, Junho de 2004
Departamento de Filosofia
Disciplina Tópicos Especiais em Filosofia Medieval
Professor: Scott Randall Paine

A Liberdade e
Os Hemisférios

Aproximadamente 37 mil Caracteres



Marcus Valerio XR
FREE MIND!!!
www.xr.pro.br
Graduando em Filosofia
Matrícula: 02/98255


Introdução

------- Este trabalho é uma espécie de "continuação", uma extensão à minha monografia anterior "DEUS ME LIVRE", que trata basicamente:
------- 1 - Da tensão entre os conceitos de ONIPOTÊNCIA divina e a LIBERDADE.
------- 2 - Da obra "O LIVRE ARBÍTRIO", de Santo Agostinho.
------- 3 - E de uma proposição teísta que conciliasse os dois conceitos, resultando num tipo de divindade mais compreensível, ainda que aparentemente menos transcendente.

------- Infelizmente, contingências surpreendentes tomaram-me a disponibilidade que eu pretendia para desenvolver um texto tão ou mais denso que o anterior, portanto, este trabalho deve ser entendido antes como uma espécie de projeto, um esboço de algo maior.
------- Neste breve adendo, há basicamente Dois objetivos principais.
------- 1 - Estabelecer uma breve re-análise do mesmo problema em uma síntese mais pontual, adicionando outros argumentos que não foram abordados no trabalho anterior.
------- 2 - Traçar um paralelo com dilemas semelhantes na Filosofia e Religiosidade Oriental.

------- Com isso pretendo não somente atender aos objetivos pedagógicos da disciplina mas, como sempre, alargar minha produção literária e fornecer bases de apoio para novas investidas intelectuais, que sempre terão muito a dizer sobre este tema.

Marcus Valerio XR
24 de Junho de 2004

Índice

Introdução e Índice

A Providência Divina e o Livre Arbítrio

Existe Liberdade no Oriente?

O Nascimento do "EU" no Ocidente
"Com Data Hora e Carta Astrológica Completa"

Fechamento e Bibliografia


A Providência Divina e o Livre Arbítrio

------- Em meu trabalho anterior, procedi uma minuciosa análise da obra de Santo Agostinho “O Livre Arbítrio”, e expus como conclusão final, porque o filósofo não conseguiu solucionar satisfatoriamente o difícil dilema entre a Onisciência e a Liberdade. O problema final, como coloquei, estava em abordar o problema no ponto errado, pois o que deveria ser colocado em pauta seria a Onipotência, que abarca a Onisciência, pois a pode ser entendida como o “Poder para Saber Tudo”.
------- Aqui, pretendo fazer uma breve extensão dos problemas e soluções mais comuns para a questão, desenvolvendo-a até o ponto que, acho, se torna definitivamente intransponível. Anteriormente eu pretendia realizar uma análise equivalente a do trabalho anterior na Suma Teológica de São Tomás de Aquino, mas visto a magnitude de tal empreitada e o escasso tempo e bibliografia disponível, essa pretensão fica infelizmente adiada. Mas de qualquer modo, pelo pouco que pude conferir até agora, Tomás, apesar de ter sido mais preciso e metódico que seu antecessor, também não pôde dar uma solução satisfatória para o problema.
------- Como já venho desenvolvendo este assunto há tempos, já tendo vários textos desenvolvidos, tomarei a liberdade de citar a mim mesmo, com uma série de adaptações especialmente para esta monografia, numa série de excertos cujo alguns inclusive já foram publicados no fórum de discussões virtual www.ejesus.com.br/eforum, na seção de “Doutrina Bíblica e Teologia” no tópico “Omnipotência Divina”. O e-Jesus é um fórum aberto onde apologetas cristãos protestantes se degladiam contra ateus, agnósticos e católicos em insondáveis e deliciosas questões sublimes. Dessa forma, faço uma breve retrospecção do trabalho anteriormente desenvolvido em DEUS ME LIVRE, e cubro algumas carências que por ventura tenham ficado intocadas.

ONISCIÊNCIA X LIBERDADE

------- Temos aqui o velho paradoxo da previsão do futuro. Se o futuro foi determinado, seria possível prevê-lo, embora fosse inútil, se não for determinado, a previsão seria meramente probabilística. Diz-se que Deus é Onisciente, isso significa literalmente "SABER TUDO", incluindo a PRESCIÊNCIA, a sabedoria dos fatos futuros.
------- Um primeiro desmembramento é que isso implicaria num futuro previsto, Universo Determinado, e sendo assim, a liberdade seria mera ilusão. Lembrando que a Onisciência implica apenas em dizer que Não Haveria Liberdade, não implica em dizer que é Deus que Determina o Futuro. Portanto, se a Onisciência é realmente possível, o futuro tem que já estar determinado. Quem ou o quê o determinou inicialmente não é relevante.
------- Pode-se dizer também que haveria vários futuros pré-determinados, e teríamos então um grau de liberdade, porém se Deus não souber quais serão nossas decisões, ou seja, qual dos futuros iríamos trilhar, Ele não seria Onisciente, dessa forma, faz pouca diferença. Continuaríamos determinados a "fazer tais escolhas".
------- Portanto, nesse nível, não significa achar que a Onisciência cause o Determinismo, mas sim que ela o PRESSUPÕE.

ONIPOTÊNCIA

------- O problema maior para o modelo teológico compartilhado pelo cristianismo é o atributo da ONIPOTÊNCIA, que sem dúvida inclui os demais OMNI atributos, pois implicaria no PODER DE SABER TUDO, e também na ETERNIDADE, como o PODER PARA ESTAR EM TODOS OS TEMPOS. Nesse caso sendo Deus Onipotente, Ele não apenas saberia, mas controlaria todo o Universo. Sendo o TODO-PODEROSO, tudo estaria sob sua responsabilidade.
------- É aqui que a problema se torna mais crítico, pois aparentemente elimina a possibilidade de qualquer tipo de Liberdade, e se torna ainda mais grave quando adicionamos a isso o atributo da IMUTABILIDADE, que na realidade até mesmo entra em contradição com a ONIPOTÊNCIA, pois Deus não teria o Poder de Mudar, mesmo porque é Perfeito, e o perfeito não pode mudar sem perder a perfeição.
------- Há alternativas que aparentemente possibilitam conciliar a ONIPOTÊNCIA com a LIBERDADE (Livre-Arbítrio incluso), mas TODAS ELAS SEM EXCEÇÃO implicam em realtivizar a Onipotência. Porém relativizá-la é de certa forma negá-la, pois qualquer concessão na mesma a faria deixar de ser OMNI!
------- Isso poderia ser razoavelmente solucionado simplesmente substituindo o termo Onipotência para algo como “Plenipotência”, ou “Suprapotência”, ou similares, mas a maioria dos teólogos não parece disposto a abrir mão do termo Omni mesmo que o negue com sua relativização.

SOLUÇÕES?

------- Antes de dar prosseguimento ao tema da ONIPOTÊNCIA, existe sim uma solução para conciliar a ONISCIÊNCIA com a LIBERDADE. Seria dizer, como o fez recentemente o filme Matrix Reloaded, que nossas escolhas já foram feitas. Que nós escolhemos nosso destino antes de nascermos, e então o realizamos.
------- Isso implicaria, é claro, na divisão do Universo em dois planos, havendo uma instância onde antes fizemos nossas escolhas. Como analogia, poderíamos dizer que escolhemos livremente um roteiro turístico, mas uma vez iniciando a viagem, não podemos mais alterar o trajeto.
------- Então teríamos escolhido, seja lá com qual objetivo, todos os eventos que nos ocorrem na vida, incluindo o sofrimento. O Espiritismo Kardecista trabalha um pouco com essa hipótese.
------- Mas essa solução também não escapa de mais problemas. Teríamos tido nós, consciência de cada detalhe de nossa aventura na Terra? Um turista sem dúvida não escolheria um certo roteiro de viagem se ele souber que acontecerão detalhes desagradáveis no mesmo. Uma pessoa que escolheu sobre um horizonte de opções impreciso realmente fez uma escolha livre? Se lhe fosse dado um quadro mais detalhado de possibilidade, sua opção não poderia ser outra? A única forma de garatir que a escolha fosse de fato totalmente livre e legítima seria caso o agente tivesse uma amplitude opcional ilimitada, ou então admitiríamos a imprevisibilidade e automaticamente negaríamos a possibilidade da Presciência.
------- Portanto, para ser realmente livre, essa escolha antecipada pressuporia nada menos que Onisciência pessoal antecipada, o que gera um difícil paradoxo, pois quem afinal teria a prerrogativa da Onisciência? Deus, ou todos os agentes racionais?
------- Como o próprio Agostinho já colocava, a possibilidade de que nossas “almas” tenham pré-existência e discernimento anterior não parece ser excluída pela revelação bíblica, sendo assim, é possível que num momento anterior ao nosso nascimento físico, tenhamos tido a opção de planejar nossa trajetória na Terra, idéia amplamente utilizada pelas correntes espiritualistas.
------- Mas se admitirmos que eram Oniscientes anteriormente estaríamos admitindo que no mínimo compartilhávamos a divindade, seria como se antes existíssemos numa espécie de beatitude coletiva panteísta. Uma idéia como essa não me parece facilmente tolerável pela teologia cristã.
------- Portanto, ao concluir que esse possível presciência só poderia ser relativa, o agente ainda estaria submetido à ocorrência de vários eventos que não lhe foram previstos, e se Deus pudesse prever esses eventos, o problema então se mantém intacto.

SOLUÇÕES? 2

------- A mais comum me parece ser a simples negação direta da ONIPOTÊNCIA, só que sem admití-la, o que me parece ter sido feito, se não me engano, por todos os teólogos.
------- Implica em dizer que há sim coisas que Deus não pode fazer, como "Deixar de Existir", "Mentir", "Ser Injusto" ou "Fazer um Círculo Quadrado". Isso se baseia na idéia de que tudo isso seriam coisas Logicamente Impossíveis, como dizer 1+1=5.
------- O problema inicial é que limitar Deus ao Logicamente Possível me parece não só "impossível", mas de certa forma até arrogante. Por estranho que isso pareça.
------- Devemos admitir, como os próprios crentes insistentemente fazem, que somos seres limitados. Nossa mente funciona por pressupostos lógicos e sensoriais. Algo que nos seja Logicamente impossível, é sem dúvida inconcebível, como o Círculo Triângulo, mas não decorre necessariamente que seja impossível se considerarmos o Universo como algo maior que nossos limites de reflexão lógica.
------- Portanto é muito estranho, para dizer o mínimo, que teólogos afirmem o quê Deus pode ou não pode fazer, quando eles mesmos dizem que somos limitados e Deus está acima de nossa compreensão. Não vejo bom motivo algum para pressupor que num outro nível de existência possam se desdobrar horizontes de possibilidades que superam nossas categorias racionais aparentemente invioláveis.
------- Outro detalhe curioso é que essa solução parece ser uma espécie de negação de uma negação de uma afirmação, que na verdade termina por reconfirmar a afirmação. Explicando:
------- 1 - Eu afirmo: É impossível a conciliação da Onipotência e da Liberdade.
------- 2 - Pois se ele é Onipotente, é Presciente, e se a Presciência é possível, NÃO há liberdade.
------- 3 - NEGA-SE que a Presciência é logicamente possível, e Deus não pode fazer o logicamente impossível.

------- Mas com isso, nega-se a Presciência, e consequentemente a Onipotência, pois Deus NÃO pode fazer tudo, o que inclui o logicamente impossível, e seria evidentemente o caso da Onipotência, que por si só resulta em paradoxos irritantes, como o da “pedra”.
------- Além disso, a conciliação de Onipotência e Liberdade tem TODOS os sintomas de ser logicamente impossível, quem tenta justificá-la por meio de um discurso que acusa a existência da impotência de Deus para o Logicamente Impossível, parece não só ter fugido do assunto, mas de uma certa forma até tê-lo admitido.

SOLUÇÕES? 3

------- A Solução mais comum é dizer que Deus nos dá liberdade mas já sabe que escolhas faremos, e como somos livres em tais escolhas, podemos até ser justamente punidos. É esse argumento que tem sido insistentemente usado, a começar por Agostinho.
------- Na verdade, ele simplesmente implica em tratar ONIPOTÊNCIA e ONISCIÊNCIA separadamente, o que na realidade nem faz sentido, uma vez que a Onisciência é claramente uma decorrência da Onipotência, e é justamente esta última que anula o valor desta solução, que na realidade é falha até mesmo dentro da simples Onisciência, como espero tenha ficado claro anteriormente.
------- Por isso, a contradição permanece. Se Deus é ONIPOTENTE, ele tem que ter controle absoluto e intemporal do Universo, isso implica necessariamente em Determinismo e consequentemente viola a Liberdade e Livre Arbítrio.
------- Outra questão, é porque Deus Cria seres que ele sabe que tomarão um caminho infeliz, e deixa de criar outros que fariam melhor. Por que ele escolhe um Universo dentre infinitos logicamente possíveis? Ou de fato existem infinitos Universos?
------- Essa solução também parece muito problemática, abrindo espaço para possibilidades como um Universo sem Deus, ou com dois Deuses.

ENFIM UMA SOLUÇÃO
(Ainda que parcial)

------- Se Deus é Onipotente, tem o Poder de Fazer Tudo, incluindo o Poder de Saber Tudo, que é a Onisciência, que entra em choque com o Livre-Arbítrio. Mas a chave está em "Poder", "Poder Saber", não necessariamente em Saber, mas na "potência para saber". Sendo assim Deus poderia Saber ou Não, como queira, e sendo assim também teria o "Poder de Não-Saber"!
------- Isso eliminaria, ao menos aparentemente, o conflito com o Livre-Arbítrio, pois Deus poderia propositalmente "fechar os olhos" para o futuro apenas para garantir liberdade a suas criaturas.
------- A meu ver isso sem dúvida elimina o problema, mas há um grande inconveniente, isso inviabilizaria as Profecias, e dessa forma, essa solução não seria satisfatória para o Cristianismo.

TENTANDO ADAPTAR A SOLUÇÃO À TEOLOGIA TRADICIONAL

------- Uma defesa contra este argumento é alegar que apenas parte do Futuro está definido, as linhas gerais, os macro eventos, mas não exatamente os agentes destes eventos. Talvez o Armageddon esteja destinado irrevogavelmente a ocorrer, mas não exatamente os seus agentes, e desta forma, a liberdade individual está garantida.
------- Como analogia, podemos dizer que ao organizar-mos um campeonato, determinamos que haverá um campeão, mas não estamos dizendo quem este será.
------- Mas esta solução, a meu ver, falha em tentar viabilizar racionalmente as profecias no âmbito teologia cristã, com a bem sucedida solução anterior ao problema da Onipotência X Liberdade. Por ao menos dois motivos interligados:
------- 1 - Como é possível estabelecer um Macro evento sem controlar os Micro eventos? Em especial um Macro evento de alta precisão? Na analogia do campeonato, teremos que fazer regras, proibir certas participações, estabelecer uma série de limites, sendo assim, é muito difícil que mesmo uma pré-determinação de macro estruturas não determina ao menos algumas das micro estruturas.
------- 2 - De um modo ou de outro, para que tal ou qual profecia se realize, algum terá que cumprir certos papéis, mais uma vez, para pelo menos algumas pessoas a liberdade seria tolhida. Isso encontraria respaldo até mesmo na Bíblia, onde abundam casos onde Deus deliberadamente induz pessoas a se comportarem de tal ou qual forma.

------- Por fim isso abre caminho para um Universo realmente perverso, onde alguns seres racionais tem escolha e outros não. E se todos as pessoas decidissem se regenerar e neutralizar por completo o Armageddon? Se isso não for possível, a liberdade está anulada, se for, existe então a possibilidade de não realização do mesmo, e a profecia deixa de ser infalível.
------- É claro que ela ainda possui alto grau de probabilidade, mas estamos falando aqui de um Ser Onisciente, que apresente conhecimento ABSOLUTO, e não meramente probabilístico, que é uma possibilidade plausível a qualquer Ser Humano.

SOLUÇÃO FINAL

------- Há porém, uma resposta que me parece ser definitiva, ainda que um tanto apelativa. Implica em afirmar fortemente a total Onipotência Divina, e sendo assim, ele TEM O PODER DE conciliar coisas aparentemente inconciliáveis, como a Onipotência, Onisciência e Livre-Arbítrio.
------- Ou seja, é o inverso da solução que nega a Onipotência. Porém, ela parece um tanto autoritária. Se apresenta como uma espécie que recusa de discussão do problema, visto que apela para o próprio problema que se propõe a explicar.
------- Ainda assim, sinceramente, creio que aceitar essa solução ou não é uma questão de escolha individual, não me parecendo muito produtivo contestá-la, e praticamente reiniciar a discussão.
------- Ela ainda implica em outro problema incômodo, pois se é assim, então porque Deus não nos faz capazes de entender tal solução, ou nos faz parar de contestá-la?
------- Se ele tem tal poder, não poderia então também, eliminar o Mal sem violar o Livre Arbítrio?

ENFIM

------- Continuo convicto na resolução de que o problema não tem solução. Trata-se de um paradoxo, tal como outros mais ou menos aceitáveis. É válido lembrar que não sou o único a compartilhar desta posição, o próprio Agostinho, ao que tudo indica, sucumbiu ao Determinismo posteriormente, abandonando boa parte das teses que defendeu em “O Livre Arbítrio”.
------- Outra evidência inconteste deste fato, é o da existência dos Calvinistas e sua teologia da Pré-destinação, num sempiterno conflito intelectual como Arminianos, defensores do Livre-Arbítrio.
------- Outro fato notável é o do posicionamento romanista, que tende a assumir a posição da Solução mais satisfatória ainda que parcial. A Igreja Católica é bastante prudente em não se posicionar publicamente sobre assuntos relativos a profecias, com isso, a solução que permite a conciliação da Liberdade com a Onipotência ganha maior possibilidade, ainda que em detrimento do teor apocalíptico típico do Cristianismo.
------- Sempre gosto de ilustrar essa solução como a analogia de que “Se o Universo é um Livro, Deus é o Escritor”.
------- Ora, o escritor tem o poder de determinar tudo em seu livro, ele não pode se eximir da responsabilidade no que ocorre a seus personagens. Ou pode?
------- Bem, muitos romancistas, eu incluso, percebem nitidamente que num certo momento da escrita de um romance, onde se cria um mundo, especialmente no meu caso, o de escritor de literatura Fantástica, onde se cria mundos diferentes, culturas extremas, civilizações exóticas e personagens estranhos, bem, percebem claramente que os personagens parecem tomar vida própria num certo momento, e não raro frustram as intenções do próprio autor.
------- A obra parece se densificar tanto que fica difícil “fazer o que quiser com ela”, e nem mesmo planos iniciais muito bem elaborados funcionam. Meu caso é bem típico. Em
“As Senhoras de TERRANIA” criei um mundo que trazia uma profecia apocaliptica a ser realizada, e a medida que o fui desenvolvendo ao longo de 4 livros, que juntos são maiores que a Bíblia, simplesmente não consegui realizar mais a profecia da forma como queria, pois o mundo se tornou tão complexo e fascinante, que eu vi que este era bom, bom demais para ser exterminado, ao menos da forma como eu previa.
------- Quem garante que com Deus não ocorreria o mesmo? E se ele definiu as linhas gerais do Universo e depois mudou de idéia? Quem garante que Este é de fato Imutável? E se foi ainda mais longe, como o fazem certos escritores, que sorteiam o destino de sua obra nem que seja na base do “jogo de dados”? Para desespero de Einstein. Mas, como eu disse em meu trabalho anterior, isso não seria, a aleatoriedade, uma ainda maior ameaça à liberdade?
------- Devo dizer, não sou o primeiro a ter esta idéia. Jostein Garder, em “O Mundo de Sofia”, traça estória semelhante. Não quero aqui também entrar na contenda sobre a imutabilidade de Deus.
------- Para mim, como eu disse antes, não posso crer num Deus realmente imutável e perfeito, prefiro crer antes num escritor, onipotente sobre sua obra, mas que se apaixona por ela a ponto de deixá-la conduzí-lo, e após molhar suas páginas cósmicas com suas lágrimas, tentar da melhor forma possível melhorá-la para garantir à todas as suas criaturas um final feliz.


Existe Liberdade no Oriente?

------- O escritor norte-americano Joseph Campbell, autor de “As Máscaras de Deus”, foi o primeiro a me chamar a atenção, em especial em sua obra “Para Viver os Mitos”, para a diferença cultural entre Ocidente e Oriente no que diz respeito à individualidade. Além de insistir que nosso conceito de indivíduo nada significa para a típica mentalidade oriental, em sua análise, ele detecta que até mesmo o conceito de reencarnação predominante em cada hemisfério é pautado pela preponderância da sobrevivência do "Eu" no modelo ocidental, e pela dissolução do mesmo no modelo oriental.

------- Para melhor entender esta idéia, achei melhor nos desvencilhar de nossos confusos termos ALMA e ESPÍRITO. O primeiro, originalmente Anima, implica na idéia de "algo que move", uma espécie de força motriz, e poderia então ser usado para ilustrar o entendimento geralmente difundido pelos orientais, especialmente os hindus, de que cada um de nós, seres vivos, possui uma "alma" responsável pela vida de nosso corpo, uma centelha. Entretanto, com o tempo, nosso conceito ocidental de Alma evoluiu para uma "essência" que abarca nossa individualidade.
------- Da mesma forma o termo Espírito, antes derivado da idéia de "Sopro", teve trajetória semelhante. Inicialmente visto como uma mera "Força Vital" capaz de "animar" os seres, posteriormente passou a ser considerado como um depositário da nossa individualidade. Hoje temos os dois termos sendo usados no sentido de implicar em individualidade, bem como também temos sistemas de pensamento que distinguem os dois como sendo um o depositário do "Eu", e outro a essência vital.
------- Devido a esta confusão, decidi não usar nenhum dos termos, substituindo-os pela idéia de Mente, para designar o repositório do Eu e da Individualidade, e banindo o conceito de vitalismo junto com termos de significância "anima" ou "pneuma". Inclusive há sistemas de pensamento que diferenciam a Mente da Alma ou Espírito, geralmente colocando um desses últimos como superior.

------- Com a palavra Mente, é preciso de imediato estabelecer a grande diferença. No ocidente, em especial hoje em dia no Espiritismo, tem-se que a Individualidade é preservada. A Mente sobrevive intacta após a morte física, e pode ser reinserida num novo corpo. Uma vez reencarnada, a Mente perde a maior parte da memória dos eventos de suas vidas prégressas, como já dizia Platão com o mito do rio onde as "almas" devem se banhar antes de vir ao mundo, que tinha a função de remover-lhes as memórias. No entanto, vale lembrar que tal amnésia é apenas temporária, geralmente. Uma vez de volta ao mundo espiritual, a Mente pode recuperar todos os seus conteúdos, dependendo, como diz o Kardecismo, de seu grau de Evolução, podendo até mesmo recuperar as memórias de todas as suas existências anteriores, promovendo um continuum multi existencial.

------- No Oriente tal idéia é menos popular, o conceito de "alma-grupo", como dizem alguns, costuma implicar numa dissolução definitiva do "Eu" em um "oceano" espiritual coletivo. Como dizem os zen-budistas, a Mente individual nada mais é do que uma das ondas do Mar, e sendo assim ela é, como todas as outras, "Água". Desse modo, pode-se dizer que a Mente não tem permanência, ou não deve ter, mesmo porque no budismo o objetivo é a dissolução da mesma.
------- Mas a diferença porém, pode ser vista mais em grau do que em gênero, pois no Espiritismo Ocidental também temos a idéia de que somente um certo grau de desenvolvimento do "Espírito" permite a conservação de sua individualidade, da mesma forma que no Oriente temos a idéia de que seres de certo nível espiritual, como budas e avatares, conservam certa individualidade.
------- Desse modo, para uma diferenciação mais justa, podemos dizer que o conceito ocidental tende mais a idéia da preservação do Eu individual, enquanto no oriente, tende-se mais a idéia da dissolução do mesmo, o que aproxima-se do conceito original tanto de "alma" quanto de "espírito" como meras "centelhas vitais".

------- Sendo assim, qual a imediata implicação disto para o conceito de Liberdade?

------- Simples. Não ocorre que a Liberdade esteja diretamente ligada à Vontade? E como poderia a Vontade existir em seres sem individualidade?
------- Somente o Eu, uma Mente Autônoma, poderia ser volitiva, fazendo do Livre-Arbítrio uma Potência Apetitiva, como dizia Tomás. Apenas um ser dotado de Vontade pode ser Livre. Se a Mente é preservada após a morte física, o mesmo se diz da vontade, e do Livre-Arbítrio, condição necessária, ainda que não suficiente, para o exercício da Liberdade.
------- Numa concepção de mundo onde a Mente se dissolva num Panpsiquismo, a individualidade e logo a vontade individual, é aniquilada, o que como disse Kardec em sua crítica ao Panteísmo, quase equivaleria a extinção, restando no máximo a vontade do coletivo. Isso explica o porque dos orientais aceitarem tão mais passivamente que os orientais a idéia do interesse de uma coletividade como superior a qualquer interesse individual. Explica a persistência da sociedade hindu em sua estratificação de castas, onde o argumento religioso era inclusive usado como validação.
------- Era costume comum na China que governantes ao morrerem condenassem automaticamente à morte toda a sua corte, resultando em túmulos onde centenas de pessoas eram enclausuradas vivas, ou mortas mesmo quando jovens. Embora tenha ocorrido casos similares no ocidente, eles são bem menos recentes e menos potentosos.

------- O ocidente também tem seu paralelo na justificação de uma ordem social como transcendentemente estabelecida. A própria "Cidade de Deus" de Agostinho tem esse teor. Porém mesmo assim, a crença predominante, da ressureição, implica na completa preservação de uma individualidade, pois mesmo o corpo será restituído, ainda que haja desenvolvimentos teológicos que indiquem uma certa desmemoriação no pós-morte, como uma espécie de condição necessária para a felicidade no paraíso.
------- Mesmo quando baseado na crença reencarnacionista, a mentalidade ocidental tende à conservação da individualidade, ao menos desde o Orfismo, pois deve-se levar em conta tradições reencarnacionistas célticas que parecem sugerir a dissolução do individual no coletivo. Hoje porém, como pode-se notar, a mentalidade ocidental trabalha em geral com a perspectiva da conservação de sua individualidade, chegando ao ponto de inferir que tais e quais personagens históricos sejam manifestações de um mesmo "Espírito", idéia que ocorrendo também no Oriente se limita a seres de alto nível, como os Avatares.
------- Outro indicativo é a tendência dos ocidentais em descobrirem “quem foram” em suas vidas passadas, via de regra “descobrindo-se” como personagens de destaque e se identificando com os mesmos, idéia que evidentemente pressupõe uma linhagem de individualidade. Em alguns casos até mesmo se utilizam termos mais sofisticados, como as “Mônadas” leibnizianas, para representar a idéia da parte individual estrita, que segue imutável ao longo de todas as existências. Alguns gnosticistas chegam até a afirmar que estas mônadas possuem um nome próprio perene.

------- São todas idéias difíceis de se encontrar no imaginário oriental, e esse forte elemento cultural explica também, ao menos em parte, a baixa importância que a idéia de Liberdade possui no oriente, se comparado ao ocidente, a ponto de serem escassos os termos chineses para liberdade. Notar inclusive que da recente invasão de Kanjis (ideogramas Japoneses e Chineses) que tem ocorrido no Brasil como adereços, vê-se com frequência termos como Amor, Amizade, Proteção, e etc, mas inexiste o termo Liberdade, tão caro aos ocidentais.
------- Com tudo isso, pretendo chegar como resultado final, à idéia de que a tensão entre LIBERDADE e DETERMINISMO não parece ter apelo significativo no oriente, pelo simples fato de que aceita-se o determinismo com muita naturalidade, em todas as suas variadas formas.
------- Pressupor uma onipotente ordem universal suprema, uma diretiva que deve ser seguida, quer seja com o nome de TAO, DHARMA, cada qual com seus mecanismos de contenção de conduta e punição, sobretudo quando tal ordem é impessoal, não parece deixar qualquer margem à apelação.
------- Não parece ser necessário afirmar a onipotência de Brahmam, ela é evidente por si mesma, o dilema da liberdade não parece ter qualquer relevância para a típica mentalidade oriental, e não poderia ser de outra forma, visto que sequer há um apelo a idéia de individualidade.
------- Sigmund Freud pode ter sido pioneiro em seu sistema de divisão da psique, mas somente até certo ponto. Ela está evidentemente previsto em diversos sistemas de pensamento mais antigos. Os próprios filósofos judáicos antigos já reconheciam a potência das pulsões instintivas humanas e que o grande “homem” era aquele capaz de domá-las e usar sua força na construção de atividades mais elevadas, tal como para Freud, toda a força da psique vem do ID.
------- A divisão Ig, Ego e Superego, encontra seu paralelo também em Platão, quando este sugere a divisão da psique humana em Apetites, Coragem e Razão, e sistema similar podemos ver em Agostinho, ao colocar a Mente num nível intermediário entre a força das paixões inferiores e a sabedoria da luz divina.
------- O importante é que o Ego aqui desempenha um papel central. Para Freud, o Ego está submetido às pressões do Id e do Superego, tal como nas típicas ilustrações onde temos uma pessoa num dilema, entre um diabo e um anjo a tentar-lhe a vontade. É revelador que se represente as paixões, Id, pulsões, apetites e etc, como um personagem caricato, um Diabinho, a parte da consciência elevada, luminosa, e etc. como outro personagem caricato, um Anjinho, mas a parte que deve desempenhar o papel afinal, não seja caricaturada, pois é própria pessoa.
------- Essa é a idéia de Ego, o Eu, a Individualidade.

------- Como seria a idéia de Ego no oriente? É curioso observarmos que nossas traduções podem nos por em apuros, mas ao que tudo indica, qualquer que seja o termo que traduzimos por Ego, os orientais parecem unânimes em considerá-lo como algo a ser superado, dissolvido, deixado. O ocidental por outro lado, visa basicamente o crescimento e aperfeiçoamento do Ego, a própria Psicanálise visa fortalecer o Ego.
------- Temos inclusive vertentes do pensamento oriental que pregam a existência dos múltiplos Egos, como impurezas a serem eliminadas de algo mais puro e impessoal, que seria a centelha divina existente em nós.
------- Por fim, ainda que precipitadamente, pois muito mais poderia ser dito sobre essa curiosa discrepância entre os hemisférios globais sobre a individualidade, temos a insistente resistência oriental em manter os casamentos arranjados, a fidelidade perpétua de uma pessoa à um grupo, uma empresa, uma família, ao passo que os ocidentais pregam a diversificação, mudança, transição.
------- No Japão por exemplo, no que se refere à profissão, os níveis de confiabilidade, remuneração e “honra”, que por sinal é uma medida da adequação do indivíduo ao seu papel social, são diretamente proporcionais a seu tempo de permanência numa única empresa, na qual provavelmente estará por toda a vida. Caso ocorra a fatalidade de uma mudança, uma demissão ou similar, perde-se totalmente qualquer referência, e começa-se tudo do zero. No ocidente pelo contrário valoriza-se a trajetória individual. O profissional que passou por várias empresas, desde que de forma ascendente, demonstra seu valor como indivíduo dinâmico, capaz de conduzir sua própria existência.

------- A individualidade pode ter sido uma das maiores “invenções” da humanidade, e somente ela permite que se sinta de modo tão dramático a questão da Liberdade, e consequentemente a preocupação com a “ameaça” da determinação de uma entidade reguladora universal.
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O Nascimento do "EU" no Ocidente
(Com Data Hora e Carta Astrológica Completa!)

------- A individualidade não é estranha somente ao oriental, ela também continua estranha à maior parte das culturas primitivas, foi durante muito tempo estranha ao próprio ocidente, e continua sendo para muitos grupos específicos. Não resisto a tentação de reproduzir um trecho de Joseph Campbell:

------- “...as idéias recentemente desenvolvidas no Ocidente sobre o indivíduo, sua personalidade, seus direitos e sua liberdade não tem qualquer significado no Oriente. Não tinham significado algum para o homem primitivo. Nada teriam significado para os povos das primeiras civilizações da Mesopotâmia, do Egito, da China ou da Índia. São, na verdade, repugnantes aos ideais, aos propósitos e às normas de vida da maioria dos povos desta Terra. Não obstante - e eis aqui o meu segundo ponto - são a “coisa nova” realmente grande que de fato representamos para o mundoe que constitui nossa revelação ocidental sobre um ideal espiritual propriamente humano, verdadeiro para a mais elevada potencialidade de nossa espécie.” (Para Viver os Mitos, página 55)

------- Campbell pode exagerar, mas entendo seu pensamento. A idéia de individualidade só pode fazer sentido num grau de maior desenvolvimento cultural, onde uma pessoa pode, teoricamente, viver de modo relativamente isolado de um contato mais invasivo com seus semelhantes, na medida em que pode usufruir de todos os benefícios da civilização sem que para isso tenha necessidade de diretamente fazer parte de um grupo capaz de lhe anular a individualidade. Ainda que muitos o façam. Hoje podemos viver “sozinhos”, nos reservando aos contatos sociais menos incisivos, mas que chance teria de fazer isso um homem primitivo, sem se tornar um ermitão?
------- A sobrevivência num mundo naturalmente brutal exige de nós a associação e suboordinação a um grupo com suas regras e estruturas rígidas, e se isso de certa forma nunca mudou, a diferença é que hoje podemos nos limitar a obedecer um conjunto de regras que parecem dar cada vez mais espaço a uma vida privada.
------- Por isso, a idéia de Indivíduo, e consequentemente a de Liberdade, não parece mesmo fazer sentido na maioria dos contextos humanos que já existiram, mas parecem fazer muito sentido agora, em especial para nós ocidentais, em especial talvez para os herdeiros diretos da revolução francesa, e talvez mais em especial para os norte-americanos.
------- É fato que se removermos a idéia de “liberdade” a maioria dos hinos nacionais ocidentais fica inviabilizado, mas os norte-americanos tomaram para si as cores do iluminismo, e invocam a palavra Freedom com tanta frequência e eloquência que chegam a incomodar seus vizinhos. Em parte isso pode ser explicado pelo fato do ocidente, em especial as américas, terem recentemente convivido com a escravidão explícita, mas isso não parece suficiente.
------- Muitos dirão que a individualidade surge no renascimento, Descartes e sua viagem egocêntrica do “Penso Logo (Eu) Existo”, Hobbes, Locke e Rosseu com suas concepções sociais de Ser Humano, já tendo examinado a questão do Contrato Social e a relação inversa entre a Associação Civil e a Liberdade Individual, Berkeley e sua anulação da própria materialidade do mundo, Kant com sua Revolução Copernicana Epistemológica e muitos outros, precedidos da rebeldia notória de Giordano Bruno e seu Universo Infinito repleto de possibilidades de realização, onde em algum mundo reencarnaria, individualmente.
------- Mas podemos rastrear ainda mais abaixo, no próprio Cristianismo e sua Justificação pela Fé, algo mais (ou seria menos?) que a simples subordinação a um sistema de leis, que poderia ser adotada por qualquer um mediante um simples decisão individual. Ou talvez com os próprios gregos antigos e sua “rebeldia” filosófica.
------- Não é muitíssimo curioso que seja justo no “hemisfério da liberdade” que tenham existido as formas mais extensivas e marcantes de escravidão? Ou seria que o oriente não teria necessidade de tais sistemas escravistas, por já pressupor uma existência “não-livre”?

------- O mais importante todavia, o ponto que quero colocar aqui, é que nossa idéia de liberdade é mais confusa do que parece em termos históricos, e talvez isso explique por que ela só poderia ser então confusa de um modo geral.
------- Confusa porque, diferente do que pode parecer, ela está longe de ser consensual mesmo em seu âmbito mais básico, e isso se reflete nos peculiares elementos que pretendo abordar.
------- Segue-se:
------- Na vida primitiva, a regularidade do mundo de imediato se fez notar, e com ela a suposição de uma grande ordem cósmica. Com essa ordem, os deuses ordenadores, a determinação, o destino, as certezas do mundo e da vida, tão invioláveis quanto os ritmos celestes. A matematização dos astros permitiu a Astronomia primitiva, na forma de Astrologia, que misturava-se com a Mística e a mais original Psicologia humana.
------- Ocidente e Oriente desenvolveram seus sistemas Astrológicos e ambos possuem sua conta de ameaça à liberdade. Os Astros determinam! Se você nasce sob tal ou qual condição astrológica, você Será assim!
------- Não há lugar para a questão do que você quer ser, ou gostaria de ser, mas sim diz-se o que você é, e será. Os modelos astrológicos contemporâneos e mais sofisticados, em especial ocidental zodiacal, atenuam isso, numa estruturação mais complexa que acrescenta um certo nível liberdade, mas ele só funciona nos estágios intermediários de aprofundamento no sistema. Nos níveis mais altos, surgirão complicadas questões filosóficas e o insondável paradoxo da Determinação contra a Liberdade, nos níveis mais baixos e populares, e Liberdade não tem a menor chance.
------- É na Astrologia de fundo de quintal, na Horoscopia de colunas de jornal, que a idéia de liberdade é mais implacavelmente agredida, ou desprezada, e isso não seria nada espantoso não fosse o fato de que isso seja feito pelas mesmas pessoas que a prezam e a pretendem conservar.
------- Se examinarmos o número de americanos, inclusive nas camadas mais esclarecidas, que recorrem a alguma forma de Astrologia, não demoramos a notar que é impossível que não haja sobreposição entra as pessoas que valorizam e exaltam a liberdade, e as que estão prontas para aceitar as determinações dos astros.
------- Se as cartas astrológicas realmente forem capazes de explicar e prever o comportamento humano, haveria alguma admissão mais tácita de que nosso destino está traçado? Determinado por uma força cósmica superior, e o pior de tudo, impessoal, para a qual sequer se pode suplicar?

------- A Astrologia Oriental é muito menos contraditória em termos culturais, haja visto que os orientais estão menos preocupados com a idéia de Liberdade, razão pela qual talvez o Socialismo estilo não-marxista tem resistido muito mais na China do que em qualquer outro local. Mas por que a Astrologia é tão popular no Ocidente? Não deveria ser aqui a terra da liberdade?
------- No Oriente temos um perpétuo Tao, uma ordem dos 5 elementos e seus trigramas do Yin-Yang, os ciclos construtivos e destrutivos, o I Ching e todas as demais formas de perpetuar a idéia de uma regularidade previsível e predominantemente harmônica, marcada pela roda incessante de um devir cósmico que arrasta consigo as existências humanas independentemente de elas o quererem ou não, e é melhor que o queiram, caso contrário estarão “remando contra a corrente”, e é menos desgastante se harmonizar com o ciclo natural das coisas e se deixar levar pelo ritmo incessante e natural do universo.
------- Mas no Ocidente? Criamos sistemas de pensamento lineares. Não cíclicos. Nossas religiões dominantes tem uma criação e prevêem uma “destruição”, e são em geral mono existenciais. Não há um Universo auto suficiente e regular, mas um Ser Superior que o criou e que pode interferir no mesmo sempre que bem entender.
------- Não sendo isso, temos “espiritualismos” multiexistenciais cujas metempsicoses não admitem que reencarnemos em seres inferiores. Sequer usamos a palavra Dharma, e mesmo nosso Karma não é tão forte a ponto de nos fazer regredir nos reinos vitais. Enquanto para Buda o Karma é absolutamente inevitável, para Kardec é possível se esquivar dele se evoluirmos mais rápido do que o tempo de cumprí-lo, e o mais interessante, o Karma é na verdade um instrumento voluntariamente usado pelo espírito para acelerar sua evolução, se assim o quiser!

------- Não sendo religiosos, muito ocidentais, no caso de não ateus ou agnósticos, costumam ainda assim compartilhar de idéias de liberdade e individualidade, e no entanto então impregnados com crenças arcaicas construídas antes da idéia de “Eu” que agora possuímos. Importamos um conhecimento desenvolvido há mais de 3 mil anos, praticamente incólume, para os dias atuais.
------- Outrora os Astrólogos foram Astrônomos, hoje, os Astrólogos não são capazes de diferenciar uma estrela de um planeta nos céus, a Astrologia perdeu totalmente seu caráter uranográfico, mas manteve totalmente seu caráter psicológico, este, diga-se de passagem, impecavelmente atual no que se refere a categorização dos “tipos” psicológicos. Resta então a pergunta, sem a referência astronômica, porque os astrólogos ainda acreditam que os perfis psicológicos, que indiscutivelmente existem, podem ser definidos pela data de nascimento?
------- É obvio que existem pessoas de comportamento Sagitário, e é bastante impressionante o que se pode esperar do relacionamento de pessoas de relacionamento com “Signos de Fogo” e pessoas de “Signos de Água”, alegorias baseadas nos 4 elementos da antiga filosofia grega, relacionados aos 4 temperamentos. Mas porque tais perfis são definidos pela data de nascimento? Ou melhor, quem define isso? Uma vez que os Astrólogos de hoje são totalmente dependentes dos céticos observatórios astronômicos para qualquer observação celeste.

------- Creio que isso reflita bem a confusão em que está imerso o conceito de liberdade no ocidente. A maioria de nós sequer percebe a óbvia contradição entre o determinismo típico dos modelos astrológicos e a liberdade individual. Se duas pessoas tem a mesmíssima carta astrológica, o que é extremamente comum, eles não deveriam ter no mínimo comportamentos muito parecidos?
------- Criamos a idéia de um “Eu Livre”. Um agente individual volitivo, mas curiosamente, nem mesmo nós parecemos ser capazes de entedê-lo direito. O bom e velho chavão “Nossa liberdade termina onde começa a alheia” parece ser de fácil assimilação, mas ainda não resolvemos nem mesmos nossos dilemas jurídicos mais básicos, em especial na relação entre a liberdade individual e o poder do estado.
------- A que deveríamos atribuir tal estranho comportamento?

------- A meu ver, nada disso deveria surpreender, uma vez que durante dois mil anos vivemos sob um paradoxo muito mais denso e insondável, o Determinismo Divino Volitivo, contra a esperança individual de volição.


Fechamento

------- Sim. Considerando que há dois milênios estamos arrastando uma concepção teológica com o intratável paradoxo da Onipotência X Liberdade, observar outros níveis de paradoxos semelhantes nas camadas mais populares não deveria surpreender muito, afinal, mesmo os mais eruditos estudiosos não solucionaram, ou não trataram devidamente a questão.
------- Permanece incômodo notar que aflige a nós, ocidentais, uma problemática que não parece relevante para a mentalidade oriental tradicional, onde por sinal, se encontra a maior parte da humanidade.
------- De certa forma, devemos admitir, há conforto na idéia da determinação. Nos é agradável achar que podemos estar determinados a realizar um grande feito, que o destino nos reserva uma vida feliz ou que nós e nossos amados sejamos de fato feitos um para o outro. Por outro lado, para alguns, é menos doloroso aceitar que fomos vítimas de um fatídico destino do que admitir nosso fracasso. Não para mim, pessoalmente falando, pois prefiro pensar que ao menos tive uma chance.

------- Voltando à minha analogia do escritor. Devoto agora às minha obras escritas o mesmo amor que eu gostaria que Deus devotasse ao seu mundo. Talvez ele tenha escritos dois livros ambientados num mesmo planeta, um com a história da civilização do Oeste, e outro com a do Leste, e depois, numa terceira obra, tenha decidido unificá-las.
------- Talvez as grandes heroínas que surgirão neste novo romance sejam exatamente a Liberdade e a Individualidade. Concordo com Campbell que são a maior dádiva que o ocidente já criou. Talvez sejam mesmo as vedetes de uma nova era da humanidade.
------- Outrora, num primeiro capítulo, ou volume, da história humana, tenha sido a era do coletivismo primitivo, das pequenas comunidades, seguiu-se então a era da ascensão das grandes civilizações, a saber, Oriente Médio, Extremo Oriente, Europa, Américas.
------- Talvez estejamos agora a adentrar uma nova e talvez terminal saga de uma trilogia, onde a idéia de individualidade ajudará, paradoxalmente, a construir uma coletividade muito mais lúcida e humana, capaz de desenvolver nossas potencialidades num nível nunca antes visto.
------- Por mais defeitos que existam em nosso mundo contemporâneo, não podemos negar os grandes avanços que fizemos em termos de liberdade individual e de consciência.

------- Só espero que usar bem essa Liberdade, seja o nosso Destino.

Marcus Valerio XR
24 de Junho de 2004



BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO. O Livre Arbítrio. Tradução de Antonio Soares Pinheiro, Braga Faculdade de Filosofia, 1986.

CAMPBELL, JOSEPH. Para Viver os Mitos. Editora Cultrix SP. 1972

TSAI CHIH CHUNG. Zen em Quadrinhos. Editora Ediouro. 1994

ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL


MONOGRAFIAS

"DEUS ME LIVRE"