A Máquina do Tempo: O Resgate do Viajante
RONALD RAHAL

"Não há razão para nos considerarmos o pináculo de um processo que ainda tem outros cinco bilhões de anos pela frente. Que forma o próximo passo irá tomar, onde e como acontecerá, e mesmo que espécies existentes participarão dele são perguntas irrespondíveis. O que será reconhecido amanhã como o organismo de bifurcação é um mero raminho terminal na árvore da vida hoje."

Christian de Duve



"O tempo é relativo e não pode ser medido exatamente do mesmo modo e por toda a parte."

Albert Einstein

“A matemática goza perante as outras ciências de consideração especial por um só motivo: as suas proposições são absolutamente seguras e indiscutíveis, enquanto as de outras ciências são, até certo ponto, discutíveis e encontram-se sempre em perigo de serem derrubadas por novos fatos”.(…) “Como é possível que a matemática que é, no fundo, um produto do pensamento humano, independente de toda a experiência, se adapte tão perfeitamente à realidade dos objetos? Poderá, pois a razão humana, sem experiência, só por meio do pensamento puro, investigar as qualidades das coisas reais? A Natureza é a realização de tudo quanto é matematicamente mais simples. (...) A experiência, claro, continua a ser o único critério de utilização de uma construção matemática da física. O princípio verdadeiramente criador reside, porém, na matemática."

Albert Einstein

Prólogo.

- - - - - Anteriormente, na primeira parte da continuação da Máquina do Tempo, o Viajante retorna ao cenário de sua primeira viagem, para resgatar sua amada, a delicada Weena, das garras dos terríveis Morlocks. Depois, com o decidido propósito de evitar o surgimento destas abomináveis criaturas, ele inicia uma viagem pelo tempo, para descobrir as causas que originaram tais seres e, se possível, impedi-las que ocorram, eliminando-os assim, da linha temporal. Nessa empreitada, descobre estarrecido, que o tempo reserva suas próprias surpresas àqueles que tentam modificá-lo, revelando que foram as suas ações que causaram, de forma involuntária, os acontecimentos que propiciaram a origem destas bestas. Após praticar estes atos, no sentido de concretizar o objetivo máximo que se propusera, torna-se amargurado por não tê-lo alcançado. Por fim vê-se em meio a um terrível cataclismo, que por pouco, não ocasiona sua morte e da Eloi, que resgatara com muito esforço. Ao tentar fugir, descobre que a delicada barra de cristal da Máquina do Tempo está trincada, impossibilitando a fuga de ambos. Quando já perdera todas as esperanças, é salvo no último instante, por um jovem desconhecido, que sem seu conhecimento, nada mais é do que seu filho, fruto da união entre ele e Weena, ainda por acontecer numa época posterior a esta viagem.
- - - - - Graças a esta ajuda, consegue retornar ao seu tempo. E deverá se conformar em conviver com o eterno dilema de não pode alterar o futuro, para não perder a mulher que ama no presente. Após um hiato de quase vinte anos, desaparece misteriosamente de sua oficina, onde continuava fazendo experiências para aperfeiçoar seu invento, longe dos olhos da humanidade. O único indício de seu paradeiro é o resultado de uma estranha interferência, provocada pelo novo aparelho, no qual trabalhava, sobre o painel da Máquina do Tempo, que registrara o longínquo ano de 7.101.235.
- - - - - O filho do Viajante, que até então desconhecia a origem da mãe e as viagens que o seu pai fizera, é posto a par destes segredos, sendo incumbido de salvá-lo, através da Máquina, fazendo uma parada no meio do caminho, para lhe entregar uma nova barra de cristal e depois, resgatá-lo de quem ou o quê, o transportara para aquela data futura da história da Terra.

Capítulo 1 – O desaparecimento do Viajante.

- - - - -Eu, já os alertara sobre a probabilidade de minha saúde, própria da minha idade avançada, impossibilitar relatar esta última parte dos acontecimentos que envolveram, desta vez, não só o Viajante como também seu filho, numa jornada para salvá-lo dos perigos futuros e trazê-lo de volta a este meu tempo, que se aproxima cada vez mais do seu fim, como é natural na vida normal dos homens.
- - - - -Fui ajudado em parte, pela própria relatividade do tempo. Quando ele partiu, desesperado, procurando atender o pedido aflito de sua mãe, encarregado de uma responsabilidade que desconhecia as adversidades com as quais se depararia, imaginei, como da primeira vez, que talvez, o regresso seria longo demais e não estaria mais aqui, para ouvir o testemunho desta última aventura. Mas enganei-me, devido à minha ignorância da natureza estranha do tempo. Assim que partiu, para minha surpresa, retornou segundos após, com o primeiro Viajante do Tempo.
- - - - -Se no meu caso, a impressão era de que havia transcorrido apenas uma ínfima fração de um minuto, muito pouco tempo mesmo, em relação à vida inteira de um homem, para seu filho, esta nova aventura estendeu-se por um hiato de tempo muito mais longo do que aquele que meus sentidos haviam percebido. Seu pai já me alertara sobre estas confusões mentais, em que o juízo sobre a relatividade da passagem do tempo perde-se em vagos discernimentos subjetivos. Isto porque, independente de se avançar ou retroceder no tempo, este transcorre da forma habitual para aqueles que o percorrem, não impedindo o envelhecimento.
- - - - -No entanto, para um observador, fora destes deslocamentos temporais, a ilusão seria de que o mesmo não sofria estes efeitos de degeneração, se o visse, por exemplo, apenas em duas ocasiões; uma na juventude e outra na velhice. Para os que trilhavam este caminho, a viagem não exercia o papel de um elixir de longa vida. Apenas permitia, aos olhos externos, desacostumados as essas sutilezas, uma falsa sensação de eternidade.
- - - - -Após duas dezenas de anos, durante os quais, Weena foi rapidamente se adaptando aos nossos costumes, e o tempo seguiu seu ritmo normal, fomos conduzidos a uma nova guerra no continente. Se no principio, parecia apenas mais um desdobramento da problemática região balcânica, em poucos dias, envolveu as principais potencias. Devido a um obscuro e antigo tratado com a Bélgica, acabou arrastando o nosso país e acabou se transformando numa guerra nunca vista antes. Todos os homens que se envolveram, não sem certo entusiasmo, imaginavam que perduraria por poucas semanas e que seria um conflito que acabaria com todas as guerras. Eu fora otimista demais, imaginando que o século XX seria aquela época de ouro, de uma paz perene, tão almejada pela humanidade.
- - - - -A única coisa que ainda conseguia lembrar com exatidão eram minhas tolas predições sobre um futuro de grandes avanços sociais e científicos, sem guerras. Não que elas não pudessem acontecer, mas sim a forma como isto se daria, após o terrível conflito de 1914, e as próprias mudanças que pouco a pouco foram desmantelando o nosso Império, construído com muito sacrifício nos dos séculos anteriores. Até o Viajante, que correra célere para o futuro, em busca da sua Utopia, ficara surpreso com a sua eclosão. Ninguém ousara pensar que duraria tanto tempo, ceifando tantas vidas, trazendo tantos horrores e mudando a feição do mundo que eu conhecera.
- - - - -Como disse, certa vez o Viajante, pelo que pode observar da sua Máquina, por alguns incêndios que testemunhou, se de fato estavam mesmo relacionadas a guerras, estas iam e vinham, como a Peste Negra, mas a raça humana continuava teimosamente existindo.
- - - - -Talvez tivesse razão, pos vi novamente uma sombra se levantar no continente, acenando para mais uma hecatombe, provocada pelos efeitos da Grande Guerra que ainda reverberavam no tempo com suas questões não resolvidas. Os homens ainda não haviam se saciado o suficiente de tanto sangue.
- - - - -O meu amigo, que não se debruçara sobre os acontecimentos mais próximos do seu mundo, em 1900, recusara-se a acionar sua Máquina e examinar de perto o que nos aguardava nos cinquenta anos seguintes a esta data. Não era o medo de descobrir o que aconteceria e sim, de não resistir a tentar mudá-lo mais uma vez, com resultados imprevisíveis. Sua decisão irrevogável de não utilizá-la mais para fins próprios, nos condenaram as consequências das ações irracionais dos homens.
- - - - -Assim, nesse meio tempo, o Viajante acabou casando-se com Weena, numa cerimônia simples, dando prosseguimento à rotina de sua vida. Em pouco tempo ela deu à luz a um lindo filho, que à medida que foi crescendo, demonstrava possuir um espírito curioso, quiçá maior ainda que o do pai, e uma índole mais decidida do que a dele. Não foi surpresa quando ao atingir a maturidade suficiente, resolveu seguir seus próprios passos, evitando o curso de Engenharia, como era desejo de seu pai, seguindo o de Física, em Cambridge.
- - - - -Numa certa manhã, um mês depois da última visita que lhe fizera e quando já tinham transcorrido vinte e dois anos depois do nosso encontro, ocorrido naquela chuvosa noite de outono de 1908, Weena me procurou.
- - - - -Sua adaptação total aos nossos costumes e língua, já me fizera esquecer sua exótica origem, e confesso, que poucas vezes ainda me lembrava, que ela era uma Eloi e não uma respeitável senhora da sociedade londrina.
- - - - -Naquele momento procurou esforçar-se para manter suas emoções sob controle. O jovem Elroy, que contratara para me ajudar nos negócios, foi o primeiro a recebê-la e percebendo sua comoção, imediatamente bateu na porta de meu escritório, anunciando-a. Naquele momento estava atendendo um cliente e pedi-lhe licença por alguns instantes para saber do que se tratava.
- - - - -Diante daquele circunspeto homem de Bombaim, assim que ela entrou, este gentilmente lhe cedeu a poltrona. Weena recusou educadamente o gesto cavalheiresco pedindo desculpas pela intromissão, prometendo ser breve. Que só o fizera, pela urgência da situação e que devido a isto, e à nossa longa amizade, solicitava a minha ajuda, sem entrar em maiores detalhes. E que aguardaria lá fora, até que minha reunião terminasse.
- - - - -Eu conhecia o suficiente daquela mulher, para saber que poucas coisas a perturbavam devido ao seu forte caráter. Para ter vindo pessoalmente, naquele estado, até o meu escritório, deveria ter acontecido alguma coisa muita séria. Procurei despachar o representante da Índia, o mais rápido possível, sem ser deselegante ou desleixado com os negócios. Pedi a Elroy que suspendesse alguns compromissos daquele dia, delegando a ele, a responsabilidade para atender outros, agendados para mais tarde. Depois pedi a Weena que entrasse novamente, fechando a porta atrás de si.
- - - - -Ela não conseguiu conter algumas lágrimas, que rolaram pela sua face, servindo-se de seu delicado lenço para enxugá-las. Assim que se recompôs, perguntei-lhe o que havia acontecido.
- - - - -- Meu marido desapareceu. – disse ela, procurando se conter.
- - - - -- Quando foi isto?
- - - - -- Hoje.
- - - - -- Hoje? Não acha um pouco precipitado de sua parte, achar que ele desapareceu? Não teria ido a algum lugar, sem avisá-la?
- - - - -- Tenho certeza, de que não foi isto meu amigo.
- - - - -- Bem... Se estiver tão certa de que ele desapareceu, podemos ir até a polícia e pedir seu auxílio.
- - - - -Ela estendeu seu fino e delicado braço, tocando-me, dando a entender com isso, que minha ajuda era mais importante do qualquer polícia da Inglaterra. – Creio que nem eles poderão nos ajudar. Está além do que podem fazer.
- - - - -Devolvi o gesto, segurando suas pequenas mãos, procurando desta forma transmitir algum conforto, sem, no entanto, entender muito bem o que estava acontecendo. Apenas uma suspeita terrível passou por minha cabeça, mas a afastei imediatamente, procurando me concentrar no pedido de auxílio da frágil mulher.
- - - - -- Weena. Eh... Procure se acalmar. Conte-me tudo que houve desde o começo, para que eu possa ter uma visão melhor dos fatos e ver o que posso fazer para ajudá-la. Vou pedir ao Elroy, que consiga um pouco de chá para que se sinta mais confortável. Está bem assim, para você?
- - - - -Ela acenou em concordância e procurou se recompor, para me por a par do desaparecimento repentino do Viajante.
- - - - -- Você já sabe que ele, apesar de ter prometido nunca mais a usar a Máquina do Tempo, continuou a aperfeiçoá-la na oficina.
- - - - -- Sim. Estou sabendo disso, mas já faz algum tempo que não o visito. Os percalços pelos quais passou, diminuiu o seu ânimo de sair de Londres e por isso passa a maior parte do tempo naquele lugar. Estou estranhando este desaparecimento, se é, que de fato isto ocorreu. Ele...
- - - - -Elroy entrou com uma pequena bandeja, interrompendo a nossa conversa, e a depositou sobre a mesa, servindo uma xícara para Weena, retirando-se em seguida. Apesar de ser uma pessoa de extrema confiança, o que aconteceu com o Viajante, como foi combinado, deveria ser apenas do conhecimento de um seleto grupo de pessoas. Tal segredo, não deveria ser do conhecimento da humanidade, pelas infinitas repercussões que poderia causar, bem como pelos perigos potenciais que encerrava. Por isso, esperei pacientemente que fechasse a porta.
- - - - -- Pois bem, - disse ela - sorvendo um pouco do delicioso líquido. - De vez em quando ele me contava um pouco do que fazia na oficina. Como sabe, são assuntos que não domino, mas estava sempre disposta a ouvir o que tinha para falar. A solidão em que mergulhou, não podendo compartilhar com o mundo seus segredos, encontrava em meus ouvidos, uma maneira de extravasar este sentimento. E os mistérios do tempo ainda por descobrir-se continuavam a atrair sua atenção, através das constantes experiências que praticava. Uma delas o deixou bastante impressionado, sobre a qual discorreu um longo tempo, mas que infelizmente, não pude, devido aos meus parcos conhecimentos, contrapor-me como ele desejaria.
- - - - -- E você supõe que esta... Experiência poderia de alguma forma, provocar algum efeito que tenha contribuído para o seu suposto desaparecimento?
- - - - -- Não. Não tenho certeza disso isso. Não desta forma. Apenas sei que estava muito empolgado com o fenômeno que descobrira. Um brilho em seus olhos que não via há anos. Eu não posso afirmar que foi isto que causou... Ah! Perdoe-me. Não consigo conter-me e não estou bem certa, do que está acontecendo... Eu... Eu...
- - - - -Procurei confortá-la, dizendo-lhe algumas palavras carinhosas, com o intuito de tonificar o seu espírito, mas eu estava à par de que, apesar de amar Weena e muito, o Viajante sempre fora um misantropo, e após as viagens que realizara, recolhera-se mais ainda.
- - - - -Antes de conhecê-la, eu já me habituara à postura, não sei se para o bem, ou para o mal, do Viajante não compartilhar seus descobrimentos com o mundo científico só o fazendo raramente, como no meu caso. Com sua esposa, fizera uma exceção. Mas com o filho, que nascera dessa união, procurara mantê-lo até onde sabia, distanciado o máximo que podia de seu invento. Creio que sua intenção neste particular era de poupá-lo dos potenciais perigos que a Máquina representava, até que chegasse o dia em que ele teria de desempenhar o seu papel na trama do tempo, que se avizinhava cada vez mais. Mas com todas estas aflições de espírito, a seu jeito, nunca deixara de amar os dois, e satisfazer a insaciável curiosidade do rapaz. Talvez, para meu desgosto, tivesse chegado àquela hora em que seu papel seria cobrado e seu pai, não estaria aqui, para instruí-lo. Mesmo intuindo esta situação, não quis me antecipar, deixando que os fatos, fossem o juiz de minha decisão.
- - - - -- E o que aconteceu hoje, Weena?
- - - - -- Ele estava tão agitado, por causa do dia anterior que me levou bem cedo até o local de trabalho para me mostrar o que descobrira.
- - - - -- Sim?
- - - - -- Então, ele se posicionou entre a velha Máquina e um aparelho que construíra há alguns meses, ligando os dois. Você sabe, como se sinto perto dela. Ao ouvir o som daquele enorme prato, todas aquelas recordações terríveis...
- - - - -- Entendo Weena. Eu, certamente reagiria da mesma forma.
- - - - -- Eu queria sair, mas como sempre, seu poder de me persuadir, sempre transcendeu às vezes o bom senso. Apesar de sentir-me incomodada, por uma sensação estranha que não conseguia definir, permaneci com ele. Então meu marido começou a mexer ora em uma, ora em outra, descrevendo o que ia acontecer, à medida que fazia certos ajustes.
- - - - -- Continue Weena.
- - - - -- Mas alguma coisa inesperada sucedeu... Que o pegou de surpresa. Não pude fazer nada. Nada! Oh!...
- - - - -Ela entrou em prantos novamente, e procurei mais uma vez, confortá-la da melhor maneira que podia. Levantei-me e lhe dirigi algumas palavras de consolo, tentando tranqüilizá-la para que conseguisse terminar de me contar o que tinha acontecido com o Viajante.
- - - - -- Weena, eu sei que é difícil, mas se me disser o que ocorreu, poderemos chegar a algum ponto de partida. Um indício do que aconteceu. E aí, quem sabe, poderemos ajudá-lo de alguma forma. Procure se lembrar, exatamente dos fatos...
- - - - -Ela tomou mais um pouco de chá e esforçou-se em ficar serena.
- - - - -- Eu... Estava ali, parada, quando ele foi envolvido por... Por uma espécie de...
- - - - -- Do que Weena?
- - - - -- De uma névoa avermelhada.
- - - - -- Uma névoa avermelhada?
- - - - -- Sim. Foi tão rápido, que só consegui gritar seu nome. Ele olhou para mim surpreso e ainda fez um gesto, desaparecendo antes de terminá-lo. Tudo aconteceu tão rápido, que não tive a menor chance de ajudá-lo. Apenas fiquei ali parada, sem ação...
- - - - -Aquele testemunho de Weena era a coisa mais fantástica que eu tinha ouvido nos últimos vinte anos. Minha suspeita no inicio era de que ele tivesse finalmente, mudado de idéia e decidido usar a Máquina para mais uma viagem. Mas conforme o relato da Eloi, o que sucedera, estava longe disso. Além disso, o Viajante, jamais partiria, deixando-a aqui sozinha. Mas, se não era este o caso, o que ocorrera? E o mais estranho é que ele desaparecera sem fazer uso de seu artefato temporal. Teria sido algum efeito desconhecido? Ou pior? Alguma causa futura, que eliminara a existência do Viajante? Nada fazia sentido. Ainda mais sob o estado emocional em que Weena se encontrava, dificultando um encadeamento coerente de raciocínio.
- - - - -Meditei por alguns instantes, procurando por alguma pista, que pudesse nos ajudar, sem muito sucesso. Foi então que me lembrei das palavras dela, a respeito do gesto que o marido tentara executar. Ele sempre demonstrara possuir frieza suficiente para pensar com clareza nas situações mais adversas. Impossibilitado de falar, tentara lhe passar alguma mensagem de última hora? Algo que ela deveria fazer ou saber?
- - - - -- Weena, você consegue reproduzir o último gesto dele?
- - - - -- Creio que sim.
- - - - -Ela levantou-se da poltrona e se afastou alguns passos. Em seguida posicionou-se da mesma forma como o Viajante o fizera, pela última vez e executou o gesto. Não havia dúvidas. Se ainda as posições das máquinas, dentro da oficina, não havia sido mudada, desde a última vez que o visitara, ele apontara para a Máquina mais antiga.
- - - - -- Temos que ir até a oficina Weena. Lá se encontra parte da resposta.
- - - - -Abri a porta do escritório e pedi a Elroy que ficasse responsável pelos negócios, até o meu retorno, conforme o combinado.
- - - - -Ao sairmos na rua, pedi ao meu chofer que nos conduzisse até a parte norte de Londres, onde se situavam as instalações de meu amigo. Durante o trajeto, eu e ela, trocamos poucas palavras, devido ao nosso nervosismo e a ansiedade provocada pelo destino ignorado do Viajante. Esperava encontrar ali alguma informação que nos permitisse socorrê-lo. Caso contrário, teria que pensar numa solução radical, onde pela primeira vez, me jogaria na senda do tempo à sua procura. Tinha dúvidas se estaria à altura desta empreitada.
- - - - -Estacionamos o carro, perto do local onde ainda permanecia escondida da humanidade, uma dos maiores inventos científicos. Estivera eu, tão absorto em meus negócios, que à medida que se distanciava o ano do retorno do Viajante, minhas visitas foram se tornando cada vez mais raras, e nos cinco anos anteriores, poucas vezes havia feito isso. As redondezas, como é natural, tinham sofrido bastantes modificações, desde 1908. Agora se apresentava repleta de casas, onde antes medrava um belo bosque de faias.
- - - - -O receio de que ela pudesse chamar atenção de vizinhos curiosos demais e até de ladrões, o levara a construir um pequeno quarto, semelhante a um cofre, dentro da instalação. Sem janelas, com um único acesso, feito através de uma porta de metal, possuía uma fechadura especial com segredo. Além disso, ele reforçara a sua segurança com várias travas, que ao serem acionadas, impossibilitavam a entrada de desconhecidos. Devido a isso, o ar do local era renovado poucas vezes, tornando-se rançoso, o que me fazia sempre evitá-lo. Mas era o preço a se pagar, para que o engenho temporal continuasse ignorado pelo resto do mundo.
- - - - -Weena estava não só ciente desta precaução do marido, como fora uma clara e insistente defensora destas atitudes. Mais do ninguém ele conhecia os riscos potenciais que ela representava. Agindo em concordância com isso, trazia sempre em sua bolsa uma cópia das chaves para ser utilizada no caso de algum imprevisto. Além disso, procurara memorizar o segredo, precauções essas que se revelaram previdentes.
- - - - -Assim que entramos, procurei me adaptar àquele quarto pouco ventilado, mais preocupado com o Viajante, do que com este ligeiro desconforto. Ao vê-la novamente, as lembranças das vicissitudes pelas quais passara, vieram-me à tona e mais uma vez; o temor de perder o meu amigo, em algum lugar ignorado do tempo, me deixou aflito. Mas em vista da ansiedade da graciosa Eloi, procurei manter a serenidade, procurado elucidar seu desaparecimento da melhor forma objetiva, que meus nervos permitissem.
- - - - -Aquela peça de engenharia provocava em mim um sentimento inexplicável todas as vezes que a via. Parecia me convidar para uma viagem pelo tempo ao mesmo tempo em que me causava certa apreensão, como se de repente, começasse a funcionar sozinha, carregando-me a contragosto.
- - - - -Apesar destas impressões, continuava sendo uma obra única, que mantida as devidas proporções assemelhava-se a um David de Michelangelo. Seu enorme prato coletor apesar de ser composto de uma liga especial de metais combinava-se perfeitamente com os delicados tubos cristalinos que eram essenciais para o fluxo das partículas temporais. Mas não era uma obra de engenharia que visava apenas à funcionalidade. O viajante possuía suas sensibilidades artísticas e procurara dar um toque pessoal à sua obra, decorando-a com elementos retirados da contemporânea Art Nouveau. Assim, dispusera os tubos, não em ângulos retos, mas em suaves curvas que mais lembravam as pétalas de uma flor. Filigranas estavam presentes em todas as partes, desde o prato coletor até ao painel de controle, lembrando o suave entrelaçar de caules e folhas. Era difícil acreditar que aquele compósito de peças que aliava arte com engenharia era produto da mente de um único homem.
- - - - -Rodeia-a várias vezes e notei que sofrera pequenas modificações, desde a última vez que a vira. Provavelmente se tratavam de melhorias, não só resultantes de suas incessantes pesquisas, como também pela incorporação de acessórios calcados em descobertas que não paravam de suceder.
- - - - -Mas havia um outro aparelho, posicionado ao lado da Máquina, cuja função era totalmente desconhecida. Era sobre esse, segundo as palavras de Weena, que o Viajante, dedicara todos os seus esforços nestes últimos anos. Com certeza, deveria integrar-se ou completar alguma função sincrônica com a Máquina antiga, mas sem a presença de seu idealizador, eu só poderia conjecturar sobre seu propósito.
- - - - -Compunha-se da junção de pequenos pratos e uma haste de vidro, parecida a uma válvula de rádio. Mas alguma coisa de muito grave se abatera sobre ele. Estava todo enegrecido detalhe este, que não me fora antecipado. Talvez residisse naquela peça, alguma pista que levasse a uma explicação sobre o desaparecimento do meu amigo.
- - - - -Agachei-me para observá-la melhor e notei, apesar do meu parco conhecimento técnico o visível derretimento de algumas partes, causado por algum tipo de energia que aquecera os materiais acima do ponto de suporte da irradiação do calor. Mesmo assim, aguentara tempo suficiente para manter algum tipo de fenômeno físico desconhecido que levara o Viajante de nossa época. Que conhecimento futuro conseguira isso, sem dispor da Máquina?
- - - - -Levantei-me e por instantes, um sentimento terrível passou pela minha cabeça. Perguntei-me se na verdade, ele não teria sido vítima de suas próprias experiências. Estaria neste momento preso em alguma dimensão desconhecida sem poder retornar? Mas depois, dei-me conta que tal situação jamais teria acontecido, já que o Viajante era muito cauteloso em seus projetos e nunca se deixaria surpreender por qualquer reação inesperada de seus inventos. Então, a fonte da energia, não viera do interior da oficina. Sua origem deveria ser de algum agente externo. Mas de onde?
- - - - -Weena havia me contado que assim que o Viajante desaparecera, os dois engenhos tinham prosseguido seu funcionamento por alguns segundos a mais, até que cessaram bruscamente as atividades, não sabendo dizer se estavam ou não desligadas. Desta forma, procurei agir com cautela, como fazem os detetives para não alterar as provas da cena do crime. Por outro lado, objetivava também não tocar em algum ponto das máquinas, para não ativá-las inadvertidamente, perdendo alguma informação vital.
- - - - -Do dispositivo com pratos, não pude obter qualquer pista, além do estado de sobrecarga que descrevi. Mas na outra, como suspeitava, mais exatamente no painel, onde se fixava à barra de cristal, o marcador sofrera algum tipo de efeito, assinalando uma data específica: 15 de junho de 7.101.235.
- - - - -O que quer que tenha acontecido, um túnel temporal, ou qualquer fenômeno físico desconhecido, afetara de tal modo a Máquina, que registrara o ano de onde viera ou marcava para onde tinha se deslocado. Por isso, o Viajante apontara para ele. Para que Weena olhasse o mostrador. Só poderia significar que era o ”quando” para onde fora levado. O que deveria fazer? Poderia-se confiar naqueles números? Indicavam o “onde” estava?
- - - - -A decisão lógica, se de fato era esta a única maneira de trazê-lo de volta, seria singrar pelo tempo até esta data e ver no que dava. Então em minha mente, um quadro começou a se formar. Se havia alguém neste mundo que deveria ir atrás dele, só poderia ser uma pessoa: seu filho.O tempo acabara propiciando diante de meus olhos, as causas que motivariam a viagem do seu filho pela quarta dimensão.
- - - - -Nos primeiros anos, depois de seu retorno, nos debruçamos muitas vezes, sobre o acontecimento que ocorrera, quando o meteoro atingira a Torre, e um jovem aparecera, numa Máquina semelhante a sua, salvando-os de um terrível destino. Quem quer que fosse, só poderia utilizá-la depois de sua volta. Quando isso ocorreria e quais as razões que o levariam até àquele ponto no tempo, começavam a tomar forma.
- - - - -Lembrei-me do que o Viajante me dissera, sobre os caprichos do tempo e a maneira como entrelaçava seus participantes. Chegara a hora que tínhamos protelado o máximo possível. Depois que seu filho cresceu, ficou evidente que seria ele, aquele jovem que lhe traria a barra de cristal. Mas o receio de lhe provocar algum distúrbio psicológico, devido à pressão de ter de resgatar seus pais, e garantir sua própria existência, poderia ser um fardo pesado demais para uma mente humana. Por isso escondera dele esta verdade. Mas por mais que desejasse isso, não poderia evitar que este dia chegasse. E agora, relutantemente, eu teria que assumir o papel de tutor nesta matéria que pouco conhecia.
- - - - -Eu sabia, assim como Weena e o Viajante, que mais cedo ou mais tarde, o jovem teria que se sentar naquela Máquina e trilhar o tempo até aquele exato momento, no futuro. Nunca imaginara, que partiria sem as instruções do pai. Tínhamos planejado fazê-lo sob os cuidados do Explorador, de forma controlada, com informações suficientes para desempenhar o papel que lhe cabia na trama, já escrita naquele tempo futuro. Depois do seu retorno, procurariam, na medida do possível, esquecê-la para sempre. Mas agora, um fator novo fora adicionado, cujos desdobramentos eram imprevisíveis.
- - - - -Só me restava, concretizar a primeira parte do que havíamos combinado. Pedi a Weena que abrisse o cadeado de um dos armários e lá estava ela: a barra de cristal sobressalente. O Viajante tomara todo o cuidado de providenciá-la nos primeiros anos após sua chegada. A mesma que lhe seria entregue por seu jovem filho, naquele angustiante dia em que a Torre seria atingida por um gigantesco meteoro.

Capítulo 2 – O filho do Viajante.

- - - - -Neste meio tempo, sem a mínima noção dos eventos que o aguardavam, o filho do Viajante que chegara bem cedo ao famoso laboratório Cavendish, do Departamento de Física, da Universidade de Cambridge, estava concentrado na mais recente experiência do Catedrático Sir James Short. Era do seu maior interesse acompanhar mais uma das experiências daquela prodigiosa mente. Apesar da diferença de idade e de um semblante sério, conseguira ganhar a sua simpatia pelos potenciais que demonstrara e sempre que este idealizava abordagens práticas das teorias em voga, costumava convidá-lo, aguardando as inusitadas opiniões que costumava proferir. Os dois compartilhavam a mesma paixão pelo novo campo de partículas, e nessas ocasiões Sir James utilizava o laboratório como uma arena para duelar intelectualmente com seu mais promissor aluno, sobre os recentes postulados de Erwin Schrödinger, Louis Victor de Broglie e Werner Heisenberg, o que selava ainda mais o apreço que um tinha pelo outro.
- - - - -No momento em que ia responder a uma questão levantada pelo professor, um esbaforido funcionário da Universidade, que o estava procurando, no labirinto de salas e anexos daquele Departamento, interrompeu seu raciocínio. Assim que este o viu, pediu licença ao catedrático e discretamente chamou-o a um canto, passando-lhe uma mensagem pessoal.
- - - - -A contragosto, atendeu o velho funcionário, dando-lhe mais atenção pela idade, do que pela mensagem que trazia. Como seu pai, não gostava de ser interrompido quando se propunha a participar de alguma experiência, onde podia testar os limites de suas especulações. Mas, à medida que foi inteirando-se do recado, seu rosto contrariado, mudou para um semblante de preocupação. E não era para menos. Sem muitos detalhes, estava sendo avisado que seu pai, o Viajante do Tempo, havia desaparecido, e sua mãe pedia-lhe que retornasse à sua casa, o mais breve possível.
- - - - -Para desapontamento, mas compreensão de seu professor, ele explicou-lhe a situação e lhe disse que precisaria de alguns dias para tratar do urgente assunto familiar. Em seguida dirigiu-se ao Tutor, que oficialmente cuidaria do caso junto à administração da Universidade.
- - - - -No mesmo dia, após arrumar sua bagagem, viajou de trem para Londres, chegando à mesma tarde na cidade. Pedi ao meu chofer que o buscasse na estação e o trouxesse para minha casa, onde já o esperava a angustiada Weena.
- - - - -Apesar da alegria de nos ver e abraçar efusivamente sua mãe procurou imediatamente inteirar-se do que havia acontecido.
- - - - -De certa forma éramos culpados por não o termos preparado para esta situação, que tínhamos protelado o máximo possível. Na ausência do Viajante, tinha que aprontá-lo de uma maneira improvisada, de forma que completasse com sucesso a missão que eu lhe incumbiria. Não era, claro, somente um pedido para resgatar seu pai, mas sim a de cumprir uma tarefa de importância vital para que os fatos, da maneira como eu e sua mãe já conhecíamos, se desenvolvessem da forma como deveriam ser na corrente do tempo.
- - - - -Apesar de sua ansiedade pelo desaparecimento do pai, em meu íntimo, sabia que não havia necessidade de apressá-lo, pois sendo o tempo relativo, poderia partir quando se sentisse suficientemente preparado. A Máquina sempre o levaria ao momento que desejasse, quantas vezes fosse necessário.
- - - - -Pedi aos criados, que carregassem sua bagagem para o quarto de hóspedes e junto com sua mãe, rumamos para a minha biblioteca. Ofereci a ele uma poltrona e calmamente lhe expus o grande segredo, que relutantemente seu pai escondera por todos aqueles anos.
- - - - -- Meu jovem. Estou para lhe contar um fato, que no meu entender, já deveria ter sido levado ao seu conhecimento muitos anos atrás.
- - - - -Ele se remexeu na poltrona, não escondendo a tensão e a curiosidade que o dominavam naquele momento.
- - - - -- Sim?
- - - - -- O seu pai, há exatos vinte e dois anos atrás, retornou de duas viagens, onde passou por grandes atribulações. Quase no fim desta última jornada, ele e sua mãe foram salvos por um jovem desconhecido, a quem devem suas vidas.
- - - - -- O que o senhor esta me dizendo, é surpreendente! – disse, olhando espantado para a mãe. - Meus pais nunca me contaram nada a este respeito. Posso saber quem é ele? Está relacionado de alguma forma, com o seu desaparecimento?
- - - - -Olhei para Weena, que procurava se controlar, receosa quanto à reação do filho. - Não que eu saiba. Peço apenas que me deixe ir até o fim.
- - - - -Respirei fundo e procurei me manter o mais sereno que podia.
- - - - -- Tentarei ir devagar, para que possa absorver melhor todos os fatos. Ele nunca lhe contou, porque estas viagens que fez, foram repletas de percalços, motivadas principalmente pelo ímpeto da juventude e de uma insaciável curiosidade. Depois que retornou, procurou viver uma vida o mais normal que pode, apenas se preocupando com suas experiências na oficina e com o desfrute da companhia de seu querido filho e de sua amada esposa.
- - - - -Brindado por uma inteligência excepcional, ele logo associou o misterioso desaparecimento do pai às suas experiências.
- - - - -- Então o seu desaparecimento tem mais a ver com as experiências que fazia na oficina, do que com esse desconhecido? Aquelas que insistia em fazer sozinho? Perdi a conta das vezes que briguei com ele, para que me deixasse participar.
- - - - -- Por favor. Deixe-me terminar. Saiba que seu pai agia assim, não por maldade, ou por puro egoísmo. Mas sim, por extrema cautela.
- - - - -O filho de Weena começou a demonstrar impaciência com a demora, em ouvir o que havia acontecido com seu pai e minha conversa protelatória. Então decidi ir direto ao ponto.
- - - - -- É correta a sua dedução. Não foi este desconhecido o responsável. Mas sim alguma coisa que aconteceu onde costumava trabalhar.
- - - - -- Então ele foi raptado?
- - - - -- Sim e não! Não da forma como está pensado.
- - - - -- Bem. De qualquer jeito devemos procurar a polícia!
- - - - -- Isto de nada adiantaria. - retruquei. - A polícia pouco ou quase nada poderia fazer a respeito.
- - - - -Ele passou a mão pelo rosto, demonstrando o receio de que algo muito mais grave havia acontecido com ele de forma que nem mesmo a polícia londrina poderia ajudá-los. Por outro, se não era tão grave, o que tinha acontecido? Ainda estaria vivo?
- - - - -- Ele está bem?
- - - - -- Acredito que sim. Na verdade não posso afirmar com cem por cento de certeza. Trata-se de um rapto.
- - - - -- Um rapto? Ladrões?
- - - - -- Não exatamente.
- - - - -A sua paciência de jovem esgotou-se e ele se levantou agitado. Sua mãe o abraçou procurando acalmá-lo. No que devolveu o carinho.
- - - - -- Afinal, o que está acontecendo? Se não são ladrões, a polícia não pode nos ajudar, o que propõe então?
- - - - -- Resgatá-lo.
- - - - -- Como? Só nos dois?
- - - - -- Lembra-se de que lhe falei de um desconhecido que salvou a vida de seus pais?
- - - - -- Sim. Mas se ele não é o responsável, o que tem a ver com o desaparecimento dele?
- - - - -- Creio que tudo. De certa forma, este desconhecido além de salvá-los, será a pessoa que irá resgatá-lo.
- - - - -Ele arregalou os olhos e virou-se para a mãe e depois para mim, com um semblante interrogativo.
- - - - -- Bem! Estou confuso quanto a este “desconhecido”. Afinal ele é ou não é o responsável? Se for, temos que procurá-lo imediatamente.
- - - - -Fiz um gesto com a mão para que se sentasse novamente. - Não é preciso. Estamos diante dele.
- - - - -Surpreso, confundiu-me com o desconhecido.
- - - - -- O senhor?
- - - - -- Não.
- - - - -Então ele apontou para si.
- - - - -- O que? Eu? Mas como...?
- - - - -- É um pouco complicado. Para isso devo-lhe confessar que seu pai, não fez estas viagens por nosso mundo, da forma normal. Não se locomoveu pelo espaço. Ele viajou pelo tempo.
- - - - -- O que está me dizendo? Como isso é possível? Segundo Einstein isso só seria possível a altas velocidades. Mas somente para o futuro. Como ele conseguiu, sem alcançar uma velocidade próxima à da luz? A menos que tenha... Criado uma fenda, conforme previra Einstein. Mas precisaria de muita massa, para dobrar o espaço e...
- - - - -Eu tive que interrompê-lo porque conhecia este aspecto da sua personalidade, que herdara do pai. Muitas vezes, eu o escutara pular de uma teoria para a outra, sem cessar, até altas horas da noite. Mas o momento não se prestava para isso.
- - - - -- Perdoe-me a indelicadeza. Não saberia lhe explicar como ele conseguiu, mas foi isso que acabou de ouvir.
- - - - -- Está afirmando então que ele conseguiu mesmo deslocar-se para o futuro e depois para o passado?
- - - - -- Exatamente. – lhe disse com toda convicção.
- - - - -O filho do Viajante recostou-se na poltrona, imaginando-se vítima de alguma brincadeira da minha parte. Então apontei para Weena.
- - - - - - A prova maior do que estou lhe dizendo, é a sua mãe.
- - - - -- Mamãe! Que brincadeira é esta?
- - - - -Weena repousou uma das mãos sobre seu ombro.
- - - - -- Não é nenhuma brincadeira meu filho. Poder parecer disparatado o que vou lhe dizer. A verdade é que não pertenço a este mundo. Sou filha de um tempo futuro e se estou hoje aqui, viva, foi graças à perseverança do seu pai. E também à sua corajosa intervenção.
- - - - - - Mas o que estão me dizendo, mamãe! Não faz sentido algum!
- - - - -- Faz sim, meu filho. – disse ela. – A maior prova de todas é você, parado aqui, à minha frente. Se eu e seu pai estamos vivos hoje, é porque salvou ambos. E é preciso que faça esta jornada para que isto aconteça. Se não a fizer, deixara de existir, assim como eu.
- - - - -Com o rosto constrito o filho do Viajante voltou-se na minha direção em busca de mais respostas, para tentar dissipar a confusão que invadira sua mente.
- - - - -- O que sua mãe diz é a mais pura verdade. Aquele desconhecido que apareceu no momento oportuno, segundo seu pai, seria muito mais do que uma mera coincidência. Estatisticamente, a sua aparição seria quase nula. E se debruçou sobre este enigma durante muitos anos.
- - - - -- E como ele conseguiu desvendar este mistério?
- - - - -- No principio foi difícil, mas à medida que você começou a crescer, ficou óbvio quem era aquele desconhecido.
- - - - -- Então por que ele nunca me contou?
- - - - -- Creio que ele tinha muito medo de que isto pudesse lhe provocar algum choque. E também não podia saber quando seria o momento exato para lhe dizer isto. Agora, com o seu desaparecimento, ficou bem claro que é chegado o momento de partir.
- - - - - - Do mesmo jeito que ele fez?
- - - - -- Creio que sim. Seu pai criou um dispositivo que pode deslocar-se pelo tempo. Desde que se graduou em Cambridge, ele sempre foi um solitário pesquisador. Muito à frente de sua própria época.
- - - - -Fiz uma pausa e procurei pesar as palavras.
- - - - -- Bem antes de Albert Einstein propor a teoria que o tornou famoso, seu pai já havia descoberto a real natureza do tempo, domando-o para seus propósitos. Só não sei lhe dizer, se neste estado transitório, ele está neste momento vivo ou morto, devido à relatividade das coisas. Do ponto de vista de onde deve estar, já morremos há muito tempo, o que para nós soa de forma estranha. Do nosso, ele está tão longe, num tempo que ainda não aconteceu. O que contradiz toda a lógica de causa e efeito.
- - - - -- Mas se ele não está nem morto e não vivo, estaria o seu corpo num estado quântico, igual ao proposto por Heisenberg em 1927?
- - - - -- Não estou a par destas idéias, já que sempre tive dificuldade em acompanhar suas explicações técnicas.
- - - - -- O que quis dizer é que seu corpo ainda está na oficina. Mas num nível, que só se tornara realidade quando as condições o permitirem. – disse ele.
- - - - -- Eu não sei lhe responder com certeza. - retruquei. – Como já lhe disse, desconheço as particularidades relativas à natureza do tempo. O que apenas sei, é que a experiência que seu pai vinha realizando todos estes anos relacionava-se ao deslocamento temporal. Quanto aos detalhes, realmente pouca informação poderia lhe dar.
- - - - -Ele levantou-se da poltrona, caminhando pela sala, tentando digerir tudo que acabara de ouvir. Depois ficou parado em frente à janela, do mesmo jeito que seu pai fizera várias vezes, quando me contara a sua saga pelo tempo.
- - - - -- E o senhor saberia como ele o fez? Sabe como funciona ou como devo proceder para manobrar tal engenho? Tem idéia para qual tempo ele rumou?
- - - - -- Esse dispositivo está bem escondido na oficina onde ele desapareceu. Já o vi lidar com o aparelho inúmeras vezes e sei o suficiente para lhe dar algumas instruções. Inclusive, sei a data exata para onde foi deslocado, mas desconheço o como ou o porquê. Também tenho a firme convicção de que não foi idéia dele viajar pelo tempo outra vez. Só você poderá descobrir o que aconteceu. Deve seguir, estritamente o que eu lhe disser, na primeira parada e depois...
- - - - -- Depois?
- - - - -- Esta parte será por sua conta. Espero que não passe pelas mesmas provações que seu progenitor e o traga de volta, em boas condições de saúde. Mas antes, preciso saber se está disposto a fazer isso.
- - - - -Ele olhou para a mãe e assentiu com a cabeça.
- - - - -- Quero deixar bem claro, que desta vez, irá preparado. Por mais incrível que isto possa parecer aos seus sentidos, quando concordou, não foi uma decisão sujeita ao seu livre arbítrio. Suas ações já estão inseridas na trama do tempo, como deveria ser. Seu ato de concordância é um mero formalismo.
- - - - -- Como assim?
- - - - -- Para que possa existir, é preciso que salve seus pais. Deste destino, não pode escapar.
- - - - -- Como posso existir, antes de meus pais me conceberem? Isto viola a mais fundamental das leis da física! Os efeitos não podem preceder as causas!
- - - - -- O que posso lhe responder, dentro do meu limitado conhecimento, é que só a viagem no tempo pode quebrar esta lei. Talvez ela não passe mesmo de uma mera ilusão. O antes, o depois... São conceitos que ficam tão embaralhados, que tudo se torna confuso. Creio que seu pai estava à frente do seu tempo, centenas ou talvez até, milhares de anos, quando criou a Máquina do Tempo. Nossas mentes limitadas ao senso comum, ainda não estão preparadas para isso.
- - - - -- E se em vez de viajar para esse... Futuro, eu agir de outra maneira?
- - - - -- De qual forma? – perguntei curioso.
- - - - -- Se este dispositivo pode ir para frente e para trás no tempo, basta que eu me mova para o passado, pouco antes dele desaparecer, impedindo que isto aconteça.
- - - - -- Creio que não é tão simples assim. Se isto aconteceu, deve estar ligado a algum acontecimento futuro que não pode ou não deve ser alterado. Se fizer o que planejou, não sei dizer quais seriam as conseqüências da reverberação no tempo. Poderia ser tão forte, a ponto de influenciar o seu passado e causar desdobramentos inesperados.
- - - - -- Bem... Então não posso arriscar.
- - - - -- De fato, o tempo é cheio de surpresas. Estou convicto de que deve partir, não só para salvar seus pais, como também, cumprir o seu papel na trama do tempo que o espera no futuro.
- - - - -Ele apenas abaixou a cabeça pensativa e não disse mais nada. Agora que tudo, ou pelo menos parte dos acontecimentos deveriam acontecer da forma como aconteceriam, dirigi-me para a porta de saída.
- - - - -- Agora me deixe apresentá-lo à Máquina do Tempo.

Capítulo 3 – A Máquina do Tempo.

- - - - -Assim que Weena abriu a porta do pequeno quarto, situado dentro da oficina, o filho do Viajante não conseguiu esconder a curiosidade de poder, pela primeira vez em sua vida, observar por completo a Máquina do Tempo, que lhe fora escondida até àquele momento por seu pai. Acostumara-se ao seu gênio e a severidade com a qual era afastado, quando lhe pedia para brincar naquele local. Ficara magoado inúmeras vezes, sem jamais lhe passar pela cabeça que as razões da proibição, não eram decorrentes do caráter de seu pai e sim dos riscos que ali se albergavam.
- - - - -Ele a rodeou várias vezes, agachando-se aqui e ali, para observar de perto um ou outro detalhe, que lhe chamasse a atenção. Tocava por vezes em algumas peças, procurando mentalmente compreender como funcionava aquele conjunto inerte de cristais frios, capaz de conseguir, o que ainda não passava de uma mera possibilidade dentro da Física teórica. Fazia cálculos mentais, enquanto apontava para determinada parte, murmurando coisas para si mesmo, numa tentativa de elucidar os mistérios daquele engenho, planejado e construído por seu pai. Algo que seria impossível de ser feito, mesmo juntando todos os cientistas de diversas disciplinas que coroavam a ciência do nosso tempo.
- - - - - - Então este é o invento do meu pai? É fantástico demais, para ser verdade – disse ele exultante. – Só posso afirmar que ele é tão criativo como o foi Leonardo da Vinci. Um homem que pensava muito à frente de seu tempo.
- - - - -O filho do Viajante apontou para o prato. – Meu pai chegou a lhe explicar para que serve esta peça.
- - - - -- Em parte sim. Mas desconheço seus detalhes técnicos, como já afirmei várias vezes. Sei apenas que este grande peça funciona analogamente como uma vela, dando-lhe propulsão ou freio, conforme captura ou devolve ao meio, as partículas cronotronicas.
- - - - -- Partículas cronotronicas?
- - - - -- Sim. Foi este o nome que deu a um campo ou corpúsculo, que permeia a matéria e a faz deslocar-se pelo espaço.
- - - - -- Partículas cronotronicas! – repetiu o filho de Weena, mexendo delicadamente na superfície do prato. Pode ser que seja como o fóton. Onda e partícula.
- - - - -- E esta parte, aqui da frente? Para que serve?
- - - - -Caminhei até a parte frontal e apontei o dedo para o painel. – Esta aqui, é como um visor de relógio. Uma espécie de calendário, só que mais sofisticado. Como pode ver, há uma data no mostrador. Ela é um guia para saber em que ponto o viajante está no tempo, conforme nosso referencial de datas gregoriano. Não imagino que tipo de datação será adotado por civilizações futuras, o que na verdade, demonstra que ela só poderá servir como referencial por alguém familiarizado com nossa cultura.
- - - - -Ele dobrou-se sobre o painel e leu a data: 15 de junho de 7.101.235.
- - - - -- Mas ele não deveria estar marcando a data de hoje?
- - - - -- Sim, quando ligada. Quando está sem a barra de cristal, ela nada marca. Ao fixá-la, como vou fazer agora pode notar, que não se apaga. Deveria marcar a data de hoje, ou então ser ajustada para um determinado ponto do calendário, girando estes botões. Mas como pode ver, mesmo tentando alterá-los, continua mostrando os mesmos números. Ou seu pai, a colocou assim ou, o fenômeno que o transportou, possui propriedades desconhecidas, que “congelaram” o mostrador. Pelo menos sabemos para onde foi deslocado no tempo.
- - - - -- Mas isto cria um outro problema. – disse ele. – Se esta fixada nestas coordenadas, como poderei entregar a barra de cristal ao meu pai?
- - - - -A pergunta era bastante lógica e por instantes emudeci, sem saber o que lhe dizer. Pensei um pouco e a resposta me veio à mente com bastante clareza.
- - - - -- Concordo com a questão que levantou. Mas se seu pai, o viu entregar a barra, é fato que isto aconteceu, ou acontecerá e nada mudará isso. Não tenho como testar minha suposição, já que os botões não retrocedem as datas.
- - - - -- Então tem alguma ideia?
- - - - -- Creio que sim. Como só podemos ativar a Máquina rumo ao futuro, nada o impedirá, tenho certeza disso, de desacelerar seu movimento pelo tempo até parar por completo, na data que lhe passarei. Depois, é só religá-la e deixá-la levá-lo até à última data.
- - - - -Ele me olhou, sabendo que não havia outro modo de comprovar minha teoria, a não ser pela prática.
- - - - -- Então pelo quanto a isso chegamos a alguma conclusão. Mas ainda não sabemos o que aconteceu neste laboratório. Poderia tentar elaborar uma teoria, para explicar seu desaparecimento, mas não nos ajudaria muito. Não consigo imaginar qual o nível desta ciência que conseguiu tirá-lo da nossa época, sem o uso da sua Máquina. Mas só este fato demonstra estar muito mais avançada que a nossa.
- - - - -O filho do Viajante silenciou por alguns segundos e depois virou na minha direção.
- - - - - - Contudo, apesar desta demonstração de superioridade, tenho que admitir, que não imaginava que meu pai, por sua vez, estivesse tão avançado em seu trabalho.Você, mais do que ninguém deve se recordar das minhas freqüentes tentativas de descobrir o que fazia, sem muito sucesso. Era um segredo que não gostava de compartilhar, e confesso que isto me deixou magoado em muitas ocasiões. Mas agora, entendo porque se comportava assim. Não era por causa de algum egoísmo exaltado e sim pelos perigos potenciais que sua invenção representava.
- - - - -Ele rodeou a Maquina e tentou abarcar com os braços o grande prato. - Eu confesso que não fazia idéia da real dimensão da sua engenhosidade. Este aparelho científico está muitos anos à frente da nossa Ciência atual, quiçá até séculos.
- - - - -Depois o filho do Viajante aproximou-se de Weena, e segurou suas mãos. – Vou trazê-lo de volta, mamãe. Eu lhe prometo, custe o que custar. Tenho confiança de que poderei manobrá-la, sem dificuldades.
- - - - -Ele então, posicionou-se no assento da máquina e olhou para mim.
- - - - -- Então é só sentar-se aqui e mexer nesta barra?
- - - - -- Exato.
- - - - -Eu já vira o suficiente, sobre o funcionamento da Máquina, durante as visitas periódicas que fizera ao Viajante. Apesar dos muitos detalhes que sempre gostava de me mostrar, terem se perdido, devido aos nossos encontros cada vez mais espaçados, o essencial sobre a forma de operá-la continuava indelével em minha memória.
- - - - - - Se pressionar a barra para frente, avançará no tempo, e o oposto, o fará retroceder. Mas creio que no estado atual em que ela se encontra, bastaria pressioná-la levemente, e ela seguira automaticamente. No entanto há uma parada que deve fazer, antes de prosseguir até esta data.
- - - - -- Ah sim! O salvamento de meus pais. Apesar da grande responsabilidade, espero fazê-lo sem cometer erros. Não imagina minha tensão. A perplexidade...
- - - - -- Posso estar errado em meu julgamento. Mas sei que estou diante do homem correto para esta missão. E se não estou enganado, o fato de continuarmos esta conversa, pressupõe que foi bem sucedido. Por isso não tenha receios e não se deixe levar pela hesitação.
- - - - -Que mais eu poderia lhe dizer naquela situação? Não poderia romper o círculo de sua existência e no fundo de minha alma, algo me dizia que conseguiria desempenhar o papel que lhe era destinado.Então insisti.
- - - - -- É a primeira coisa que deve fazer, antes de continuar. É de primordial importância que o faça. Sua existência e de tudo o mais que aconteceu até este momento, depende de fazer exatamente o que seu pai me narrou. Quando o marcador começar a se aproximar das 10:39 horas do dia 14 de março de 649.949, deverá mover delicadamente a barra para trás para que consiga parar alguns minutos antes destes números de forma suave, evitando qualquer parada brusca, cujos efeitos são desagradáveis ao corpo desacostumado a estes deslocamentos.
- - - - -Dei-lhe instruções claras, que assim que chegasse a esse exato ponto no tempo, deveria imediatamente entregar a barra sobressalente a seu pai, sem perguntas, sem explicações. Apenas entregar, acionar a barra e depois, continuar até a data final.
- - - - -Antes de partir, procurei dar-lhe algum suporte. Tentei supri-lo, mas não sobrecarregá-lo, com algumas coisas essenciais, como uma faca, bússola, uma arma, munição, um binóculo, um cantil, uma pequena bateria, um estojo de primeiro socorros, fósforos e algumas latas de conserva. Ao contrário de seu pai, desejei que assim procedesse, pois se algo lhe acontecesse, pelo menos poderia dispor deste material conforme as circunstâncias exigissem, até encontrá-lo.
- - - - -Em seguida, providenciei roupas mais apropriadas, como botas e roupas de caça, para que se sentisse mais confortável e protegido, nas ações que viesse a tomar.
- - - - -Por último, voltamos para minha casa e lá jantamos todos juntos, preparando o seu espírito para a viagem.
- - - - -Depois da refeição, ele pediu para meditar um pouco e assim que se sentiu disposto, seguimos novamente de carro até a oficina.
- - - - -Acendemos as luzes e entramos no pequeno cômodo. Dei-lhe mais algumas palavras de conforto e o instrui a regressar caso algo saísse errado. Sempre poderíamos tentar novamente.
- - - - -Trajado adequadamente para os rigores da viagem, com a mochila e a barra sobressalente, o filho do Viajante despediu-se da mãe, da minha pessoa, e sentou-se na Máquina. O marcador ainda indicava a mesma data. Ele nos deu uma última olhada e pressionou a barra de cristal levemente, acionando o prato.
- - - - -Eu já estava familiarizado com o que ocorreria, assim que começasse a deslocar-se pelo tempo. Em segundos, a Máquina e o jovem viajante se converteriam numa névoa indistinta, que logo desapareceria, deixando para trás um espaço vazio. Perguntei-me naquele momento, se a volta demoraria muitos anos, como acontecera com seu pai ou se nunca mais o veríamos, sensação esta que procurei afastar dos meus pensamentos. Se falhasse talvez eu nem me lembrasse de tudo que acontecera desde que o Viajante retornara há vinte anos atrás.
- - - - -Mas para surpresa nossa, antes que ele partisse, uma massa turva começou a se formar naquele espaço exíguo acompanhada de um leve zumbido, que foi aumentando gradativamente até se solidificar numa forma conhecida: a Máquina do Tempo. Ela completou a sua rematerialização ao lado da outra, ocupada pelo filho do Viajante, diminuindo sensivelmente o espaço disponível que havia no quarto. Eu e Weena fomos obrigados a nos prensar contra as paredes daquele cubículo rapidamente, para evitar o contato com o prato cronotrônico que ainda girava velozmente.
- - - - -Como é comum, quando se trata da relatividade do tempo, ficamos atônitos com o brusco reaparecimento do Viajante, acompanhado por seu filho. O jovem nem havia partido, e o súbito retorno da sua viagem pelo tempo que ainda não se iniciara, demonstrava que ele fora bem sucedido no que se propusera. Mas é claro, que se tratava de uma impressão enganosa, já que neste intervalo, pequeno para mim e Weena, poderia ter se estendido uma lacuna de semanas, meses e até anos. E isto era evidente pelas barbas crescidas e a roupa desgastada dos dois, indicando que entra a partida e o retorno, escoara-se um período de algumas semanas.
- - - - -Esta situação paradoxal, onde os dois jovens de tempos diferentes se encontravam não demorou muito. O filho de Wena, apenas olhou para o seu outro eu, um pouco mais jovem que partia para o futuro, e fez um alerta. – Cuidado! Não confie nos... Mas infelizmente, ele não conseguiu ouvir o aviso, por causa do zunido conjunto dos dois pratos, que o seu outro eu tentou lhe passar. Algo de que se arrependeria depois.
- - - - -Seu pai pouco envelhecera, mas vendo-o com aquela barba crescida, deduzi que o período, que para eu, não passara de alguns segundos, entre a aparição repentina da segunda máquina e a partida da outra, para ele fora bastante longo, talvez de alguns meses. Ou pelo menos assim imaginava estar correto em minhas suposições, já que tudo se torna muito relativo quando se tenta mensurar o tempo apenas pela experiência cotidiana.
- - - - -Apesar de me repetir, não pude deixar de registrar que segundos antes, apesar de atônito com a reaparição do meu amigo e a da sua versão mais velha, o jovem esboçara um ligeiro sorriso, característico da ilusória confiança que a juventude nos brinda. Naquele instante, tão fugaz, seu semblante deixou transparecer a certeza de que não falharia em sua missão de resgatar seu pai. Notei sua postura exultante inspirada por aquela visão de sucesso. Porém ele mal se dava conta de que ao tocar naquela barra de cristal, pela primeira vez, até retornar ao interior daquele apertado espaço, vendo-o partir, muita coisa ainda aconteceria e deveria ter prestado atenção ao aviso do seu outro eu.
- - - - -Voltei então, minha atenção para os recém-chegados. Apesar de estarem, como já disse, com as barbas crescidas, e as roupas surradas, apresentavam poucas escoriações, e pareciam estar relativamente bem. O meu velho amigo apresentava apenas visíveis sinais de cansaço, e tinha o semblante carregado, por motivos que ainda desconhecia, mas que com toda certeza, deveriam lhe incomodar bastante. Mas era muito cedo para saber qual a razão de tal preocupação e esperei por suas impressões, ou a do seu filho, que certamente, seriam relatadas no momento oportuno.
- - - - -Weena, não conteve a alegria e correu para os dois, sem saber quem abraçar primeiro. Hesitou por alguns instantes sem se decidir, e naquela explosão de pura felicidade, tentou abraçar os dois ao mesmo tempo, apesar da diminuta extensão de seus braços. Não conseguiu conter as lágrimas, que rolavam pelas suas faces como dois filetes cristalinos.
- - - - -A reação dos dois não foi menor, apesar de procurarem se conter. Mas suas feições, transfiguradas um pouco pelo cansaço, deixavam transparecer que também estavam aliviados por terem retornado ao lar. Talvez seus espíritos estivessem tomados, naquele momento de reencontro, pela mesma sensação que invade o explorador quando retorna de uma longa viagem ou do soldado que sobrevive a uma guerra.
- - - - -Assim, não os incomodei de imediato com perguntas inoportunas, apesar da extrema curiosidade em querer saber o que havia acontecido e deixei que extravasassem a emoção do reencontro. Mais tarde, como é natural no comportamento humano, não resistiriam ao desejo de compartilharem estas experiências, repletas não só de momentos difíceis como também de deslumbramentos inusitados que só viajantes do tempo poderiam vivenciar. Desta forma, eu poderia mais tranquilamente transcrever os seus testemunhos, pondo o leitor a par dos acontecimentos desta última aventura, sem dúvida, repleta dos corriqueiros sobressaltos e dos perigos inimagináveis pelos quais tinham passado naquele inimaginável futuro distante.
- - - - -Ajudei o Viajante a descer da Máquina, que não escondia a satisfação de estar de volta e no meio de pessoas que podia confiar plenamente.
- - - - -Assim que o momento passou, o seu semblante voltou a demonstrar o cansaço e até um certo ar de depressão. Em pé, abraçou o filho mais uma vez, agradecendo a fibra e o denodo em resgatá-lo. Mas já não era mais o mesmo homem que conhecera há vinte e dois anos atrás, que não titubeara em lançar-se numa viagem de exploração pelo tempo. Esta última jornada, não planejada, não lhe fizera muito bem e via-se isso em seus olhos. É claro que do meu ponto de vista, naquele momento, jamais poderia aquilatar o que o levara àquele estado emocional.
- - - - -Ele pediu um pouco de água a Weena, e à medida que pausadamente a engolia, olhou fixamente para a Máquina.
- - - - -- Agora entendo o significado da solução mencionada pelo Estranho! Tudo começa a fazer sentido. Explica também o porque da minha descoberta ter desaparecido dos registros da história.
- - - - -Naquele instante cheguei a pensar que o Viajante estava finalmente tendo algum colapso nervoso, pelo fato de ter represado em sua mente, as vicissitudes de tantas viagens. Quando mencionou, sem qualquer explicação o Estranho, imaginei que fosse parte deste quadro momentâneo de desequilíbrio, pois não fazia a mínima ideia do que era ou de quem se tratava.
- - - - -Ele nos olhou, mas era como se sua visão estivesse voltada, não para nós e sim para uma platéia imaginaria à sua frente. – Por isso eu tenho que destruí-la. Apagar todos os vestígios de sua existência. Ela representa um grande perigo. Não só para quem viaja, como para toda a humanidade. Para qualquer inteligência. Nunca deveria ter sido construída. Nunca! Aquelas inteligências jamais saberão da sua existência.
- - - - -Continuei pasmo com a sua reação, imaginando que até fosse melhor assim, extravasando as adversidades pelas quais passara, por causa de seu invento. Mais do que ninguém, só ele poderia aquilatar os potenciais riscos que representava para a raça humana a sua invenção. E quanto às inteligências, deduzi que se referia aos futuros grandes inventores da humanidade, mas estava totalmente enganado sobre esta opinião.
- - - - -Pensei comigo que afinal, deveriam estar exaustos e mereciam recuperar-se de mais esta viagem que provavelmente exigira muitos esforços e passara por muitos perigos. Insisti para que fossem todos para minha casa, tomassem um banho e comessem alguma coisa. Se quisessem dormir, os ajeitaria no quarto de hóspedes e na manhã seguinte, com todos recompostos, me poriam a par de tudo o que acontecera, se assim o desejassem.
- - - - -Esperava assim, que pudesse em meu lar, dar-lhe o conforto necessário para superar esta súbita mudança de comportamento, já que o Viajante sempre se destacara pela serenidade. No entanto, fui surpreendido por mais um gesto inesperado da sua parte.
- - - - -Ele colocou-se em frente ao filho e colocou as mãos sobre seus ombros. – Antes de ir devemos quebrar o círculo meu filho. – Palavras estas, que fiquei sem entender também, naquela ocasião.
- - - - -O filho retribuiu o olhar e pareceu refletir por instantes nas palavras ditas por ele, meneando a cabeça em concordância. – Sim pai! Creio que está certo. Esta é a única maneira de evitarmos tudo que ainda acontecerá. Enquanto estive lá, imaginei que esta poderia ser uma das soluções. Agora tenho certeza de que é a única.
- - - - -De repente, como dois possessos, cada um pegou o que pudesse servir como bastão e começaram a golpear a Máquina e o outro dispositivo, no qual o Viajante viera trabalhando nestes últimos anos. Por mais que tentasse demovê-lo, não consegui impedi-los de destruí-los por completo.
- - - - -Sob os olhares atônitos de Weena e do meu, fiquei sem entender a razão daquele ato que me parecia insano. Estaria presenciando os efeitos colaterais indesejáveis da viagem no tempo que teria afetado suas mentes?
- - - - -Em poucos minutos o projeto de toda uma vida, não passava de um monte de partes retorcidas, irreconhecíveis. Os delicados cristais agora nada mais eram do que uma granulagem vítrea espalhada pelo chão. Só mais tarde, depois de me inteirar dos fatos é que compreendi e reconheci que fora a coisa certa a fazer. Assim como também a mudança da sua ideia original, de colocar toda aquela sucata numa caixa de concreto, no subsolo do laboratório para que a humanidade, exceto o grupo próximo de amigos, nunca soubessem de sua existência. Todo o metal seria fundido e reutilizado em alguma metalúrgica inglesa. Esta decisão, da qual só fui saber as razões mais tarde, evitaria, segundo suas palavras, sérias implicações num futuro longínquo.
- - - - -Quando acabou aquela sanha destruidora, ele se deixou cair, sentando-se ao lado do que restara, e pude notar, uma pequena lágrima de tristeza, escapar-lhe. - Perdoe-me meu amigo, - disse-me - Se o deixei perplexo. Mas ela jamais deverá ser usada novamente e nenhum rastro da sua existência devera ficar. A minha insaciável curiosidade pôs em perigo toda a humanidade. Este meu ato, que parece de um louco, nada mais é do que uma ação pensada para por fim a uma realidade temporal que visitei.
- - - - -Eu poderia entender toda a confusão em sua mente, provocada por experiências com as quais nenhum ser humano fora preparado. Poderia também entender toda a sua raiva e frustração provocada pelas adversidades pelas quais passara. Só não podia entender, como um homem poderia destruir sua própria criação que o motivara a vida toda. Mas como já disse, tudo passou a fazer sentido depois das explicações que me foram dadas no decorrer do relato do seu filho.
- - - - -Assim, da maneira mais imprevisível, teve fim um dos maiores inventos da humanidade. Nada que pudesse ser lembrado pelas gerações posteriores como um marco da nossa Ciência. Simplesmente, por vontade de seu criador, ficou à margem das grandes descobertas e com o passar dos anos sua lembrança, perdeu-se para sempre, a não ser por este único registro que deixei.
- - - - -O Viajante amparado pelo filho e pelo carinho de Weena deixou a Oficina para trás, rumando para minha casa. Nem o local onde trabalhara desde 1909, sobreviveu à decisão radical do meu amigo. Nos meses seguintes, ela foi posta abaixo e o terreno vendido. Seus atuais moradores nunca souberam que a partir daquele terreno, dois homens e um engenho, tinham travado uma desesperada luta para impedir a extinção da raça humana.

Capítulo 4 – Primeiros testemunhos do jovem viajante do tempo.

- - - - -Assim que chegamos em minha casa, acomodei-os no quarto de hóspedes e chamei o Doutor Wildery, meu médico de confiança que me prestava serviços há muitos anos, para que os examinassem e fizesse um diagnóstico do estado de saúde de ambos. Para meu alivio, e também para o de sua esposa, pai e filho, nada apresentaram de anormal, exceto grande estafa.
- - - - -Uma das minhas preocupações, que relutantemente guardei só para mim, poupando muitos que conhecia, de preocupações desnecessárias, dizia respeito a eventuais micróbios do futuro que pudessem tê-los infectados. Meu receio era de que uma cepa nova, não adaptada a seres humanos, poderia, não só contaminar-nos, como se propagar por toda a humanidade.
- - - - -Ainda me lembrava com pavor, da gripe de 1918, que ceifara a vida de muitos amigos e conhecidos meus, não só na Inglaterra, como no resto do planeta. Muitas vezes me perguntei se aqueles seres microscópicos, como que surgidos do nada, não teriam sido trazidos pelo próprio Viajante, nas viagens que fizera em 1900. Talvez a Elói a contivesse, ou tivesse sido transportado pela Máquina do Tempo. Afinal ele percorrera bilhões de anos das eras geológicas ainda por vir e quem poderia saber que tipos de vidas microbianas nocivas ao homem o planeta teria engendrado em épocas tão afastadas do mundo que conhecemos. Digo desta forma, como se este futuro fosse algo inatingível, sem substância, esquecendo-me sempre da precária ilusão que o termo por nós utilizado para definir algo tão vago como passado presente e futuro, representa em nossas mentes.
- - - - -Para nossa sorte, se é que tinham transportado algum tipo de microrganismo, devido à curta vida destes animálculos, talvez sua cepa logo tenha se transmutado nos dias seguintes a esta última viagem, perdendo o seu efeito mortal. Felizmente esta minha preocupação, não se concretizou, permitindo-me deixar um registro do testemunho das viagens de pai e filho.
- - - - -Mas nunca deixei de refletir sobre esta ameaça constante que pairava sobre aqueles que se dispunham a viajar pelo tempo. Era um fator latente que poderiam ocorrer em locomoções que conectavam intervalos vastíssimos de nossa história geológica. Tal possibilidade não poderia ser descartada. A história do nosso planeta continha exemplos dramáticos destes acontecimentos recorrentes. Basta um olhar sobre o que aconteceu com os selvagens do Novo Mundo indefesos diante de micróbios desconhecidos, trazidos pelos europeus, para se ter uma idéia, do quão real tais possibilidades podem se tornar. Há não muitas centúrias, a Peste, costumava nos visitar com rigorosa freqüência, nos lembrando de nossas fraquezas diante de seres tão minúsculos. Mas sem dispor de instrumentos e conhecimentos adequados, não poderia, como já disse, confirmar ou desmentir tal especulação que invadia meu espírito, vez ou outra, quando me recordava da pandemia provocada pela Influenza.
- - - - -Mas talvez, e sempre faço questão de enfatizar estas incertezas, graças às vicissitudes do destino, ao ser praticamente arrastado para o futuro, um procedimento adotado por inteligências mais cautelosas, pelo menos neste aspecto, nos evitou males idênticos, talvez até piores.
- - - - -Como ressaltei, o estado de saúde dos dois, nada aparentava de anormal, sendo diagnosticado apenas estafa pelo excesso físico. E também sinais evidentes de esgotamento nervoso, devido às tensões pelas quais haviam passado, dos quais, como integrante do nosso círculo íntimo de amizades, inteirou-se totalmente. O bom Doutor prescreveu-lhes então apenas um produto natural á base de ervas para que amainasse a ansiedade e, infelizmente não poderia lhes desejar uma viagem de recreio. No entender dele, uma mudança de ares lhes faria bem, mas em vista do que ocorrera, tal conselho estava fora de cogitação.
- - - - -Nosso estimado médico, fizera apenas uma brincadeira para aliviar as tensões, pois no seu entender, o meu amigo, e seu bravo filho, já o haviam feito, num grau inimaginável pelo homem comum. A pedido meu e a contragosto, ele prescreveu um sedativo leve, além do já citado chá. Eu esperava que a ingestão dos dois, aliado a algumas semanas de repouso, apesar da mente inquieta dos dois, seria o suficiente para que colocassem as ideias e o corpo em ordem.
- - - - -Depois de alguns dias, após uma espantosa recuperação, voltei a reconhecer o homem com quem me acostumara a vida toda. Mesmo não se arrependendo do que fizera a seu invento, resolvera abdicar de qualquer nova aventura e muito menos falar sobre o tema que motivara toda a sua vida. Por sua vez, o filho, como é natural nos jovens, recuperou-se rapidamente. Apenas não consegui avaliar até que ponto, tal experiência marcara seu espírito.
- - - - -Diante das circunstâncias que à frente descreverei, era sua irrevogável decisão, eliminar todos os traços materiais que pudessem ser descobertos por quaisquer inteligências futuras. Tentei persuadi-lo a pelo menos, guardar seu livro de anotações, mas sua mente, parecia tomada por uma obsessão de nada deixar que pudesse servir como pista de sua existência.
- - - - -Conversamos várias vezes a respeito desta atitude, não só entre nós dois, como também, consultando a opinião de nosso restrito círculo de amigos. Em vista dos potenciais perigos que ela representava, ou melhor, dizendo, representaria, foi unânime a decisão de apoiar seu ato de apagar, literalmente, tudo que se relacionasse à Máquina. Os segredos da sua construção morreriam com ele, conforme a opinião de todos.
- - - - -Nesse intervalo de tempo, seu filho, preocupado com esta atitude, temendo que fosse fruto de um provável e duradouro desequilíbrio, provocado não só pelas adversidades do que vivenciara, mas também por supor que a mente humana ainda não estava preparada para um salto daquela magnitude, permaneceu afastado de Cambridge por mais alguns dias. Mas ao se dar conta de que tal comportamento obedecia a uma lógica implacável, demonstrando que o Viajante, seguia uma estrita coerência e se acalmara, após ter concluído o que se propusera fazer, decidiu que era chegada a hora de partir e voltar aos seus estudos. Não foi necessário pedir-lhe que guardasse segredo sobre o resgate do pai, pois a sensatez fazia parte de sua índole. Tornara-se evidente que, aquele jovem, que permanecera poucos segundos, longe de minha vista, retornara como um homem maduro, depois da incrível jornada pela qual passara. E então, no domingo, anterior ao seu retorno à Cambridge, sentiu a necessidade, como num confessionário, de expor os momentos que compunham para mim, aqueles exíguos segundos, entre o inicio e o fim da viagem. O fez porque precisava estar em paz consigo mesmo, e a oportunidade de poder narrá-la, onde tudo ainda estava bem vívido em sua memória, evitaria a corrupção natural das lembranças que se perdem com o passar dos anos.
- - - - -Para que seu pai pudesse se recuperar mais rapidamente, procurou não tocar no assunto em sua presença para que as lembranças não lhe causassem algum tipo de transtorno espiritual. Desta forma, combinamos de nos corresponder, colocando assim em cada carta, toda a aventura que presenciara. Com vagar, poderia descrever o que sua mente preservara das experiências da viagem, de um jeito que eu também tivesse condições de transpô-las para estas linhas.
- - - - -Depois que partiu, muitas vezes, quando me sentia exaurido pelos meus próprios negócios, ia de carro até Hampstead Heat, um dos parques próximos de Londres, possuidor de belos lagos, ler as cartas que me escrevia. Lá, me acomodava num banco de madeira às margens de um deles, e punha-me a imaginar o cenário e as estranhas criaturas que descrevia com riquezas de detalhes, transcrevendo-os com a máxima fidelidade possível para estas linhas.
- - - - -Devo salientar que se as narrativas anteriores, por si só, já eram inimagináveis, para os homens da nossa geração, esta última e derradeira viagem, extrapolou tudo o que a humanidade pensava a respeito de si própria e de seu lugar neste mundo, com notáveis implicações na Filosofia, Ciência e Teologia.
- - - - -Ouvi revelações, que poderiam abalar em muito nossa sociedade, razão pela qual, deixei ordens estritas, no sentido de guardar este relato a sete chaves, após minha morte, para que não viesse a público o seu conteúdo, a não ser para aqueles escolhidos que decidiriam a hora certa de revelá-la à humanidade.
- - - - -Por enquanto, apenas uns poucos saberiam do que se tratava, já que em vista do que acontecera, os homens precisariam de um tempo de amadurecimento para aceitar o que ainda estaria por vir. Nossos esforços em torná-la secreta, tinha por meta, impedir que antes da chegada desse tempo, algum aventureiro pudesse redescobrir os segredos da Máquina, e se sentisse tentado a mudar o curso da história, sem se dar conta dos perigos que tais alterações poderiam provocar. Era o preço menor a pagar para que o nosso mundo continuasse do jeito como nós o conhecíamos. Pelos menos enquanto pudéssemos mantê-lo assim.

Capítulo 5 – A partida.

- - - - -Na sua primeira carta, o filho do Viajante começou a sua narrativa, no exato ponto em que, surpreso, viu outra Máquina do Tempo, materializar-se ao lado da sua, com sua versão um pouco mais velha. A visão de seu pai resgatado pelo seu outro eu, deu-lhe a confiança de que necessitava e a certeza, de que, não importasse o que acontecesse ou o tempo que levasse, conseguiria cumprir a missão a que lhe fora incumbida.
- - - - -Imbuído por um impulso juvenil aliado ao desafio que se apresentava, pressionou a barra, deixando que a Máquina o guiasse próximo à primeira data em que deveria parar, sem ter ao menos ouvido a mensagem de alerta enviada por si mesmo.
- - - - -Diferentemente de seu progenitor, não se preocupou em observar os arredores, como este fizera, maravilhado com as alterações que presenciara, concentrando-se apenas em chegar ao destino o mais rápido que pudesse, para salvar a todos, com a entrega da barra de cristal, conforme eu o instruíra.
- - - - -Quando, finalmente as céleres mudanças da paisagem cessaram, e o marcador foi se aproximando da primeira data, torceu para que minha conjectura estivesse correta e cautelosamente foi desacelerando-a, até parar por completo, sem qualquer problema.
- - - - -De imediato, não foi o cenário que o atraiu e sim a visão de seus pais mais jovens, acompanhados por um casal de seres, diferentes de tudo que já vira em sua curta vida. Imediatamente lembrou-se das minhas palavras e não perdeu tempo com distrações. Rapidamente apanhou a barra e correu na direção deles.
- - - - -Ele viu a expressão de surpresa de seu jovem pai, e se fosse em outras circunstâncias, gostaria de ter ficado mais e conversado com ele, se apresentado como seu futuro filho. Mas não queria perder o sinal do marcador temporal, que poderia atrapalhar a sua missão de resgate e assim, vendo que conseguira completar a primeira tarefa com extrema facilidade, decidiu partir o quanto antes em direção ao inescrutável futuro.
- - - - -Do mesmo modo que os presentes, ele desviou também os olhos da luz cegante, provocada pela fricção do meteorito com a atmosfera. Já que nada mais o segurava naquele momento do tempo, correu na direção da Máquina.
- - - - -Horrorizado com a dimensão da explosão que se seguiu ao impacto com o solo e da imensa onda de choque que se formou, procurou acionar a barra calmamente, para permitir uma fuga sem erros de última hora, e prosseguir corretamente para a outra data. Quando aquele quadro começou a se dissipar nas brumas do passado, deu uma última olhada para verificar se os seus pais haviam conseguido fugir. A viu desaparecer, lamentando não poder seguir com eles, mas aliviado por saber que tinha conseguido salvá-los daquela horrível massa escura que se expandia para todos os lados. E que sua existência estava garantida, evitando um paradoxo temporal.
- - - - -Ao entrar novamente no fluxo temporal, a lenta aceleração não o poupou, do violento tremor que se chocou com o campo protetor da Máquina, obrigando-o a segurar-se firmemente no assento para não cair.
- - - - -Após aqueles momentos desconfortáveis, prosseguiu para o futuro, cursando uma trilha que já tinha sido sulcada pela mesma Máquina, com seu pai no comando, quando desesperado com a perda de Weena, se locomovera para bem longe no tempo, visualizando os estertores finais da vida no nosso planeta sob os efeitos de uma estrela gigantesca de cor vermelha.
- - - - -Mesmo indo tão distante, realizara poucas paradas, entre o período compreendido dos Morlocks até este momento longínquo da história do nosso mundo. Ele seria realmente, o primeiro homem a penetrar neste inexplorado intervalo, caminhando por regiões que nem seu pai pisara.
- - - - -Impelido, como todo jovem, pelo sabor da aventura, prestou pouca atenção mais uma vez, às mudanças da paisagem ao redor, com uma ligeira exceção, que não deixou de notar. Se antes, a região do sul da Inglaterra, se caracterizava por suaves ondulações, o longo passar das eras geológicas começara a mudar a fisionomia do local com o qual os homens de nossa época estavam acostumados. Aos poucos começou a desacelerar, à medida que se aproximava da data final do ano de 7.101.235, em 15 de junho, numa sexta-feira.
- - - - -Ao seu redor estendiam-se regiões cobertas por pouca vegetação, lembrando-lhe mais as terras semidesérticas do meio oeste americano. Mas isto não foi a primeira coisa que lhe chamou a atenção. O que lhe impressionou de imediato era o fato de que estava parado próximo a uma grossa coluna, que se perdia em meio a centenas de outras, até aonde a vista podia alcançar. Todas davam sustentação a uma construção vastíssima que se estendia acima de sua cabeça, no sentido norte-sul.
- - - - -Desceu da Máquina para poder melhor avaliar seu tamanho e constatou que estava sob um enorme viaduto, que a uma certa distância se cruzava com outros, e assim sucessivamente, num emaranhado sem fim, em todas as direções. Era o primeiro sinal evidente de uma civilização.
- - - - -Estas conexões o deixaram confuso, pois ele não tinha certeza por onde deveria começar a busca por seu pai. Mas para garantir o seu retorno, tomou uma decisão. Para evitar o que acontecera com ele, cuja Máquina fora arrastada pelos Morlocks, procurou escondê-la de forma que só ele saberia de seu paradeiro.
- - - - -Afastou-a da coluna próxima, procurando por quaisquer materiais que estivessem à mão para poder fazer isso. Por sorte havia muitos tufos de plantas ressequidas espalhadas pelo solo. Elas foram de bastante ajuda, permitindo camuflá-la por completo em meio ao restante da mirrada vegetação. Com cautela, para não danificar principalmente os frágeis tubos cristalinos, amarrou os tufos às diversas partes, dedicando especial atenção ao prato coletor. Por seu tamanho foi o mais difícil de ocultar, fazendo perder bastante tempo em amarrar um tufo ao outro para formar verdadeiras cortinas, que derramou por cima dele. Assim estava confiante de que nenhuma lufada mais forte pusesse qualquer parte da Máquina a descoberto. Sua intenção era de que passasse despercebida, tanto para quem estivesse posicionado acima como embaixo da via suspensa. Além disso, fez um arranjo com as pedras que encontrou de modo que não chamasse a atenção de estranhos, mas que funcionasse como um marco confiável para si. Depois procurou guardar mentalmente a posição da coluna usando como referência alguns acidentes mais distantes. Não contente com todas estas precauções, procurou com a faca que trazia, marcar a superfície da coluna, riscando suas iniciais. Foi um trabalho árduo devido à resistência do material utilizado em sua construção, mas conseguiu o que desejava. Quem prestaria atenção a alguns riscos em um mar de colunas?
- - - - -Uma das poucas coisas que seu pai lhe contara, sem nunca ter mencionado a viagem que fizera, era de que tinha resolvido transferir sua oficina de Horthaw, onde morava, para Streatham, bem ao norte de Londres. Isto nunca despertara sua curiosidade e ele deduziu que isto ocorrera por algum capricho dele. Agora ficara claro, que esta mudança, havia ocorrido não por motivos subjetivos e sim de que a Máquina, só se locomovia pelo tempo e não pelo espaço. Se por acaso a puxasse aleatoriamente para qualquer lado, poderia reaparecer fora da oficina ou chocar-se com a outra dentro dela. Sem se dar conta deste fato, a pequena mudança que fizera, para escondê-la, possibilitara a sua rematerialização a meia jarda uma da outra.
- - - - -Estranhou o fato de seu pai, tão meticuloso em seu invento, nunca se ter preocupado em movê-lo pelo espaço, economizando eventuais problemas de locomoção. Talvez, o pequeno aparelho que sofrera uma sobrecarga no laboratório, fosse um complemento do mais antigo, suprindo esta dificuldade. Mas também contribuíra para o seu inexplicado desaparecimento.
- - - - -Assim que a deixou escondida, decidiu seguir para o sudoeste, afastando-se das estradas suspensas, até que se sentisse confiante o suficiente para tentar alçar uma delas, utilizando-a como rota. Como desconhecia seus construtores e a forma como seria recebido, refletiu que seria melhor observá-los de longe até ter certeza de que não seriam hostis. Assim, caminharia cautelosamente na direção que escolhera, onde um dia existira a parte central de Londres.
- - - - -Além destas vias aéreas, não existiam casas ou quaisquer outras construções espalhadas pelos arredores, como no seu tempo, o que indicava uma população bem menor. Ou talvez, por alguma razão ainda desconhecida, o clima deveria ser diferente, obrigando seus habitantes a refugiarem-se abaixo da terra, apesar de não notar nada de diferente no ar naquele momento. Ou ainda, algum perigo novo, algum tipo de animal, que o fez redobrar sua cautela. Retirou a arma e verificou se estava carregada, e procurou deixar a munição restante, arrumada de tal jeito, para que pudesse utilizá-la com presteza.
- - - - -Á frente do caminho, que resolveu seguir, poder ver com a ajuda dos binóculos, o cume esbranquiçado de uma cordilheira, que em sua época não existia. Conhecia o suficiente de geologia para saber que a Terra, na sua eterna mudança, não ficara estática e forças abaixo da crosta, lentamente haviam soerguido novas saliências, resultando em uma nova cadeia de montanhas. Poeticamente as batizou de as Montanhas do Tempo.
- - - - -Usando uma bússola, e um pedaço de papel, com os quais eu o havia aparelhado, além das precauções que tomara para camuflar a Máquina, demarcou bem as características dos arredores e rascunhou um mapa, fazendo algumas anotações, para poder se orientar, no retorno.
- - - - -Assegurando-se de que nenhum ser vivente o vira até aquele momento, procurou aprumar-se com seu saco de viagem e iniciou a jornada, simplesmente seguindo em frente sem um plano pré-estabelecido.
- - - - -Á medida que caminhava para o sudoeste, tornou-se cada vez mais audível um estrondo. Após meia hora de caminhada, que se tornava cada vez mais cansativa à medida que o terreno se elevava, descobriu sua origem quando ao subir uma plataforma rochosa, deparou-se com um vasto cânion, sobre o qual despencavam as águas cristalinas de um rio desconhecido que se estendia no sentido oeste-leste. Um vasto volume líquido espremia-se por dezenas de cachoeiras, que à semelhança de enormes serrotes de prata, cortavam rochas pontiagudas amarronzadas, dando uma cor âmbar à água que caia a uma altura aproximada de trezentos pés. Vendo aquele espetáculo da natureza, não soube dizer se estava diante de um futuro rio Tâmisa ou algum outro que o substituíra, já que em sete milhões de anos, a região deveria ter-se modificado totalmente, mudando seu curso ou até secando-o. Talvez fosse outro, que se estendia agora desde as alvas montanhas que podia observar a oeste, seguindo até aonde a vista podia alcançar no sentido leste.
- - - - -Usando a prerrogativa dos exploradores, batizou o alvo maciço onde provavelmente o rio nascia de Torres Brancas e ao curso de água de Futuro Tâmisa, por não ter certeza se era o mesmo do seu tempo. Fosse ou não, este após a queda, serpenteava rapidamente pelo terreno acidentado do cânion ao invés do antigo que percorria uma planície modorrenta, antes de desaguar no mar do Norte.
- - - - -Utilizando os binóculos, observou que ou o mar avançara ou agora ali, existia um lago, talvez das mesmas proporções do mar Cáspio, pois não conseguia enxergar suas margens, apesar de ver no extremo horizonte oeste, o cume de outra massa rochosa, quase indistinguível, esverdeada, que se mesclava à cor dás águas. Sua vontade era de percorrer toda a sua extensão, mas não viera com este objetivo. Simplesmente o batizou de Lago Tâmisa e continuou em frente.
- - - - -O ribombar da água caindo era realmente ensurdecedor e as torrentes que se precipitavam, formando uma névoa gigantesca, deveriam conter um volume de água bem maior do que o famoso rio que banhava Londres, com uma largura três vezes maior, de margem a margem.
- - - - -Não podendo vadeá-lo naquele local, foi obrigado a margeá-lo, afastando-se cada vez mais do estrondo, até encontrar um local, que parecia ser mais raso, apesar da forte correnteza. Neste ponto, foi erraticamente impulsionando-se, até conseguir atingir o outro lado, distanciando-se da rota que planejara.
- - - - -Assim que saiu da água, parou um pouco para recompor-se do esforço, retirando as botas encharcadas para secá-las, enquanto servia-se da água do cantil. Em seguida, perscrutou os arredores e notou mais estradas suspensas que pareciam dispor-se como uma teia de aranha, indo e vindo dos lugares mais ignotos para convergirem num determinado ponto, acima do qual sempre havia algum tipo de construção cupular. Esta curiosa geometria lhe chamou a atenção e por instantes resolveu abandonar a cautela, rumando para um destes nós, onde elas se cruzavam.
- - - - -Caminhou até posicionar-se debaixo de uma das vias, que rumava para o sudeste, aproximando-se mais e mais da intersecção mais acessível. Assim que se viu abaixo dela, afastou-se o suficiente para ter uma visão mais próxima, escondendo-se atrás de algumas rochas. A única coisa que conseguiu observar foi a silhueta de uma estrutura semelhante à cúpula dos modernos telescópios, tal como a do observatório de monte Palomar. Só que esta construção era muito maior e estava recoberta por uma folhagem metálica que refletia bastante a luz, dificultando a visão através do binóculo. Seriam assim as cidades deste tempo? – perguntou-se.
- - - - -Pela primeira vez notou movimento naquelas estradas suspensas, que diferentemente das nossas, possuía pouco ou quase nenhum tráfego. O que transitava por elas, conforme pode observar pelas lentes, eram bem diferentes de nossos carros. O mais próximo que pode descrever é que se constituíam de esferas de energia, conectadas a uma base, que flutuavam sobre tais estradas, sem a ajuda de pneus para se sustentarem. Elas como que “deslizavam” em baixa velocidade sobre aquelas vias suspensas, ocupando quase a metade da sua largura. Procurou, mesmo àquela distancia, discernir quem ocupava os seus interiores, mas a parte luminosa das esferas, opacas, impedia-o de visualizar os seus condutores.
- - - - -Ele decidiu continuar numa rota paralela à via que escolhera, parando de vez em quando para observar aquelas curiosas esferas, até que notou um movimento diferente. Uma delas corria em alta velocidade, contrariando a lentidão que observara até aquele momento. Mudou o ângulo da visão para compreender a razão da inusitada correria. Viu, outras três máquinas, correndo atrás da primeira, numa clara perseguição. Esta impressão era reforçada pelas manobras que faziam na clara intenção de suplantá-la ou interceptá-la, muitas vezes, obrigando as mais lentas a desviaram-se ou cessarem seus movimentos.
- - - - -A perseguição não demorou muito, e logo as três a alcançaram, chocando-se propositalmente várias vezes, com bastante violência. Mesmo assim, o condutor mostrou-se bastante hábil, pois conseguiu se desviar com rápidas manobras, livrando-se de uma delas, que se espatifou na lateral da estrada, apagando-se como uma lâmpada queimada. Por fim, a esfera perseguida, diante das manobras das outras duas restantes, perdeu o controle, precipitando-se para fora da estrada, estatelando-se no solo abaixo. O brilho que a envolvia, se decompôs numa miríade de partes, que emitiram faíscas verdejantes até apagaram-se por completo. Então os perseguidores pararam suas esferas próximas ao local de onde a outra havia se projetado, para observar os destroços.
- - - - -Forçando a vista, para ver melhor, ele levou um choque, sentindo o coração pulsar mais rápido. Numa reação instintiva de defesa, natural em situações como essa, quando estamos diante do desconhecido, o filho do Viajante, agachou-se, com receio de ser visto e cautelosamente recolocou o binóculo, enquanto observava os condutores saírem de seus aparelhos. Ele imaginou por alguns instantes, que ou não estava enxergando corretamente, ou estava sendo vítima de alguma ilusão ótica. Retirou novamente o binóculo e esfregou os olhos, para ter certeza que desta vez veria corretamente o que apenas imaginara ver. Talvez fosse a distância dos objetos ou lentes mal focadas. Mas quando o direcionou novamente para aquele ponto da estrada, o que viu era a mais pura realidade. Outras formas de vida habitavam a Terra. O que acontecera aos homens?
- - - - -Estava diante de criaturas semelhantes a cefalópodes, com algumas partes do corpo, revestidas por material translúcido, inclusive a cabeça, que poderia ser um uniforme ou algo protetor, pois era igual em todos. Locomoviam-se lentamente, mas firmemente, apoiando-se em finos tentáculos. A primeira coisa que lhe veio à mente foi a semelhança destas criaturas com os imaginários invasores marcianos de Wells, personagens recorrentes da sua memorável novela A Guerra dos Mundos. Por instantes um temor invadiu-lhe o espírito e ele se perguntou se afinal a ficção virara realidade. Nestes milhões de anos teria a Terra sido invadida e colonizada por seres vindos do espaço? Talvez isso explicasse a ausência de qualquer vestígio humano. Quanto às imagens que viu quem poderia prever com exatidão qual seria o aspecto de habitantes de outros mundos? E mais. Como teriam feito para adaptar-se ao nosso? Fosse o que fosse, eles estavam ali, e não era sua imaginação. Mas depois, pensou melhor, e raciocinou que a explicação poderia ser mais simples. Quem poderia saber o que tinha acontecido com o nosso planeta nesta passagem tão longa de tempo?
- - - - -Talvez, uma nova inteligência tivesse ascendido, após a breve existência da humanidade, e tomado seu lugar. Após a nossa extinção, a evolução teria tomado seu curso normal abrindo a porta para outras formas de vida que haviam sobrevivido. Pensando desta maneira, não estaria na frente de invasores espaciais e sim de formas biológicas terrestres, altamente sofisticadas.
- - - - -Jamais poderia imaginar um quadro tão diferente para o nosso mundo futuro, na breve existência do homem. Então era mais fácil aceitar a idéia de que esta classe de animais havia evoluído e construído uma civilização, assim com nós havíamos feito, milhões de anos antes.
- - - - -A sensação de assombro cedeu lugar a uma certa fascinação por aquelas criaturas. O desenvolvimento daquela inteligência deveria ser decorrente da necessidade de não só controlarem tantos apêndices, mas também de ocuparem o grande cérebro com outros assuntos, paralelamente. E não era só isto. Enquanto se locomoviam, reluziam nas mais diversas cores, até igualarem a tonalidade, como se esta fosse a forma de comunicação entre eles, demonstrando um certo entendimento mútuo. O que confirmava suas suspeitas de serem originários desta classe de invertebrados marinhos, que proliferava nos mares do nosso tempo.
- - - - -Que ironia pensou. Os escritores sempre haviam se debruçado sobre o dia em que o homem se depararia com criaturas providas daquela centelha que denominamos de inteligência, sem imaginar que ao invés de provirem das profundezas do vasto cosmo, viriam das profundezas dos mares do seu antigo mundo.
- - - - -Sem se preocuparem de imediato com o companheiro da esfera que se acidentara na perseguição, a primeira ação que tomaram foi a de se certificarem de que aquele que perseguiam, continuava visível. Depois, lentamente retornaram aos seus transportes, parando então para ver o que havia acontecido, com o ocupante acidentado. Tinham-se demonstrado insensíveis com o perseguido, ou assim parecia de uma perspectiva humana. Assim como também deram a impressão de solidariedade com o companheiro, entrelaçando seus apêndices. Daquela distância não era possível avaliar se este não resistira ao choque, perdendo os sentidos ou se morrera. De qualquer forma, carregaram o corpo inerte para dentro de uma das esferas e partiram para o interior do Domo. Não demorou muito e vários carros vieram retirar o transporte acidentado.
- - - - -O filho do Viajante, não pode deixar de notar que apesar das diferenças anatômicas, podia se perceber traços de uma interação social, semelhantes àquelas que caracterizavam os antigos homens.

Capítulo 6 – Nova inteligência.

- - - - -Para o filho do Viajante, aquela cena não fazia qualquer sentido, e a razão, de toda aquela corrida frenética e os acidentes que se seguiram, merecia ser investigado. Primeiro pelo aspecto inusitado de tais máquinas e segundo, movido pela própria curiosidade. Viu ali uma chance de olhar mais de perto o corpo do ocupante, caso não estivesse muito danificado pela queda, sem que percebessem a sua presença. Não havia como ter certeza, das reações que causaria, caso um deles, o visse.
- - - - -Decidido a isto, procurou aproximar-se com cautela. Quando chegou até ao local da queda, a principio, não encontrou o corpo. Provavelmente fora destruído no impacto. Sua atenção então se voltou para aquele mecanismo destroçado, uma fascinação por peças de engenharia, que herdara do pai.
- - - - -Não havia muita coisa para ver, a não ser um pedaço maior que interpretou como uma espécie de base, sobre a qual deveria se apoiar a parte esférica luminosa, e alguns outros menores. A luz que emitiam, compondo a esfera que observara, talvez se constituísse numa conversão da energia em matéria. Uma espécie de luz sólida, que ao ser desconectada de sua fonte, cessara o processo.
- - - - -Ao arrastar o bloco maior, para juntá-lo aos outros, com o objetivo de ter uma idéia melhor do conjunto, percebeu que apesar de sólido, era bem leve, não correspondendo ao seu volume. Talvez fosse alguma liga desconhecida, mas sem uma análise mais apurada, não havia como saber do que se compunham.
- - - - -Além deste fato, havia um outro detalhe, que ressaltava à vista. Eram oito saliências circulares, que se espalhavam sem uma ordem aparente pela base. Constituíam-se de esferas cilíndricas retráteis, cuja função ignorada, completava a complexidade daquela máquina. Ao redor espalhavam-se minúsculos pedaços, que decidiu não tocar, pois ainda reluziam, exalando um odor desagradável. Seu receio era de que tais emanações poderiam ser tóxicas. Na incerteza procurou afastar-se. Nada mais havia para ser visto ali.
- - - - -No momento em que se preparava para fazer isto, levou um susto, quando sentiu algo entrelaçando suas pernas. Procurou mover-se devagar, a fim de evitar alguma reação indesejada do que imaginava ser algum animal desconhecido daquele tempo, que talvez por sua ferocidade ou peçonha tivesse obrigado os moradores daquele mundo, habitarem construções aéreas para fugirem de seus ataques. Isto justificaria a razão de não existiram casas no solo. Suando frio, procurou retirar a mochila bem devagar, com o propósito de pegar sua arma e disparar na direção dele. Antes que o fizesse sentiu mais um toque e depois mais outro, que envolveram ambas as pernas. Tenso, virou-se para o chão para ver o que as agarrara e horrorizado, viu três apêndices enroscando-se nelas do mesmo modo como as serpentes constritoras de sua época faziam com suas vítimas. Instintivamente, jogou-se para o lado oposto, desvencilhando-se deles.
- - - - -Trêmulo, devido àquele acontecimento inesperado, abriu a mochila rapidamente e retirou a arma, voltando-a na direção deles. Já ia disparar, quando notou em meio à sombra, que eles pertenciam a uma criatura semelhante aos mesmos cefalópodes, que observara através do binóculo. Apesar da aparência, não era um monstro pronto a devorá-lo. Era o ocupante da esfera perseguida, que sobrevivera à queda. Com certa relutância, resolveu aproximar-se, com a arma em punho, na eventualidade de ser hostilizado.
- - - - -A criatura saiu da sombra e foi então que teve uma visão mais detalhada desta forma de vida do futuro. Todo o seu corpo estava recoberto com um tecido transparente, inclusive sua enorme cabeça, por onde circulava uma espécie de líquido. Veio-lhe imediatamente à mente a razão de tal indumentária, repleta daquele fluido. Assim como precisamos respirar em baixo da água, carregando nossas reservas de ar, estes seres, oriundos do mar, faziam o mesmo, só que de modo diferente. Raciocinou que estas criaturas, que no seu tempo ainda habitavam os oceanos do mundo, não tinham evoluído o suficiente para dispensar o meio do qual extraiam o oxigênio. A necessidade de utilizar tais equipamentos, só podia significar que neste espaço de sete milhões de anos a evolução continuara a fazer suas experiências e originara uma nova forma de inteligência sob os oceanos da Terra. Como o homem, tinham criado sua própria tecnologia para conquistar outros ambientes.
- - - - -Outro aspecto digno de atenção era seu enorme crânio. Havia dois imensos olhos encravados naquele tecido cinza, que o fitavam, parecendo transmitir um certo espanto com a sua presença e ao mesmo tempo um pedido de socorro, apesar de não haver traços faciais, que o ajudassem a identificar tais sinais. Mas não havia dúvidas de que, para aquele ser, os pequenos olhos do filho do Viajante, deveriam causar a mesma impressão, já que o estranhamento era mútuo. Reação, natural, que se poderia esperar, no primeiro encontro de duas espécies diferentes, dotadas de inteligência.
- - - - -Mas não era os olhos de um monstro, o que viu, e sim, os de uma criatura, que demonstrava inteligência, fossem quais fossem as diferenças entre os dois. Podia-se sentir isto, pela maneira como o observava com curiosidade, mesclada a uma certa apreensão, como se o monstro ali fosse ele, vindo do passado, o que o fez abaixar a arma e a colocar de volta na mochila.
- - - - -Mais uma vez, o aspecto daquela forma de vida repulsiva o relembrou dos marcianos de Wells, ainda que não demonstrasse qualquer sinal de hostilidade, contrariando a característica marcante destes personagens fictícios. Mas o mais impressionante se deu em seguida quando a sua pele de um acinzentado opaco, cedeu lugar a uma multiplicidade de cores, da mesma forma como fazem os cefalópodes de nossos mares, sem que ele pudesse compreender o seu significado.
- - - - -É curioso refletir o quanto o senso de estética da humanidade, bem como outros conceitos que cultivamos e estão enraizados em nossa cultura, são por si só próprios estritamente relativos. Que impressões, outras formas de vida, não teriam de nossa aparência exterior? Que sentimentos de repulsas tais criaturas não sentiriam por nós, com formas tão diferentes dos seus próprios padrões de beleza?
- - - - -O filho do Viajante em sua narrativa descreveu que olhando o movimento daqueles tentáculos com ventosas, ocorreu-lhe a idéia de que aquelas reentrâncias na peça que restara do veículo destruído casavam-se perfeitamente com seus oito apêndices. Afinal, se todas as máquinas construídas pelo homem ao longo da história, tinham como base o uso de cinco dedos e dois braços, nada mais lógico que esta espécie construísse suas máquinas para serem manobradas por oito apêndices retráteis.
- - - - -Uma olhada mais atenta revelou que a criatura se machucara muito na queda e o contato de seus apêndices e a troca de pigmentação, eram um claro pedido de socorro. Imediatamente guardou a arma e tentou de alguma forma ajudá-la. Ele sentiu vergonha de si mesmo pelo seu comportamento de pura curiosidade, sem verificar se ela precisava de algum socorro. Se fosse um humano, não teria se comportado desta forma.
- - - - -Ele desconhecia sua anatomia e o máximo que poderia fazer era utilizar o material de pronto-socorro que trouxera e tentar limpar e curar suas feridas. Procurou então um lugar melhor para acomodá-lo e tratar seus ferimentos, apesar de não saber como penetrar o traje, que se selara automaticamente, depois de vazar um pouco de água, misturada ao que parecia ser sangue.
- - - - -Resistindo a aversão natural que os homens tem de tocar em seres muito afastados da classe Mammalia, ajeitou-a em seus braços e a carregou para baixo de um grupo de pequenas e estranhas plantas do futuro, que com seus ramos entrelaçados assemelhavam-se a uma tosca maca. A criatura não pesava muito, e sua consistência, um tanto mole, causava-lhe o receio de provocar-lhe algum dano no ato de transportá-la, mas não havia outra opção, a não ser removê-la. Sentia agora a extrema necessidade de prestar-lhe algum auxílio. De ser solidário com aquela forma de vida.
- - - - -Até então, ela não emitira qualquer som, a não ser a constante mudança de cores. Mas residia ai um grande mistério. Até onde sabia, os polvos não emitiam cores, somente as lulas. Como não era biólogo, não soube explicar, se tais seres, tinham se originando destes moluscos, desenvolvendo apêndices quitinosos alongados para locomoção terrestre, assumindo assim a forma de polvos, mas mantendo a característica peculiar de emitir pulsos coloridos.
- - - - -Durante o curto tempo que a carregou, pensou ouvir estranhos sons abafados, emitidos do seu bico córneo, que saiam por uma protuberância do capacete, como se sentisse desconfortável ou quisesse falar-lhe alguma coisa.
- - - - -Procurou deitá-la na cama improvisada, próxima da coluna, procurando a melhor maneira de limpar e tratar seus ferimentos. A criatura estremeceu com os seus cuidados, alterando as cores com rapidez surpreendente, mas vendo suas intenções, tocou o traje próximo a parte machucada e o líquido foi pressionado para os lados pelo traje, sendo selado e expondo a estrutura corpórea danificada que permaneceu incolor.
- - - - -Usando um pouco de sua água e anti-sépticos, limpou o que podia, amarrando faixas em algumas partes que sangravam, na tentativa de estancá-lo. Com a ajuda dele, procedeu deste modo com todos os ferimentos externos que viu e quando acabou de tratá-los, o traje voltou a cobrir as partes momentaneamente expostas ao ar.
- - - - -Ela pareceu sentir-se melhor com seus cuidados e cerrou os olhos, cessando a alteração da pigmentação, como se estivesse desfalecendo ou utilizando algum método de animação suspensa para se restabelecer dos traumas físicos.
- - - - -Enquanto ela permanecia neste estado, o filho do Viajante, se perguntou se estava fazendo a coisa certa em envolver-se com aquele ser do futuro, e temia que ele acabasse falecendo por falta de cuidados. Ainda não entendia o que tinha acontecido e porque fora perseguida daquele modo. Seria algum criminoso procurado por alguma polícia do futuro? Ou teria sido alvo de algum tipo de agressão? Como poderia tirar suas dúvidas, se nem ao menos podia travar um diálogo, com o intuito de esclarecer tudo o que testemunhara?
- - - - -Ele ficou por um bom tempo, ao lado dela, imaginando o que faria em seguida, sendo que a prioridade maior era encontrar e resgatar seu pai. A visão do retorno dos dois na oficina mostrara-lhe que conseguira tal intento, mas até ai, era muito pouco, pois nenhuma informação lhe fora passada a não ser as estranhas palavras que ouvira dele mesmo, sem entender seu significado.
- - - - -O filho do Viajante, enquanto ficou ali, ao lado daquela espécie, olhando-a, entregou-se aos próprios pensamentos. Perguntou-se o que acontecera com a humanidade, já que não vira nenhum vestígio da raça humana. Teria evoluído para outras formas, ou teria extinguindo-se, permitindo o aparecimento destas inteligências? Ou se ainda existiam, estariam escondidos em algum recanto remoto da Terra?
- - - - -Não havia como saber o que realmente tinha acontecido com a raça humana. Talvez, o mais lógico, seria aceitar as evidências do que via. Quem sabe a extinção de seres inteligentes como os homens, criadores de civilizações, não seria um caso único e sim um acontecimento recorrente na história da vida da Terra, que nós, em nossa curta permanência, ignorávamos. Seríamos então, os primeiros de uma série de inteligências erradicadas do planeta? Talvez sim. A vida, sempre que se deparava com extinções deste porte, provavelmente caminhava no sentido de criar novas complexidades que pudessem raciocinar.
- - - - -Procurando pensar no que deveria fazer em seguida, deixou estas reflexões de lado, concentrando-se no que deveria fazer para prosseguir no resgate do seu pai. Pelo que testemunhara não tinha certeza se era uma boa idéia buscar auxílio naquela redoma mais próxima.
- - - - -Neste meio tempo o cefalópode despertou, e tocou-o de diversas formas com seus tentáculos, como se esta forma de contato, fosse algum tipo de comunicação. Mas como poderia dialogar com ele, já que talvez emitisse sons inaudíveis para ouvidos humanos? Possuía um simulacro de boca e a forma como respirava, dentro do líquido, talvez não permitisse a emissão de um som pelo qual poderiam se entender. Foi então que lhe ocorreu a ideia de apontar para si e dizer quem era. Fez isso, falando bem devagar, observando as reações que provocava, no intuito de descobrir alguma forma de compreensão da parte da criatura.
- - - - -Ele colocou a mão sobre seu tórax e depois a afastou, dizendo – Eu. Homem. Homem. Depois encostou sua mão no corpo dele e disse, - Você. O quê é?
- - - - -Ao ouvir estas palavras a reação foi imediata. Ele agitou levemente os tentáculos, alterando-se para um vermelho vivo, tentando comunicar-se da única forma que conhecia. Mas não era o suficiente. E nem poderia ser de outra maneira, apesar de ambos possuírem suas próprias formas de expressão sofisticada. O avanço pelo tempo, colocara em contanto duas formas de linguagem, que pelos padrões naturais, jamais teriam se encontrado.
- - - - - - Está entendendo o que digo? – insistiu o filho do Viajante.
- - - - -A criatura, por sua vez, esforçou-se para demonstrar que compreendia as tentativas daquele estranho bípede em comunicar-se, respondendo de todas as maneiras que conhecia, sem muito sucesso. Sua reação, baseada num código de cores, foi alterando-se para varias tonalidades de azul, sem se fazer entender. Por fim apoiou-se em seus tentáculos, como se levantasse, procurando outra forma de iniciar um diálogo. Apesar de provavelmente ser constituído de cartilagem a evolução tornara seus membros mais rígidos para suportar seu peso em terra firme, peculariedade que seus antepassados dificilmente conseguiriam realizar.
- - - - -O filho do Viajante tocou novamente na criatura, esperando alguma reação que pudesse entender. O ser correspondeu de forma calma, repetindo o mesmo gesto de tocar em si e depois nele. E de seu bico córneo, ouviu um sussurro: Clunâns, Clunâns. Eles finalmente haviam se comunicado, mas mesmo assim, o som poderia significar um nome ou qualquer outra coisa, fora de seu conhecimento. A criatura, diante da reação indefinida do jovem, repetiu o gesto várias vezes, tocando os tentáculos em si mesmo e emitindo o mesmo som. Diante da perseverança do octópode, ele chegou à conclusão que tal expressão só poderia então significar duas coisas: seu nome próprio, ou à espécie à qual pertencia.
- - - - -Diante da dúvida demonstrada pelo jovem, a criatura procurou outro meio de se fazer entender e, numa ação inesperada, com dois tentáculos, desenhou na areia do chão, uma forma esquematizada da sua imagem, apontando um dos apêndices para o corpo, repetindo o som que ouvira: Clunâns. E várias vezes, flexionou um dos tentáculos para a redoma e também no sentido contrário. Ao mesmo tempo, pulsava naquele verde azulado, demonstrando que o que fazia era uma clara ligação entre as cores e o desenho. Mas esta demonstração não ficou bem clara. Aquela inteligência tinha se identificado como Clunâns, conforme os rabiscos no chão, mas este último sinal, o que significava? Seria um aviso de que sua espécie estava ligada àquela redoma? Mas se assim o era, por que apontava sempre para o outro lado da construção, mudando para o vermelho a cor do corpo? Estava alertando sobre algum tipo de perigo? Talvez a cúpula fosse mesmo um local em que não devesse ir, o que justificara a saída às pressas, da criatura à sua frente.
- - - - -O filho do Viajante procurou por um graveto e depois, agachou-se, rabiscando toscos desenhos na forma de um ser humano, da mesma forma como as crianças fazem, imitando o gesto da criatura. Depois, escreveu o seu nome sobre um deles e apontou para si, repetindo-o em voz alta. Seu objetivo era demonstrar de forma parecida, o mesmo que o ser fizera, quando desenhara a si mesmo, pronunciando o som que indicava algum tipo de identidade. Além disso, fez uma seta, ligando-a a uma parábola, e apontando para o domo, indicando que o desenho significava a sua ida para aquela construção.
- - - - -A criatura olhou para as figuras, hesitou um pouco e pegando o seu graveto, em torno de sua representação, traçou um círculo, alterado a cor, e riscando uma longa linha na direção contrária à parábola. Era evidente que não queria que ele fosse naquela direção. Pelo menos isto estava bem claro.
- - - - -Com o graveto, ainda enrolado no tentáculo fez mais um desenho no solo que o deixou intrigado. Riscou outro círculo, copiando a imagem de dois seres humanos, um dentro e outro fora dele. Sobre o que estava fora da circunferência, fez outra linha, na sua direção. O que significava?
- - - - -Ele olhou atentamente para o chão e tentou entender a mensagem. A imagem que estava fora do círculo era ele, sem sombras de dúvida. Mas a outra no seu interior, era quem? Ele pensou mais um pouco e chegou a uma interpretação que poderia estar certa ou errada. Sem saber por qual das duas optar, pela dificuldade de comunicação, talvez, ele estivesse tentando lhe dizer que conhecia naquele momento, dois seres humanos. Um era ele. O outro, naquele mundo dominado por outra espécie, e naquela época tão longínqua, só poderia ser seu pai. Talvez – e isto era só mais um palpite – a criatura soubesse do seu paradeiro. Seria esta a razão de apontar sempre na mesma direção? Era lá que o encontraria?
- - - - -Este fato deixou-o animado, mas o que deveria fazer agora? Carregar aquele ser, para longe do lugar onde tinham tentando matá-la, seguindo o rumo apontado, para ver no que dava? Se não vinha do domo, de onde procedia? Indeciso quanto ao que fazer, desenhou uma seta contrária ao local do domo, partindo do círculo e fez outra na direção do cefalópode, para que entendesse que o acompanharia naquela direção em que insistira.
- - - - -A criatura estudou os rabiscos e depois olhou para ele, ficando totalmente azul. Entendera seu recado. Em seguida, retirou um dos apetrechos ligados ao traje, colocando-o no chão e começou a tocá-lo com seus tentáculos. O que pretendia?
- - - - -O dispositivo não era muito grande, e à medida que pressionava esta ou aquela parte, uma série de símbolos desconhecidos fosforescentes, pela falta de uma outra definição, se alternavam num pequeno retângulo.
- - - - -Sem poder questioná-la, ficou aguardando, sem entender para que servia aquela pequena peça. Seria uma espécie de bóia ou algo assim, que indicasse sua localização para que os seus viessem resgatá-lo? Ou algum tipo de aparelho que calculava distâncias, demonstrando o quanto teriam que andar até o local apontado por ela?
- - - - -Mas as conjecturas não se estenderam muito. O engenho fez o trabalho ordenado pelo seu mestre, e começou a zumbir, piscando no retângulo, o mesmo símbolo. Fosse o que fosse, ela encontrara o que queria.

Capítulo 7 – Deslocando-se pelo espaço.

- - - - -Demonstrando como a evolução é pródiga em adaptações, nos sete milhões transcorridos, desde a extinção da humanidade, os cefalópodes tinham desenvolvido na extremidade de alguns tentáculos, quatro pequenos apêndices, semelhantes a pseudodedos, características desconhecidas, em nosso tempo. Assim, depois de recolher o objeto postado no chão, pressionou um outro objeto triangular, conectado à indumentária que o recobria, numa ordem precisa.
- - - - -Uma pequena onda de choque partiu do dispositivo, zunindo tal como a chama de um maçarico ao chocar-se com o ar à frente. O filho do Viajante deduziu que aquele cone de compressão provocaria um súbito movimento nas moléculas do ar, ocasionando uma radiação de calor. E se fosse intenso como aparentava, começaria a brilhar. Por não poder estimar com que grau de intensidade isto ocorreria, procurou se proteger, colocando as mãos diante do rosto, para se proteger de eventuais efeitos. Mas, ao contrário do ar quente que esperara sentir, vindo daquele ponto, o gás apenas tremeluziu, abrindo-se numa série de círculos vermelhos que se concentravam, um após o outro, seguidos de um som agudo crescente. Após uma rápida sucessão daquelas formações rubras, quando o som começava já a atingir um nível insuportável, talvez mais para a sensibilidade humana, cessou bruscamente com um pequeno estrondo. Tal ruído devia-se ao rompimento do tecido espacial. Surgiu à sua frente, um fenômeno difícil de descrever pela falta de termos adequados em nossa física, mas que bem poderia ser classificado como algo próximo a um túnel.
- - - - -Estupefato, com aquele orifício tremeluzente, o filho do Viajante, imaginou estar diante de algum tipo de fenômeno previsto por Einstein, que só viria a entender melhor com a publicação de um trabalho conjunto de 1935, deste último e Nathan Rosen, mais conhecido como ponte Einstein-Rosen, resultante da junção de um buraco negro e um buraco branco. Para que dobrasse o espaço, teria que contar com uma fonte de gravidade, grande o suficiente para sustentar tal efeito, ou de alguma partícula exótica. O objeto, junto ao cefalópode, apesar da diminuta dimensão, era poderoso o suficiente para sustentá-lo indefinidamente, ou assim lhe parecera naquele momento, por desconhecer como conseguia engendrar e manipular matéria desconhecida.
- - - - -Apesar de extasiado por poder presenciar aquela cena inédita, para olhos humanos do nosso século, ficou sem entender qual era o seu propósito. Mas o mistério da sua criação não perdurou por muito tempo, já que a criatura, apesar de ferida, tinha desde o inicio se colocado na vertical, controlando-o através do dispositivo, com sucessivos toques de seus apêndices. Quando aparentemente se deu por satisfeita, sem receio algum, aproximou-se do túnel. Depois, foi-se empurrando para o seu interior, sob o olhar espantado do filho do Viajante, desaparecendo aos poucos naquele buraco espacial.
- - - - -Ele ficou ali hesitante, sem saber o que fazer. Teoricamente, um corpo que penetrasse seu interior, seria destroçado pela gravidade. No entanto, para demonstrar que a abertura não oferecia qualquer perigo, o ser que já colocara metade do corpo no seu interior, sem sofrer qualquer desconforto, movimentou alguns tentáculos, numa clara demonstração de que o seguisse.
- - - - -Ele inspirou fundo e deixou-se levar, acontecesse o que acontecesse. Ao adentrá-lo não sentiu muita coisa, a não ser uma leve sensação de formigamento no corpo e um cenário diferente que se estendia para lá do outro lado do túnel. Já não estava mais próximo da coluna que ainda podia observar no outro extremo. O ambiente agora era totalmente diferente e seus pés apoiavam-se agora numa superfície artificial feita de algum tipo de metal.
- - - - -Este deslocamento, que ligava dois pontos distintos do espaço, o deixou impressionado, já que era a primeira vez em sua vida, que prescindira da locomoção usual com os quais os seres humanos se moviam de um lugar para outro. Tal feito somava-se a outro que vivenciara recentemente, impensável pelos padrões da nossa ciência atual. Era muita coisa para ser absorvida, em tão pouco tempo, para um jovem que mal começara a trilhar o caminho da Física. Por instantes lembrou-se de seus colegas e de seus professores, que de muito bom grado, abririam mão de qualquer posse, para poderem partilhar na prática, o que era considerado só teoria.
- - - - -Uma forma artificial que encurtava as distâncias, manipulando o espaço, e outra que tornava o tempo relativo, provocava estranhas sensações corporais. Tais coisas extrapolavam a normalidade, sobre a qual o cérebro humano fora construído. Isto lhe causava um certo desconforto que se traduzia num enjôo constante. Mesmo assim, sua curiosidade, conseguiu superar este mal estar e ele se pos a refletir, sobre o que seus olhos haviam testemunhado.
- - - - -O matemático alemão Hermann Weyl, já havia levantado, em 1921 uma hipótese sobre o efeito do campo eletromagnético sobre a massa, o que permitiria um deslocamento instantâneo de um determinado ponto A para um ponto B. De certa forma, talvez este fenômeno estivessem relacionado a um efeito colateral sobre o continuum espaço-tempo, que acontecia, toda vez que se movimentava pelo tempo. A matéria exótica que seu pai encontrara, talvez fosse parte de um campo maior cujos efeitos físicos, abriam não só buracos no tempo, como no espaço. Quem sabe não era com isto que o seu pai viera trabalhando nos últimos anos, ao amplificá-lo através da segunda máquina que vira construída no laboratório e o que o arrastara para o futuro? Mas de onde proviera a energia que rompera o continuum?
- - - - -Ele deixou as elucubrações de lado, fascinado pelos dois cenários diferentes, que se apresentavam nas duas pontas do túnel, admirado com a façanha conseguida por inteligências não humanas.
- - - - -Assim que se viu totalmente imerso no novo cenário, a fenda, se fechou atrás de si. Ele olhou admirado em todas as direções, e quando se deu conta de onde estava, a primeira coisa que procurou fazer, foi apoiar-se em alguma parede, devido à vertigem que o invadiu. Daquele cenário seguro que deixara para trás, estava agora numa exígua plataforma, suspensa sobre um imenso abismo, detalhe que não pudera perceber antes.
- - - - -Ela estava conectada a estrutura tubular do que parecia ser um elevador que se estendia nos dois sentidos, tanto acima, como abaixo.
- - - - -Assim como o teto rochoso acima, que mal se podia distinguir, o fundo confundia-se com a própria escuridão. A única luz que iluminava parcamente aquele longo poço, provinha de uma estrutura, que na falta de uma descrição melhor, assemelhava-se a uma vasta válvula, que acompanhava todo o lado oposto da imensa concavidade. Seu propósito era desconhecido, e por um breve período não conseguiu desviar o olhar daquele enorme complexo translúcido, cheio de gás, no meio do qual revolteavam estrepitosas cargas elétricas, do mesmo modo como uma mariposa é atraída pela luz.
- - - - -Ele se perguntou por quantas milhas aquele caverna se estenderia, a partir da plataforma, onde estava posicionado? Num cálculo rápido, apesar de possuir poucos pontos de referência, deduziu que de onde estava até a parte superior, se estenderia mais de duas milhas. Provavelmente outro tanto, em direção ao fundo. Não soube precisar se estava num espaço que fora escavado por máquinas, ou se estava numa imensa caverna aproveitada por aqueles cefalópodes, para construir aquela ciclópica estrutura. Fosse a concavidade natural ou artificial, a obra ali realizada, demonstrava a capacidade de realização desta nova civilização que herdara a Terra.
- - - - -O ser que o trouxera pelo túnel, gentilmente envolveu o seu braço direito com um tentáculo, levando-o até uma pequena porta, onde começava a plataforma. Assim que se aproximaram, esta se abriu automaticamente, dando acesso a um compartimento pequeno e arredondado, totalmente transparente, que permitia ver o abismo, sob seus pés. Sensação esta, nada agradável.
- - - - -Dentro dele, o cefalópode apertou alguns controles, e o deixou sozinho, retirando-se para a pequena plataforma. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, a porta se fechou e ele sentiu uma forte aceleração. Sem um referencial, não podia saber a principio, se estava sendo conduzido em direção à superfície ou para baixo, num exemplo prático da relatividade. Porém a visão, através do piso transparente, o fez compreender que se aproximava velozmente do fundo daquela caverna. Aquela aceleração parecia descontrolada, deixando-o preocupado, já que tinha a impressão de que ia se espatifar contra o solo. Ele fechou os olhos, esperando sobreviver ao impacto, mas para sua surpresa, quando o fim parecia próximo, o elevador aos poucos foi desacelerando, até que parou por completo num dos níveis mais profundos. Suspirou aliviado, rindo da sua ingenuidade e desconfiança daquela tecnologia. Desta vez a porta abriu-se não para outra plataforma, e sim para uma câmara.
- - - - -Assim que pôs o pé para fora do elevador, o ambiente iluminou-se por completo, revelando estranhas colunas marrons retorcidas que sustentavam o teto. Algumas tinham sido talhadas na própria rocha, confundindo-se com o mineral que compunha partes da parede. Outras haviam sido escavadas e separadas do corpo principal rochoso da caverna, por chapas metálicas, ligeiramente azuladas.
- - - - -Mesmo ali, nos recessos mais profundos daquela imensa concavidade, podia-se sentir um leve zunido, quase que imperceptível, originário provavelmente das reações que ocorriam no interior daquela vasta e enigmática estrutura repleta de gás, que dominava o lado oposto do elevador.
- - - - -Não havia muita coisa na sala onde estava, com exceção de alguns apetrechos que pendiam do teto na forma de pratos. Era difícil definir se faziam parte de algum tipo de decoração arquitetônica ou se serviam a algum propósito. Quando começaram a jorrar jatos de um gás inodoro que o cobriu por completo, ficou mais claro que se prestavam a algum tipo de tarefa.
- - - - -Sem entender qual a razão de dispararem aquele gás, passou-lhe pela mente, as lembranças que ouvira de sobreviventes das trincheiras da Frente Ocidental, da Grande Guerra, e receou estar sendo vítima de algum ataque. Na medida do possível, procurou proteger os olhos e a boca, temendo por sua vida. Segurou a respiração o máximo que podia e quando ficou sem fôlego, foi obrigado a inspirá-lo.
- - - - -Imaginou o quanto fora tolo em cair numa armadilha, mas ao se imaginar, vítima dos efeitos dos gases, nada do que previra, aconteceu. Ele inspirou mais algumas vezes, com cuidado, sem se sentir qualquer dificuldade respiratória. O que quer que fosse o propósito dos aparelhos, não eram uma ameaça à vida. A menos que seu efeito se desse num prazo mais longo. Mas como vira a si próprio, retornando ao laboratório, pelo menos até aquele momento no tempo, respirando normalmente, tal reação talvez demorasse ainda mais. Neste caso poderia contar com o socorro hospitalar londrino, caso viesse sentir algum dano nos seus pulmões.
- - - - -De repente, uma outra porta se abriu, como se o convidasse para entrar. Receoso por passar por outra surpresa, cautelosamente caminhou até ela, e antes de entrar, observou o seu interior em busca de algo suspeito. Nesta nova dependência não havia nenhum artefato pendente do teto. E poucos objetos se distribuíam pelo seu interior. Na verdade, nada que poderia ser chamado de mobília, já que isto é um conceito puramente humano, destinado a satisfazer as mossas comodidades. Por isso ali não havia nenhuma cadeira, cômoda ou mesa no sentido que conhecemos. Apenas alguns apoios e artefatos de propósitos desconhecidos que se distribuíam irregularmente por aquele espaço, o que o deixou apreensivo. Talvez, fossem disparados por movimentos no ar ou pelo calor do corpo. Retirou uma caixa de fósforos da mochila e a jogou contra eles. A única coisa que ocorreu foi o som abafado dela, caindo ao chão. Pelo menos, estes objetos não apresentaram qualquer reação ao movimento da pequena caixa. Talvez reagisse a objeto maiores. Ele então se aproximou mais um pouco e fez alguns movimentos com os braços, tocando levemente em um dos objetos sem perceber qualquer reação. Então, mais confiante, continuou em frente.
- - - - -Deu mais alguns passos e atrás de uma delas, deparou-se com uma pequena escadaria, que conduzia a um estreito corredor, ladeado por mais daquelas características colunas marrons retorcidas. Não havia como sair dali a não ser por onde viera, ou ir em frente.
- - - - -Ele se perguntou, se tal disposição dos cômodos, não era algum teste para avaliar seu nível de inteligência, do mesmo jeito como o fazemos com as cobaias de laboratório. Se fosse este o caso, não vira até aquele momento, nada que pudesse classificar como um desafio para avaliar sua inteligência. A menos que o método utilizado, fosse completamente diferente do aplicado em laboratórios humanos. Se seu raciocínio estivesse correto, o melhor a fazer então, era aguardar, para ver o que aconteceria. Talvez, os gases lançados sobre si, compusessem um tipo complexo de substâncias a de apurar suas reações, já que não havia como imaginar, quais seriam os parâmetros estabelecidos por uma inteligência, diferente da dos homens.

Capítulo 8 – A recepção.

- - - - -Mas o filho do Viajante interrompeu suas reflexões, quando uma porta se abriu no fim do corredor e um cefalópode, bem maior do que aquele que o trouxera, surgiu, descendo as escadas bem devagar na sua direção. Diante daquela imensa figura que se aproximava, recordou-se de uma passagem que lera na adolescência de Os Primeiros Homens na Lua, em que os heróis são tomados pelo terror ao se defrontarem com criaturas semelhantes ao Louva-a-Deus, em um laboratório onde seriam examinados. Seu coração começou a palpitar por vivenciar a mesma situação de terror, enquanto aquele ser caminhava na sua direção. Por instantes sentiu-se como se estivesse dentro de um cinema assistindo a um dos famosos filmes de monstros dos estúdios Universal e repentinamente fosse transportado para o cenário exibido na tela. Ele procurou dominar o pânico, recorrendo à lógica, para reverter esta sensação, já que, se até então não tinham demonstrado nenhum sinal de hostilidade, não seria agora, que mudariam seu comportamento. Afinal, não estava adentrando uma caverna escura, de algum monstro alienígena e sim, o interior de um complexo de engenharia, construída por seres dotados de uma sofisticada inteligência. Quanto às proporções, que o impressionara, ocorreu-lhe que tal como nos seres humanos, eles provavelmente poderiam diferir no tamanho e nas características. Pois em muitos casos de animais marinhos, o tamanho seria um índice de longevidade do individuo.
- - - - -A criatura aproximou-se dele, e o rodeou por completo, demonstrando grande curiosidade, principalmente com relação aos seus braços, que apalpou com certa hesitação, assim como um cientista faria, ao pesquisar uma espécie nova. Não havia dúvidas de aquele gesto era quase um sinal de sincero interesse, idêntico ao das as crianças, quando se deparam com formas de vida, aos quais não estão habituadas. Era mais do que evidente o seu assombro ao se deparar com uma criatura tão pequena e frágil, dispondo de tão poucos e pequenos apêndices inflexíveis como os nossos.
- - - - -Em seguida a esse exame, a criatura lhe fez um sinal com um dos tentáculos, para que se dirigisse para baixo de um dos aparelhos em forma de ferradura, que ali se encontrava. Mais uma vez, ele se perguntou se seria submetido a algum teste para apurar seu grau de inteligência, o que o deixou contrariado. Mas a criatura insistiu, movimentando os tentáculos várias vezes do mesmo modo, e sem poder contestar o motivo de tal desejo, fez o que esta lhe pedia. Caminhou, não sem certa suspeita, para baixo do dispositivo e aguardou. Por precaução, tirou a mochila dos ombros e como seu pai, que já procedera da mesma forma inúmeras vezes, enfiou uma das mãos, engatilhando a arma dentro dela, caso algum imprevisto acontecesse.
- - - - -Enquanto assim procedia, a criatura rumou para baixo de um outro aparelho, que estava preso ao teto, e pressionando com seus membros, uma série de saliências à sua frente, um dispositivo semelhante a um prato desceu, lançando uma luz multicolorida sobre ela. Aos poucos as cores rodopiaram, mesclando-se até se tornarem numa alva cortina semitransparente de energia. Ainda sem entender qual a razão de tudo aquilo, com o dedo nervosamente pressionando o gatilho do revólver, o filho do Viajante, começou a ouvir debaixo da ferradura certa estática, e pequenos silvos, como normalmente se ouve, quando buscamos sintonizar uma ou outra estação de rádio. Foi então que ele se deu conta para que servia afinal todo aquele apetrecho: estavam tentando se comunicar. De uma forma inusitada, por meio de próteses eletrônicas que ambos não possuíam.
- - - - -De alguma forma, ainda desconhecida por nossa ciência, as cores, que compõe a parte visível do espectro elétrico-magnético, estavam sendo integradas com outras faixas de onda, possivelmente de rádio, permitindo a integração de ambas, numa forma de comunicação. Como o faziam, aguçou de imediato sua curiosidade de Físico.
- - - - -Mas mal teve tempo para teorizar a respeito, quando ouviu uma voz. Não uma, produzida por cordas vocais e sim um som artificial, sintetizado por todo aquele aparato desconhecido - Uthar... Compreender... O que falo?
- - - - -Pela primeira vez, sentiu-se confiante, porque mesmo que toscamente, poderia travar algum tipo de diálogo, o que poderia ajudá-lo no resgate de seu pai. Mas sempre atento a particularidades, que seus colegas normalmente não percebiam, perguntou-se como aquela criatura conseguira modular o aparelho de tal forma, que entendesse de imediato o idioma inglês. O aparelho conseguira isso, sem que fossem feitos testes com sua voz. Como conseguira em tão pouco tempo conciliar duas formas totalmente diferentes de comunicação? Estatisticamente...
- - - - - - Sim! Perfeitamente! Quem são vocês?
- - - - -A criatura, pacientemente, respondeu, pulsando numa série aleatória de cores. Mesmo que tentasse encontrar um padrão, apenas observando as emissões eletro-magnética, tal processo físico era rápido demais para acompanhar e mais difícil ainda de memorizar. Sem aparelhos construídos por humanos que pudessem executar a tarefa de modulá-las e torná-las inteligíveis à nossa forma de linguagem, teria que se contentar com o trabalho do artefato dos cefalópodes. Seus ouvidos recebiam uma cacofonia cujo sentido lhe escapava totalmente. Mesmo assim o aparelho procurava cumprir o seu papel, conseguindo às vezes produzir algumas palavras do nosso idioma. Assim entre uma interferência e outra, podia-se ouvir algo inteligível, como um adjetivo, um substantivo, bem como alguns verbos, de forma a compor frases truncadas. - Nós... Grutarr... Somos Clunãs... Vithaaa.
- - - - -- O que isto significa? É o nome de sua espécie?
- - - - -- Uthar... Não exatamente. Somos... Shavaaar... Mais como uma... União de... Sferrr... Iguais.
- - - - -Era evidente que este tradutor não fora construído com o propósito antecipado de um dia ser usado na comunicação com seres humanos. Mesmo porque tais cefalópodes desconheciam a existência da humanidade. Então, se sua dedução era correta, sua existência devia-se a uma única razão: a necessidade de se comunicar com algum humano que chegara a esta época antes dele. Este humano, só poderia ser seu pai. Se fosse este o caso, como suspeitava, não tivera muito tempo para teorizá-lo e executá-lo, pois não conseguira superar as grandes dificuldades existentes nas formas peculiares de comunicação de cada espécie. Obtivera no máximo, um meio rudimentar de aproximar as duas formas de linguagem, provavelmente repletas de conceitos intraduzíveis. Mesmo assim era um grande progresso. Com certeza muitos dos termos que o filho do Viajante pronunciava, seriam por sua vez, intraduzíveis para a outra criatura. Mas onde estaria o seu idealizador?
- - - - -Mas não pode dar prosseguimento aos seus pensamentos, pois tinha que se concentrar nas perguntas que continuavam a serem feitas.
- - - - -- Agora... Uthar... Posso, pergunto... O shavaar... Que vida é sua forma?... Uthar... De onde procede? Uthar...
- - - - -Ele olhou fixamente para a criatura e pensou por instantes de que maneira responderia a uma pergunta tão delicada. Receava que, se revelasse que possuía uma máquina de transporte temporal, poderiam tomá-la de si para estudo, o que poria em risco a sua missão de resgate. Mas teria que satisfazer de algum jeito a curiosidade do cefalópode.
- - - - -- Não posso lhe dizer como cheguei aqui. Pois não sei muito bem o que aconteceu. Fui arrastado para cá, por um fenômeno desconhecido. Mas posso lhe dizer, que pertenço a uma espécie que já dominou este planeta. Nós conhecemos por humanidade. E cada indivíduo que a compõe é denominado homem.
- - - - -O octópode ficou em silêncio por alguns minutos, como se precisasse, absorver e interpretar tais afirmações. Depois rompeu a pausa – Uthar... Fala como o... Outro? Shevaarrr? Ele... Diz...Uthar... O mesmo.
- - - - -Ao ouvir isto, sua expressão facial mudou. - A qual “outro” você se refere?
- - - - -Estaria ele certo, em deduzir, que tanto a imagem que fora tracejado no chão, próxima à coluna e a razão do tradutor, afinado com o nosso idioma, nada mais eram do que indícios concretos da presença de seu pai?
- - - - -- Queverrrr... Há tvarrr... Trouxemos um... Sua espécie.
- - - - -Com ansiedade na voz, ele perguntou.- Este “outro” ainda se encontra aqui?
- - - - -- Queverrr... Responder... Minhas perguntas. - retrucou a criatura.
- - - - -- O que mais quer saber?
- - - - -- Eu... Certeza... Shavaarr... Sua presença aqui... Não... Levar o seu outro. Skerrr... Daqui. Preciso... Certeza. Certeza... Skverrr?
- - - - -Ele continuava em dúvida sobre as afirmações que lhe eram apresentadas e não tinha idéia se o “outro”, ao qual a criatura se referira, seria mesmo o seu progenitor, ou a qualquer outro ser humano, abduzido em outra época, com o objetivo de aumentarem seus conhecimentos sobre a nossa espécie. Pelo menos, apesar da linguagem truncada, ficara claro que não estava sendo submetido a nenhum teste, mas sim a um interrogatório, para avaliar o que era e o que viera fazer no seu mundo, sem ser ter sido convidado ou o que era pior, raptado. Isto o deixou menos apreensivo e calmamente retirou a mão da mochila, largando a arma no seu interior. Mas uma coisa era certa, neste mar de incertezas: se ele quisesse saber o paradeiro de seu pai, precisaria continuar neste jogo de perguntas e respostas, até ter uma idéia mais ampla da situação em que se encontrava. E se possível obter pistas sobre seu paradeiro.
- - - - -O seu interrogador estendeu um dos tentáculos, e pressionou outra barra e uma imagem projetou-se no ar, acima de uma das mesas. Era uma imagem incompleta da Máquina do Tempo, um pouco diferente da que usara para chegar até aquela época. Havia partes faltando e algumas acrescentadas que desconhecia. Uma delas era uma peça, semelhante a um tambor, parecida com a que encontrara na oficina.
- - - - -- Uthar... Foi... Shavaarr... Esta máquina? Trazê-lo aqui? Skveerr?
- - - - -A criatura era esperta, e de alguma forma, teria que criar alguma estória convincente.
- - - - -- Não exatamente. Não vim através de qualquer máquina. Fui arrastado em uma experiência feita num laboratório de meu tempo.
- - - - -O cefalópode não reagiu à afirmação que fizera. Era difícil avaliar o que pensava, já que não tinha traços faciais que permitissem identificar qualquer emoção. Apenas apertou outro dispositivo e uma imagem tridimensional se formou, mostrando uma outra máquina, bem maior, cujo prato ficava suspenso sobre todo o conjunto.
- - - - -- Sverrr...É esta? Uthar...
- - - - -- Não. Desconheço esta. Apenas vim parar neste mundo.
- - - - -Afinal o que pretendiam? Desconfiado, mais uma vez, ele recolocou a mão na mochila, procurando tateá-la em busca da arma. Se tentassem forçá-lo a dizer onde estava escondida a Máquina, teria que fazer alguma coisa. Talvez conseguisse matar a criatura que estava ali e não lhe restaria outra opção, a não ser fugir dali. Mas como sair daquele complexo subterrâneo?
- - - - -- Shavaar... Preciso... Teste fazer. - disse a criatura. E como percebendo seu desconforto, procurou apressar o que pretendia, demonstrando conhecer um pouco das sutilezas humanas. Teria aprendido com aquele outro ser humano?
- - - - - - Uthar... Não machucá-lo. Skvarr... Caminhe até parede... - disse a criatura, alongando o tentáculo na direção de um aparelho, para onde ele deveria se locomover.
- - - - -Mais uma vez, preparado para qualquer eventualidade, Ele cautelosamente assim o fez, aproximando-se de um aparelho transparente como cristal. – Skvarr... Estenda apêndice em cima dela. Uthar...,- ordenou.
- - - - -Assim que pousou seu braço sobre ele, uma faixa de luz o percorreu e uma nova imagem apareceu, onde antes existira a da Máquina. Para seu espanto, viu com curiosidade o seu próprio membro, projetado tridimensionalmente. A principio ele não entendeu a razão do pedido e porque a criatura fazia isto. Mas logo em seguida, numa velocidade estonteante, como se fizesse um mergulho às profundezas microscópicas da matéria, a imagem foi mostrando suas células e por fim os cromossomos. E não parou por ai, até chegar numa parte tão pequena parecida a uma escada enrolada. Esta foi ampliada e comparada, sobrepondo-se a uma outra, igual a sua. Várias cores se seguiram, do mesmo engenho, talvez indicando algo, no idioma daquelas criaturas de extrema importância. Para o filho do Viajante toda aquela experiência continuava sendo uma enorme incógnita.
- - - - -A criatura novamente estendeu um dos tentáculos e indicou para que voltasse para o lugar anterior.
- - - - -- Skvarr. Acompanhar. - Meio indeciso ao que fazer, ele seguiu mais uma vez o cefalópode. Este, no meio do caminho pegou um pequeno aparelho que estava depositado numa base, carregando-o consigo. Subiram os degraus juntos e penetraram no compartimento de onde este viera. Entraram em mais uma sala quase vazia, com poucas coisas em seu interior, cujo propósito era desconhecido. Por fim chegaram até um outro corredor que terminava numa outra porta. Esta subiu vertiginosamente assim que se aproximaram, mostrando um compartimento circular. Era um outro elevador.
- - - - -Fizeram outra pequena viagem, descendo ainda mais aos recessos daquela enorme cavidade. Assim que chegaram ao que parecia ser o subsolo, o elevador, para sua surpresa, andou de lado, levando-os rapidamente para outro local. Por ser translúcido, ele viu naquele deslocamento lateral, centenas daquelas criaturas, nas mais diversas salas, dialogando no seu característico mimetismo colorido. Ele pressupôs que o dispositivo onde estavam devia ser recoberto por duas faces, já que permitia ver o lado de fora, mas não permitia ver o seu interior, visto que nenhum daqueles cefalópodes pareceu reparar na sua presença.
- - - - -Por fim pararam e uma outra porta abriu-se rapidamente. Passaram por ela e adentraram um compartimento de tamanho regular, repleto das mais diversas máquinas e em frente de uma delas lá estava ele, seu pai, o primeiro Viajante do Tempo, tão surpreso quanto ele. Não, é claro, por vê-lo ali, mas pela demora em vir em seu encalço. Nunca duvidara de que as indicações que dera a Weena possibilitariam seu resgate.

Capítulo 9 – O reencontro.

- - - - -Pai e filho sempre haviam se pautado pelo comedimento, raras vezes exteriorizando seus sentimentos. Mas aquele momento era tão único em suas vidas, que rompera a prática habitual. Assim, quando se reencontraram, não puderam conter a emoção que os invadiu. Cada um deu vazão ao que sentia. O pai, mesmo contrariado com o atraso do filho, não podia esconder o alívio de revê-lo, sabendo que a partir daquele instante a chance de sair daquele local, multiplicara-se por dois. O seu transporte do laboratório tinha ocorrido de forma tão rápida, que mal pudera deixar para Weena uma pista do seu paradeiro. Pelo menos ele lhe traria notícias sobre ela. Para o filho, o alívio de saber que seu pai estava vivo, e que poderia cumprir o que prometera à mãe.
- - - - -Os dois não se contiveram mais e abraçaram-se entusiasticamente, tempo suficiente para que cada um se reconfortasse com o contato do outro. E como não poderia deixar de ser o Viajante retornou à sua costumeira cautela, objetivando já uma rota de fuga para ambos. Ciente de que seu filho chegara até ele, através de sua Máquina, era de primordial importância que esta continuasse longe daquelas criaturas. Antes de terminar o abraço, murmurou aos ouvidos do jovem, que em hipótese alguma revelasse qualquer coisa sobre ela, inventando qualquer estória a respeito do modo como chegara. Depois se afastaram, olhando-se mutuamente para selar o acordo tácito entre ambos de modo que tal procedimento passasse despercebido aos sentidos do octópode, que como um antropólogo em meio à selva africana, observava curiosamente as nuances do encontro.
- - - - -- Como está sua mãe?
- - - - -- Forte como sempre. E aguardando seu retorno. Prometi que o traria comigo.
- - - - -Tais palavras infundiram novas esperanças ao experiente Viajante, ao saber que sua Weena ainda continuava esperando-o, apesar dos sete milhões de anos que os separavam. E da decisão firme do filho em resgatá-lo.
- - - - -- E você como está?
- - - - -- Só um pouco cansado.
- - - - -O pai apenas devolveu-lhe um sorriso.
- - - - -Por sua vez, o radiante jovem examinou detalhadamente os traços faciais de seu pai, emoldurado por uma barba cinzenta. Não mudara quase nada, mas pelo tamanho dela, deduziu que alguma coisa não estava certa. Imaginara encontrá-lo no mesmo dia em que chegara a este mundo. Mas já fora alertado por mim da relatividade do tempo, que turvava a noção exata do que era ontem, hoje ou da própria passagem dele.
- - - - -Além da barba crescida, suas roupas haviam sumido, e uma estranha indumentária recobria seu corpo. O que tinha acontecido?
- - - - - - Barba? Roupas? Do que está falando? - exclamou o Viajante do tempo, após as perguntas inevitáveis do filho, referente a estes dois detalhes. Aproximou - se o mais que pode dele e segredou-lhe outra pergunta, esperando que o aparelho tradutor não captasse seu sussurro. - Recorda-se da data, quando chegou?
- - - - -- Ah? Sim... Quando cheguei... Deveria ser o ano de 7.101.235, dia 15 de junho.
- - - - -Seu pai murmurou a data por alguns segundos e depois fez um gesto para que o acompanhasse até um outro canto da sala, sempre seguido pelos olhos atentos do cefalópode. Para sua surpresa, demonstrando a criatividade de sempre, próximo a um dispositivo, ele havia confeccionado um tosco calendário, que se apresentava rabiscado, indicando os dias transcorridos desde sua chegada.
- - - - -Memorizara a data fixada no painel de sua Máquina, assim que se iniciara o seu transporte. Depois utilizara seu relógio de pulso, que a cada vinte e quatro horas, resultava em mais uma cruz sobre os dias quer rabiscara. Desta forma, apesar de não poder contar com mecanismos mais precisos, poderia ao menos ter uma noção da passagem do tempo de acordo com os nossos padrões. Procedera assim porque o sistema de cronometragem dos cefalópodes baseava-se em conceitos de difícil compreensão, sem qualquer conexão com a nossa cultura. Pela quantidade de entalhes, o rústico calendário indicava claramente que estavam no dia quatro de setembro de 7.101.235!
- - - - -- Foi o que imaginei! - exclamou. - A Máquina necessita de um ajuste. Por causa disso, o deslocamento temporal provocou para cada milhão de anos, um desvio de quase onze dias.
- - - - -O jovem fez um rápido cálculo mental e ficou consternado. Isto explicava a barba e a substituição das roupas. Apesar do choque do atraso, e para nada revelar sobre a Máquina, procurou ser vago em relação à constatação de seu pai, expressando-se mais para o entendimento da criatura do que para ele. - Isto significa que o efeito físico que conseguimos recriar para resgatá-lo, não levou em conta este desvio, transportando-me para onze semanas após a sua chegada. Não passou pela cabeça de ninguém que em intervalos de tempo tão longos, esses erros poderiam ocorrer. Mas como não tínhamos um controle total sobre as particularidades do fenômeno, foi o melhor que pudermos fazer para encontrá-lo. Felizmente o desvio não foi maior. Não sei o que faria se tivessem me transportado para uma data cinquenta ou cem anos, posterior ou anterior à sua chegada.
- - - - -O pai procurou ser complacente, já que conhecia a pouca experiência do filho sobre os delicados mecanismos da Máquina, que exigiam constantes ajustes. Assim deu prosseguimento a farsa combinada. - Como poderiam saber? Não é culpa sua ou deles e sim dos equipamentos com os quais trabalhavam. Eles ainda precisam ser aperfeiçoados. Mas, tarde ou não, o importante é que está aqui, no agora, compartilhado por nós dois.
- - - - -Mas antes que pudessem dar continuidade ao diálogo, o cefalópode aproximou-se, para entender qual a razão da demora daquela estranha conversa. Poderia compreender o estímulo mútuo entre dois indivíduos do mesmo clã, como era comum entre eles mesmos, mas trivialidades era o que menos lhe interessava. Importava-lhe, isso sim, saber se o último bípede viera sem ou com algum dispositivo, que conforme fosse, poderia ajudá-lo em seus planos.
- - - - -Percebendo a aproximação, seu pai novamente trocou olhares com ele, de modo que deixasse para si as explicações. Como desconhecia qual era o grau de entendimento que ele conseguira junto a essas criaturas, não queria, por algum deslize, por a perder qualquer esforço que fizera neste sentido.
- - - - -- Este é Clultoch. – O filho apenas abaixou a cabeça em respeito.
- - - - -O ser, utilizando o pequeno aparelho que trouxera, procurou saber se aqueles que pertenciam ao mesmo clã praticavam experimentos em conjunto ou se este viera, auxiliando por algum artefato transportador.
- - - - -- Sim de fato somos do mesmo clã. – disse o Viajante. – Mas ele é muito grande, e muitas vezes não sabemos o que a outra parte faz. Uma câmara do passado o trouxe até aqui, e não sabemos como voltar.
- - - - -Sem demonstrar se a resposta o contentara, continuou com as indagações, perguntando o motivo da vinda de outro membro da sua espécie àquela época.
- - - - -Explicou-lhe que havia um elo muito forte entre os membros de cada tribo e não se poderia esperar outro comportamento de todos que a compunham. Que no interesse comum, quando um se visse em perigo, todos os demais acorreriam em seu socorro. Assim se explicava a presença de outro membro, transportado voluntariamente, através de reconstituições mal feitas por intermédio de uma câmara, como já ressaltara. Tal operação correra de forma improvisada, carecendo de informações e equipamentos adequados.
- - - - -Se havia alguma dúvida, de que o filho do Viajante viera parar, em meio a uma situação delicada daquela sociedade, da qual, desconhecia os pormenores, se dissipara por completo. O melhor a fazer era acompanhar os movimentos de seu pai, para, aos poucos, se inteirar do que estava acontecendo e se adequar à situação, qualquer que fosse ela.
- - - - -A criatura tentacular, sem demonstrar o que pensara da resposta, afastou-se dos dois, o suficiente para que a conversa não fosse captada pelo tradutor, que deixara pousado sobre uma pequena base. Assim puderam trocar impressões, de modo a não revelar a posição da Máquina, por razões que seu pai deveria saber melhor do que ele.
- - - - -- Então, filho, como foi nosso salvamento? Como se sentiu?
- - - - -Não tenho palavras para descrever, pai. Eu senti muito não ter ficado mais naquele dia, em que te entreguei a barra de cristal. Ver mamãe tão nova...
- - - - -- Desculpe-me por não tê-lo preparado. Fui tentado inúmeras vezes a colocá-lo à par, mas relutava muito em fazê-lo. Por causas dos perigos. Mas sabia que um dia teria que lhe revelar toda a verdade. Não havia outro jeito. E quando vi a proximidade da idade que deveria ter para iniciar a viagem... Aconteceu isto...
- - - - -O filho do Viajante do Tempo pos a mão sobre o ombro do pai, entendendo a sua relutância. Nem sempre era possível seguir o que o coração ditava, devido às exigências das circunstâncias.
- - - - -- O importante é que chegou na hora certa e nos salvou. Na verdade nos três fomos salvos naquele dia. – disse o Viajante, sorridente, abraçando-o mais uma vez.
- - - - -O jovem olhou para ele, e se deu conta das sutilezas do tempo e da estranha situação que envolvia sua própria existência. Se não tivesse socorrido seus pais, não teria nascido. Mas a grande dúvida, que o assaltou naquele momento, como físico que era, foi o de saber aonde começavam as causas e onde terminavam os efeitos, que levariam ao seu nascimento. Está bem claro para a ciência, que a toda causa se segue um efeito e vice-versa. Poderia aplicar tais postulados, a seu caso, que parecia violar estas normas? Procurou não pensar muito nesta particularidade já que era o primeiro ser humano a nascer nestas circunstâncias. Quem poderia se imaginar, fruto de uma mãe do futuro e um pai do passado? Poderia filosofar um dia inteiro, sobre isto, sem chegar à conclusão alguma. Assim, voltou-se para a realidade do momento que o envolvia.
- - - - -- Filho. Há uma coisa que preciso saber. A barra de cristal continua em seu poder?
- - - - -Ele automaticamente apalpou a mochila, certificando-se de que ela continuava ali – Sim! Por que?
- - - - -- Ainda não tenho certeza. É só um pressentimento. Por enquanto, guarde-a e não a mostre a ninguém. Mantenha-a escondida o máximo que puder, do mesmo modo como a Máquina.
- - - - -- Como quiser... Na verdade já tomei estas precauções.
- - - - -O Viajante apenas meneou a cabeça em sinal de concordância.
- - - - -- Pai... Outra coisa. Quando cheguei aqui, me fizeram passar por um gás. É algum tipo de proteção relacionado ao movimento que nossos corpos fizeram pelo Tempo?
- - - - -O primeiro Viajante esboçou outro sorriso. – Sim! Mas não para você e nem para a minha pessoa! Não se esqueça que já se passaram sete milhões de anos, e novas formas de micróbios se desenvolveram. O intuito do gás foi para protegê-lo dos novos que estão à nossa volta e a eles, dos nossos, que carregamos do passado.
- - - - -- Há uma outra coisa, que me chamou a atenção, que talvez possa me explicar. Não sou entendido em biologia, mas sei um pouco sobre nossa constituição celular. Vi uma projeção aérea de nossos genes e algo mais, dentro deles, que não soube identificar.
- - - - -O pai pensou um pouco e depois considerou a respeito. - Me parece, em vista da atual circunstância, pelo qual passa esta espécie, que se trata de alguma forma de identificação que carregamos. Na verdade que todos os seres vivos carregam nos cromossomos e queriam ter certeza de quem era. Precisavam da certeza de que sua presença não era algum artifício engendrado pela ciência de seus opositores para burlar a segurança em que vivem.
- - - - -- Mas, por que isto?
- - - - -- É uma história complicada, meu filho. Muito complicada mesmo. Se o fizeram, tinham suas razões para procederem assim. Estamos vivenciando uma espécie de ruptura na comunidade deles e toda cautela é pouca.
- - - - -- Ruptura, pai? Há dissensões sociais entre eles?
- - - - -- Parece ser algo recorrente na vida deste planeta. Quando ela atinge um certo grau de sofisticação, ideias, conceitos, cultura, tudo isto reunido, acaba criando divergências de opiniões que se acomodam em facções opostas. Os motivos podem ser os mais variados, mas o que está em jogo, o cerne desta guerra, é a nossa própria existência como espécie.
- - - - -- Então é por isso que vivem aqui escondidos. - murmurou o filho do Viajante. – Por causa desta... Ruptura?
- - - - -- Sim. - Confirmou o Viajante. - E razão dela, reside no meu invento.
- - - - -O filho o olhou perplexo, sem entender as palavras proferidas por seu pai.
- - - - -- A Máquina que enterrei para esconder da humanidade os perigos da viagem no tempo, parece ter vontade própria. Ela sobreviveu, como um fóssil, nas entranhas da Terra.
- - - - -- E...?
- - - - -- Foi descoberta por esta espécie, quase sem querer, ao construírem uma de suas vias aéreas. Raciocine comigo. Imagine o furor que tal achado causaria, se nossos arqueólogos encontrassem no meio da selva amazônica, os restos de uma máquina sofisticada, que não fosse compatível com a cultura dos seus primitivos habitantes? Seria uma demonstração de que os indígenas ou eram mais avançados do que nós, ou que no passado, uma cultura muito mais sofisticada viveu o suficiente naquela região para construir um artefato complexo, com base em sólidos conhecimentos científicos.
- - - - -- Não posso deixar de concordar. Causaria o maior estupor no mundo, maior ainda do que foi a fascinação pela descoberta da tumba intacta do faraó Tut-Ank-Amon.
- - - - -- Agora imagine, se a descoberta fosse feita, por uma outra espécie inteligente que habitasse no futuro nosso planeta, e jamais tivesse noção de que seres inteligentes os haviam precedido?
- - - - -- Não consigo avaliar o real impacto que provocaria.
- - - - -- Imagine então, a revolução que isto causaria numa cultura cujos membros se consideram uma criação única, toda especial? Que, além disso, possuíssem uma aversão por qualquer espécie diferente da sua?
- - - - -- Foi por esta razão que o arrastaram até aqui? Por causa da Máquina que inventou?
- - - - -- Sim filho. Mas não se preocupe. Sei que as perguntas são muitas e tentarei responder, ou pelo menos explicar o que puder assim que for posto a par da realidade desta sociedade. Assim, continuando com nosso plano, faremos de conta que já está informado sobre a sua situação de não poder regressar. Para que ele se sinta confiante em relação a nos dois, pedirei que explique melhor a razão da guerra e da minha presença aqui.
- - - - -O filho do Viajante ainda não compreendia a razão de não ser seu próprio pai a dar as explicações, ainda mais que pedira para esconder a barra de cristal. Mas faria sua vontade. No entanto uma curiosidade tinha que satisfazer em primeiro lugar.
- - - - -- Pai, não consigo entender uma coisa. Como pode viajar pelo tempo sem a Máquina? Eles possuem dispositivos mais avançados do que ela?
- - - - -- Ah! Não exatamente. Mas não deixou de ser uma surpresa para mim também. Eu estava trabalhando numa forma de poder não só de se deslocar pelo tempo, como pelo espaço. Depois do que acontecera com a Torre, percebi que ela era muito vulnerável, por não poder deslocar-se espacialmente. Então resolvi construir um protótipo que pudesse me ajudar a resolver este problema. Se conseguisse solucioná-lo, ela poderia navegar em sincronia com todas as dimensões conhecidas.
- - - - -- Aquela pequena máquina cheia de parabólicas?
- - - - -- Sim!
- - - - -- Estava fazendo um teste, quando ela entrou em sintonia com uma outra, deste lado, operada por Clultoch.
- - - - -- Ele mesmo?
- - - - -- Sim.
- - - - -- Ah!... E o que aconteceu pai?
- - - - -- Algo maravilhoso filho! As partículas de gravidade, os chamados grávitons, abriram caminho até a oficina e sem que eu pudesse fazer nada, fizeram jorrar as partículas cronotronicas pela fenda aberta.
- - - - -- Como uma represa que de repente sucumbe à pressão da água?
- - - - -- Exato meu filho. Só tive tempo de mostrar à sua mãe para onde estava sendo levado.
- - - - -- Por isso o dispositivo pequeno, quase derreteu com tanta energia. – murmurou o jovem.
- - - - -- É uma possibilidade, já que não estava preparada para uma carga tão grande. Mas agora... Devemos continuar dando atenção a Clultoch, para que tudo pareça normal.
- - - - -Ele caminhou até a pequena base, e pegou o pequeno aparelho, sobre o qual a criatura o deixara para lhe fornecer algumas explicações sobre sua utilidade. Ao mesmo tempo procurava com essa atitude simular uma falsa atenção àquele ser do futuro.
- - - - -Antes de ativá-la, sussurrou mais uma vez ao seu filho, que não estranhasse a forma como conversa discorreria, pois as incertezas não permitiam a franqueza ao qual estavam habituados.
- - - - -Ele se aproximou da criatura que até aquele instante demonstrara desinteresse pelo restante da conversa entre os dois, ocupando-se com outros afazeres e aproximou o tradutor.
- - - - - - Este é então Clultoch. Ele é uma espécie de condutor do seu povo, já que não encontro palavras em nossa língua para traduzir a sua posição, dentro da hierarquia em que vivem. De todos é o mais velho, por isso sempre tem a última palavra, e todos o seguem pela experiência. Só para que tenhas uma idéia, hoje sua idade beira quase os 150 anos dos nossos. O que na espécie dele é ser considerado como um cavalheiro de meia idade. Creio que consigam viver até os 200 anos ou mais. Mas este é o mais velho de todos que conheci até agora.
- - - - -- Como já percebeu, eles se comunicam por um interessante sistema de cores, mudando-a constantemente com os pigmentos que possuem na pele. Não possuem escrita, não no sentido como a entendemos. Utilizam painéis coloridos, assim como nós utilizamos a escrita para traduzir o que pensamos.
- - - - -O Viajante estendeu o aparelho para ele e pediu que o segurasse.
- - - - -- Nestas onze semanas em que vivo aqui, junto com alguns de seus cientistas, conseguimos desenvolver um modo de comunicação, baseado no espectro luminoso. Mesmo assim é muita grande a incompatibilidade entre os nossos dois sistemas de linguagem. Porém há conceitos básicos que são idênticos a todas as formas de vida deste planeta. Assim sendo, partimos da igualdade existentes entre eles, de forma que, graças ao auxílio de um dos seus engenhos, que consegue manipular informações com grande rapidez, foi criado um código que consegue integrar as duas faixas do espectro. É muito rústico, mas é melhor do que nada. Não faz idéia de como foi difícil quando tentamos nos comunicar pela primeira vez. Agora que já é possível um provisório entendimento, ele poderá lhe explicar melhor do que eu, a razão da minha presença nesta época.
- - - - -Ficara claro, que a inventividade de seu progenitor não tinha limites. Sua engenhosidade o inspirara a juntar duas freqüências distintas do espectro eletromagnético, permitindo que entendesse o teor principal das perguntas feitas pelo cefalópode, assim que chegara na cidade subterrânea.
- - - - -Se o haviam trazido, com a desculpa de defender a raça humana, ainda não ficara bem claro de que modo fariam isso. Talvez cada espécie possuísse um arcabouço próprio de como filtrar o mundo exterior apresentando soluções muito diferentes daquelas que nós proporíamos.
- - - - -- Então estamos aqui graças a um ato de consciência de Clultoch para com a nossa espécie? – perguntou o filho do Viajante, de modo que o octópode percebesse a referência velada à sua aparente atitude desinteressada.
- - - - -- O motivo, - respondeu seu pai, - parece-me ser este. Porém, a razão do seu gesto continua um tanto nebuloso, para o meu entendimento, já que está relacionada a aspectos específicos desta cultura, desconhecida para nós. Apesar de estarmos trabalhando para o nosso clã, sobre transporte temporal, sem desconfiarmos que tal gesto poderia insultar inteligências futuras, creio que nossos descendentes acabaram por escondê-lo da humanidade, talvez por altruísmo a qualquer forma de vida que pudesse ser prejudicada pelo invento. Queriam afastar eventuais perigos, o que acabou, na verdade, provocando o efeito oposto.
- - - - -- E...?
- - - - -Olhando para o ser parado à frente dos dois, ele continuou sua explicação.
- - - - -- Se entendi corretamente, o que Clultoch me disse, a outra facção está elaborando, desde que aqui cheguei, um dispositivo baseado nos vestígios de nossa invenção, para eliminar todos os humanos da face da Terra. Por causa de sua xenofobia exagerada, temem que possamos invadi-los por meio deste dispositivo. No momento não sabemos qual o patamar que atingiram e muito menos, onde está sendo construída. Neste intervalo de tempo, tenho tentado inteirá-lo de como funciona o nosso transporte temporal, para encontrar um meio de neutralizar o dispositivo do grupo contrário.
- - - - -O filho do Viajante ficou perplexo com as palavras proferidas por seu pai, sobre o perigo que a humanidade corria, percebendo que ali estava quase tudo que havia para ser dito. Mas seria apenas impressão sua, ou os fatos ali relatados, continham mais coisas sobre as quais seu pai não pudera lhe alertar?
- - - - -Naquele momento, sua única alternativa era seguir as instruções dele, até que pudessem falar sem serem ouvidos e a partir daí, tomarem uma decisão. Assim, continuou prestando atenção às suas palavras.
- - - - -- Creio que acompanhando os esclarecimentos de Clultoch, apesar das eventuais limitações do tradutor, entenderá a razão de minha presença, que por mais que tentasse ser neutro sempre estará contaminada de um viés humano. Por enquanto, poucos dos que aqui vivem sabem da minha presença, e agora da sua, pois alguns são muito sensíveis a reações xenofóbicas. Portanto, será levado a locais onde há companheiros confiáveis de Clultoch menos sensíveis a este comportamento e a uma exposição, que será bastante ilustrativa. Depois disto, voltaremos a conversar, sobre como poderemos ajudá-los.

Capítulo 10 – Pelo interior da cidade.

- - - - -O filho do Viajante aquiesceu às instruções de seu pai, acompanhando o cefalópode rumo ao elevador, que manteria sua presença incógnita, graças à dupla face da qual era revestido.
- - - - -Neste percurso silencioso que fizeram, entregou-se novamente às suas reflexões. As palavras de seu genitor, sobre aspectos desconhecidos desta nova inteligência que medrara sobre a Terra, ressaltava uma questão que sempre incomodara os homens; a questão de estarmos ou não, sós no universo. Havia uma curiosidade em saber-se como seria o exercício da cognição por outras formas de vida, que orbitassem outras estrelas. A definição de tal questão sempre fora inconclusiva pela falta de dados, já que em toda a sua existência, a humanidade só conhecera a si mesma como a única fonte de pensamento, eufemisticamente considerado elevado.
- - - - -Pela primeira vez, dois representantes da raça humana, testemunhavam a existência de uma outra inteligência que apesar de não ser de outro mundo, desenvolvera-se longe de nossos sentidos. Mesmo compartilhando um ancestral comum longínquo, seriam suas conexões cerebrais arranjadas de forma tão diferente da dos seres humanos, a ponto de elaborarem conceitos subjetivos mais sofisticados que os nossos? E seus sentidos, semelhantes em alguns aspectos aos nossos, apreenderiam a naturezas sob um ângulo bem diferente do modo como estamos habituados?
- - - - -Sua linguagem inusitada, já era um bom exemplo destas diferenças, pois além de não possuir, até onde sabia, algo semelhante a uma grafia, sua comunicação baseavam-se num sistema pré-estabelecido de frequências do espectro-eletromagnético. Certamente seu sistema numérico deveria ser diferente também, apesar de não tê-lo visto.
- - - - -Da mesma forma que os seres humanos haviam construído seu conceito de grandeza decimal baseado na quantidade de dedos que dispunham, provavelmente estes seres teriam usado seus apêndices para criar alguma forma de expressão de valores com base octogenal. Que surpresas ainda estariam à espera dos dois, neste contato singular com outras formas de vida pensante?
- - - - -Enquanto se perdia nestas divagações, o elevador, completou a movimentação lateral, abrindo a porta. Clultoch foi o primeiro a sair e o fitou com seus dois enormes olhos, como se quisesse dizer alguma coisa. Mas era claro que a maneira de ver o gesto daquela forma, não passava de uma interpretação humana. Não utilizando o tradutor, ele delicadamente envolveu seu braço com um dos tentáculos, puxando-o, no sentindo de fazê-lo entender que o seguisse numa determinada direção.
- - - - -A partir dai, percorreram uma série de túneis escavados na rocha, penetrando por fim numa câmera maior, que lembrava um grande Museu.
- - - - -Havia muita coisa exposta, dentro de enormes cilindros transparentes. Estes se dispunham das mais diversas formas, separados por amplos corredores.
- - - - -À medida que foram passando diante dos cilindros, seus olhos se assombraram com a diversidade de seres vivos, diferentes de tudo que já vira em seu tempo. Sua especialidade não era a biologia e como na Terra da sua época, ainda faltavam muitas regiões para serem exploradas, talvez existissem espécies por descobrir que tivessem sobrevivido a Era dos Homens. Mas se não era esse o caso, com certeza, deveriam ser formas novas, produto da evolução deste período de milhões de anos que mediava entre o século do qual viera e onde estava agora.
- - - - -Nestas “jaulas”, onde viu poucos animais reconhecíveis, um ou outro, por algumas características, pareciam ser familiares, mas já tinham se diversificado bastante da espécie original, que conhecera no Zoológico de Londres ou em periódicos especializados.
- - - - -Os poucos que conseguiu reconhecer pareciam estar extintos, já que estavam expostos apenas com seus esqueletos armados, da mesma forma que alguns dinossauros são apresentados em nosso Museu de História Natural. Mas diferente deste, ao invés de painéis explicativos, via-se uma imagem, projetada por um sofisticado aparelho, que permitia, dentro de certos limites, recriar com a máxima fidelidade possível, como era em vida este ou aquele animal. Jamais vira semelhante recurso, que pudesse permitir uma visão tão rica de detalhes de espécies desaparecidas. Infelizmente tais projeções não dispunham de sons – e mesmo que tivessem, haveria o problema do idioma – então o que se via, eram faixas laterais, que piscavam num padrão de cores, só inteligíveis para os cefalópodes.
- - - - -Pelo menos uma vez, diante de um deles, tentou se concentrar, hipnotizado pelas cores que emitiam. Esforçou-se para encontrar algum padrão que pudesse entender, e por fim, concluiu que era por demais complexo para sua mente, dando-se por vencido. Ali estava a prova cabal, de como a evolução engendrara outras formas de comunicação inteligente, bem diferente da humana. Talvez fosse uma regra da vida: indo do menor, mais simples, para o maior, mais complexo, resultando no pensamento abstrato, alheio somente às necessidades imediatas.
- - - - -Ainda era cedo para afirmar que ela existia e sempre se comportaria da mesma maneira, em todas as ocasiões que uma nova forma de pensar despontasse no horizonte da biologia. Se pudesse, de maneira diferente como fizera seu pai, viajaria pelo tempo em busca de mais provas de que tal padrão era recorrente na história natural do planeta, quiçá, abrindo um novo campo de estudo para os cientistas.
- - - - -Por fim chegaram a um setor, que do seu ponto de vista, foi o ápice da visita educativa e uma aula de reflexão em si mesma. O que viu, demonstrava a relatividade de nossa pretensa superioridade em relação às outras formas de vida da Terra. Ao invés de um setor de antropologia, que exporia de modo principal nosso papel no contexto já citado, via-se um em que poderia apropriadamente ser chamado de Molluscuslogia e que exaltava o que era, no entender destes seres, o supremo ápice da evolução, numa inversão completa de nossa visão antropocêntrica.
- - - - -Neste setor, via-se todo o caminho percorrido pelos cefalópodes, através de fósseis, reconstruções e imagens, até a espécie atual mais robusta, que aos poucos se adaptara para viver fora dá água. Agora, era esta a senhora do planeta. Seria a última, ou viriam outras depois? Uma tristeza invadiu seu espírito, quando se lembrou de toda a história que conhecia dos homens e dos filósofos que se debruçaram inúmeras vezes sobre ela, para enaltecer ou aviltar a humanidade.
- - - - -Mas não era isso que a criatura queria lhe mostrar, e assim passaram desta parte do mostruário para outra, onde para sua surpresa, se deparou com um setor da nossa própria espécie. Na maioria eram restos de crânios, e somente um esqueleto articulado, com naturais erros de montagem, já que até então, jamais haviam visto um ser humano vivo. A partir de parcos vestígios, tinham extrapolado, tentando lhe dar uma forma, que se afastava ligeiramente da real. O mais curioso desta recriação é que não lhes ocorrera que usávamos roupas e o exemplar, naquele quadro, apresentava-se nu, sem a existência da genitália, que não fora preservado nos fósseis. A cor da pele era uma ficção, já que se apresentava azulada. Mesmo assim, salvo alguns erros, o esforço de reconstituição era o mais próximo possível que podiam ter conseguido, baseando-se no pouco que restara dos bilhões que um dia habitaram a Terra.
- - - - -Tudo o que se referia a nós, não ocupavam nenhuma parte especial do Museu, a não ser por um detalhe. E ali, como seu pai dissera, repousava a razão dos acontecimentos. Diante de uma enorme rocha, talvez pela durabilidade de seus componentes, via-se engastada os restos de um artefato que sobrevivera à passagem das eras geológicas: a própria Máquina do Tempo. Abaixo daquela massa mineral, estendia-se uma faixa colorida, que na sua forma característica de informação, explicava alguma coisa que pela ignorância dos padrões de cores, não pode entender. Mas com certeza era um achado que despertara a curiosidade daqueles seres e indicava uma coisa: prova de atividade cerebral sofisticada.
- - - - -O modo como tinham exposto o objeto encravado na rocha, era um claro sinal, para aqueles seres, de que uma outra forma de inteligência, já habitara o planeta. Contrariando quase todas as possibilidades, a decisão de seu pai de colocá-la numa caixa de concreto, mais a ação química das rochas, tinham contribuído para sua preservação. Era uma possibilidade, estatisticamente quase nula, imaginar que isto pudesse ocorrer, quando tomou a decisão de escondê-la da humanidade. Lembrou-se das palavras recentes que ele lhe proferira, de que a Máquina parecia ter vontade própria. Seria isto mesmo? Ela apenas obedecia aos caprichos do Tempo ou esta dimensão da natureza era algo mais, que a limitada mente humana ainda não compreendera por completo?

Capítulo 11 - Mais uma vez, a Máquina...

- - - - -O filho do Viajante ficou olhando a rocha por um bom tempo e sem saber qual era o propósito de estar ali diante dela, virou-se para o cefalópode em busca de respostas. Em sua mente, algumas coisas ainda não estavam bem claras. Tinham trazido seu pai para aquele local, mas será que suspeitavam de que era ele o seu criador? Na verdade seu progenitor não declarara abertamente ser o inventor, dando apenas a entender àquelas criaturas, ser apenas um de muitos que cuidavam daquele projeto. Era óbvio que se declarasse ser o responsável pela Máquina, poderiam se aproveitar disso para praticarem algum tipo de retaliação ou forçá-lo a revelar seus segredos, piorando não só a situação dele como individuo senão também de toda a humanidade.
- - - - -A situação aclarou-se um pouco mais, apesar dos eventuais erros de tradução, quando Clultoch, até então calado, percebendo a introspecção do jovem, começou a falar, utilizando o aparelho que trouxera enrolado em um dos apêndices. Mas não foi direto ao assunto, divagando do mesmo modo como ele costumava fazer.
- - - - -- Uthar... Olhar para ela... Estranho como medem o tempo. Skreeer... Clunãns... Fazer forma diferente. Skvarr... Seus símbolos... São misteriosos... Uthar... Partem de um acontecimento, skveer... Não conseguimos entender. Uthar... O Outro... Skveerr... Tentou explicar significado... Skveerr... Tais coisas... Incompreensível para nós... Uthar... Como nossa linguagem para os dois. Skverr?
- - - - -O filho do Viajante procurou pensar num meio de explicar-lhe alguns dos conceitos humanos, mas preferiu continuar calado. Como poderia fazê-lo entender o que representava nossa religião? Como poderia lhe explicar as crenças humanas em forças sobrenaturais encarnadas em deuses ou num Deus único? Como discorrer sobre a longa história do calendário, ou a origem dos numerais, se não tinham antecedentes pastoris? Ou mesmo a base de número sessenta, inventada pelos Babilônios e incorporada à mensuração de segundos e minutos? O antes e o depois de Cristo, somente adotado no século VIII de nossa Era? Estava diante de um cérebro que via e sentia o mundo ao seu redor, numa cognição completamente diferente da que conhecemos. Que construíra uma cultura singular, sem paralelo com a nossa.
- - - - -Observando o seu silêncio, Clultoch deu-se conta, de que aprendera o suficiente das expressões humanas, para entender o que se passava na mente daquele jovem. Procurou então ser mais objetivo, abordando o assunto principal, deixando suas reflexões para momentos mais oportunos.
- - - - -- Uthar... Isto agora... Irrelevante. Skverr...Tempo atrás... Iniciamos construção de um caminho suspenso... Skverr... Embaixo coluna... Encontramos restos de artefato... Uthar... Dentro... Protegido... Uthar... Material origem... Skverr... Antiga água... Cobriu área, protegendo... Degradação... Skverr... Muita lama. Skverr... Grossa camada.
- - - - -Ele aproximou seus tentáculos da Máquina, alisando-a vagarosamente.
- - - - -- Foi a primeira vez que encontraram objetos manufaturados de nossa civilização? – perguntou o filho do Viajante.
- - - - -- Skverr... Pouca coisa, sim. Alguns crânios... Pequenos ossos... Uthar... Pensar mais uma espécie... Uthar... Época antiga... Caminhar sobre dois membros. Skverr... Nada antes como descobrir em construção. Uthar...
- - - - -- E este achado mudou o conceito de sua espécie sobre a nossa?
- - - - -- Sim. Skverr... Muito curiosos... Svaarr... Conseguimos retirar da rocha... Depois tentamos reconstruir... Uthar... Modo mais exato possível.
- - - - -- O que não entendo, é como isto os levou até meu pai?
- - - - -- Uthar... Chegar até este ponto. Skverr
- - - - -Assim, antes que explicasse como tinham encontrado o Viajante do Tempo e o seu subsequente transporte, assim como sobre as particularidades da sua espécie, sobre a qual seu pai já lhe adiantara alguma coisa, e que estava no cerne dos atuais acontecimentos pelos quais passava aquela sociedade, ele lhe agradeceu a ajuda prestada ao seu filho, Clolpolnar.
- - - - -O filho do Viajante, não agira por interesse e sim por altruísmo. Quem quer que precise de sua ajuda, ele não se negaria a dá-la. Se soubesse de antemão que ele era descendente de uma importante figura daquela sociedade, não mudaria sua atitude. Mas uma dúvida percorreu sua mente. Por que ele fora perseguido pelos membros da outra facção? Seria um refém, de modo a manter o pai em xeque, impedindo-o de ultrapassar certos limites ou como punição por professar ideias contrárias ao outro grupo? Se fosse correta a primeira presunção, então nada mais o impediria de concretizar quaisquer propósitos que tivesse em mente.
- - - - -Após este agradecimento ele se pos a explicar as particularidades do seu povo. O que ouviu, já fizera parte de um sentimento comum dos homens, dependendo da época ou da região da Terra em que viveram. Idéias sobre a humanidade ser a única no universo, ou ter primazia territorial, sobre esta ou aquela região, sempre permeara a história. Mas não na proporção e no radicalismo que lhe foi apresentado.
- - - - -A espécie de Clultoch possuía um sentimento parecido, que foi se intensificando a medida que abandonavam a água onde haviam vivido seus antepassados. Conforme ocuparam a terra, que um dia pertencera à humanidade, este sentimento vago de singularidade, começou a se manifestar do mesmo jeito que os chineses haviam feito por um longo tempo em sua história. Por desconhecerem outras culturas, ou ignorá-las por completo, consideravam-se os habitantes do “império do meio” como se a sua civilização fosse a única e a principal, assentada sobre a parte mais importante da face do planeta, desprezando tudo o mais que existia para além de suas fronteiras.
- - - - -Os japoneses foram um outro exemplo deste comportamento, pois até a começo do século XIX, tinham se fechado dentro de seu arquipélago, como se o mundo para além de suas ilhas, nada significasse.
- - - - -Esta crença, até poderia ser respeitada como mera particularidade, de uma determinada cultura, como o fazem os antropólogos ao estudarem outras sociedades. Mas tornou-se algo bem diferente e muito grave: uma idéia de serem os únicos e os primeiros seres vivos com inteligência a habitarem a Terra. Noção esta que permeou seus espíritos e foi se arraigando com o passar de sua longa historia.
- - - - -Como já foi dito, o próprio homem pensara o mesmo sobre si, muitas vezes. Consideraram-se por muito tempo também, as únicas formas de vida inteligente do universo, mas com o tempo e o amadurecer da própria civilização, ao contrário desta, começaram a se questionar, se no vazio do Cosmos outras formas de vida, não compartilhariam sua companhia. Mas esta concessão jamais passou pelas mentes destes seres vivos. Seus sentimentos de territorialidade se tornaram exagerados, não aceitando a idéia de dividir o universo com ninguém, seja no passado ou no presente, ou com qualquer outra forma de vida, que habitasse outra estrela.
- - - - -Assim como o homem, que no principio, foi aos poucos tateando e ocupando o mundo que imaginavam pertencer-lhes por direito, avançaram lentamente em sua evolução social e cientifica, enraizando cada vez mais esta crença que não poderia ser classificada de religiosa, mas que poderia ser considerada como tal.
- - - - -Tamanha era a sua importância, dentro do contexto cultural em que viviam, que uma ordem hierárquica se constituíra, para defendê-la, mas que passava bem longe de ser uma organização religiosa, já que não possuíam o conceito de um criador, mas que também, até então, não impedira de viveram em harmonia, comportamento raro entre os homens.
- - - - -Esta classe de guardiões intitulada Ordem, velavam pela permanência desta crença, nunca precisando combater qualquer heresia a respeito de seus postulados, até a descoberta da Máquina do Tempo.
- - - - -Clultoch, entre outras coisas, citou algumas informações interessantes, que apesar de não estarem diretamente ligadas à questão urgente do momento, não deixavam de ter importância devido à oportunidade única de se poder obter uma outra visão de mundo, diferente da nossa.
- - - - -Sua raça, ao avançar em seus conhecimentos, descobrira que aquela terra que haviam conquistado, nada mais era do que porções de um corpo maior, esférico, que recordando sua origem e fazendo jus à sua quantidade, batizaram de Urchar, que em seu linguajar característico, significava água. Suas observações, muito tempo depois de Copérnico, os haviam levado à mesma conclusão deste grande polonês, de que esta esfera revolucionava em torno de uma bola de fogo, denominada por eles de Flatur, o fogo.
- - - - -Mesmo assim, com todo o avanço científico, superior até ao do homem, sobre questões que envolviam astronomia e outros campos científicos, esta peculiar crença, resultante talvez da pouca prática da filosofia, filha da reflexão, obscurecera suas mentes, impedindo-os de se debruçarem de forma lógica sobre o tema da singularidade. A ausência da prática de um exercício mental especulativo sobre outras formas de vida inteligente, exercera um freio tal, em seu desenvolvimento intelectual, que os impedira de ultrapassar os mesmos vícios que talvez tivessem levado a raça humana à extinção.
- - - - -A facção maior desta sociedade que então dominava a Terra, os levara a um exacerbado grau de xenofobia, ou mais precisamente exofobia. Uma espécie de idiossincrasia, gravada em seus subconscientes, com relação a outros seres pensantes. E tornou-se exacerbada, quando descobriram os restos da Máquina do Tempo.
- - - - -Mas como a raça humana, poderia prejudicá-los se já estava extinta? Na verdade, ela poderia ser considerada a parte inocente em todo este conflito, já que a Máquina fora ocultada deliberadamente do seu conhecimento. Mais uma vez, a criação de seu pai, reverberara pelo Tempo, parecendo seguir seus próprios caprichos, entre eles, o de propiciar o fim da própria espécie que a engendrara.
- - - - -Vez por outra, como prosseguiu Clultoch em sua explanação, seus cientistas já tinham topado com os restos fossilizados do homem, mas poucos utensílios haviam sobrevivido, devido não só à degradação do tempo, como ao material sutil utilizado. Isto os levara à falsa conclusão de que os humanos apenas haviam sido mais uma forma primitiva de vida, iguais a tantas outras, que esporadicamente fabricavam instrumentos para extrair alimentos do meio ambiente.
- - - - -A descoberta dos restos da Máquina do Tempo, pela primeira, em sua longa história, revolucionou suas crenças e a Ordem, sentindo-se ameaçada, naquilo que se propusera a defender, decidira acobertar do maior número possível de seus semelhantes, este achado. Mas como é comum em toda sociedade, tal segredo não perdurou por muito tempo, e assim, quando ele começou a deixar de ser um segredo, as opiniões se dividiram, originando duas facções: as dos que não se importavam com que a Ordem pensava e aqueles que faziam de suas crenças, um principio de vida.
- - - - -A primeira foi desdenhada e execrada, conhecida por Clunâns, ou algo parecido a hereges. E a outra como Clinar: aqueles que ainda acreditavam na idéia de serem as únicas formas inteligentes de vida no universo e por natureza, inimiga de qualquer outra. E por conseqüência, não demorou muito para que tomassem medidas drásticas contra aqueles que pensassem o contrário: a remoção.
- - - - -Antes de tudo é bom que se explique que a remoção ou exílio, para estas formas de vida era como a morte em vida. Apesar de em nossos mares viverem solitariamente, quando abandonaram a água, a vida em grupo, tornou-se questão vital para sobreviverem. Por isso a remoção era uma forma de ruptura das normas desta sociedade, que constituía na sua violação mais grave.
- - - - -Em resumo, estes eram os principais acontecimentos que haviam ocorrido, conforme com o que Clultoch lhe dissera na ocasião. E a chegada do filho do Viajante, não poderia ser em pior momento, pois além de uma ruptura civil em andamento, acontecimento inédito em sua longa história, começava a tomar forma agora, um embate direto com a raça humana.
- - - - -Este Clunãn que o pusera a par dos fatos que relatei acima, sentia-se de certa forma culpado por toda esta situação. Fora ele quem conduzira os exames dos restos da Máquina e após muita pesquisa, concluíra, para horror da Ordem, que não era o resto de um artefato construído por um de seus antepassados. E a agitação tornou-se maior, quando a equipe de cientistas de Clultoch, chegou à conclusão que entre outras hipóteses, com base no túnel espacial que conheciam, o engenhoso dispositivo poderia ou fora elaborado com o claro propósito de permitir a locomoção através do tempo.
- - - - -A comoção foi enorme e a idéia de que pudessem ser visitados por seres indesejáveis, mesmo de outra época, criou uma divisão maior entre aqueles, mesmo que teoricamente, os que a aceitavam e os que a rejeitavam categoricamente.
- - - - -Por muito tempo, Clultoch, dedicou-se a reconstruir a Máquina, mais como uma curiosidade científica, sem se dar conta que estava na verdade, sendo manipulado pelos seus adversários para por em prática, o que antes se limitava ao campo das idéias. Jamais imaginara que seu trabalho seria apropriado pela outra parte, a Ordem, com o objetivo de utilizar sua máquina para a construção de uma versão maior para erradicar a raça humana, e se possível, insuflados por suas crenças, quaisquer outras inteligências do futuro, que porventura viessem a surgir.
- - - - -Foi então que explicou a razão de ter trazido o Viajante do Tempo. Sentindo-se amplamente culpado por ter criado esta situação, abominável do seu ponto de vista, usou o maquinário que reconstituíra, fazendo alguns aperfeiçoamentos, na tentativa de secretamente conectar-se com as criaturas que o haviam construído, com o objetivo de alertá-lo dos perigos que sua espécie corria e se possível ajudá-lo, para por fim aquela loucura desmedida.
- - - - -Infelizmente, algumas partes da Máquina original não haviam sobrevivido á ação do tempo. Ele sabia que partes essenciais poderiam estar faltando, e para torná-la operacional, procurou preenchê-las com materiais de sua própria tecnologia. Após vários fracassos experimentais, estava a ponto de desistir, quando teve uma última idéia. Decidiu acoplar o túnel de deslocamento espacial com o que pudera construir da máquina temporal, emitindo um único e poderoso sinal. Foi quando o Viajante, ao fazer um de seus experimentos de deslocamento espacial, conectou-se sem saber, com o túnel de Clultoch, o que permitiu o seu transporte inesperado.
- - - - -Era evidente que Clultoch, não tinha a mínima ideia de que seu genitor era o construtor da Máquina. Que se tratava de um trabalho solitário. Que ele continuasse pensando que tal prodígio era o resultado de um esforço comunitário, como era comum em sua sociedade. Assim não pressionaria seu pai. Enquanto se pudesse, como já alertara o Viajante, manter esta impressão, a humanidade estaria fora de perigo.
- - - - -Após o choque inicial provocado pelo encontro, dificultado inclusive pela linguagem, ambos chegaram a um consenso sobre o inimigo comum. Mas nem o cefalópode nem seu pai, conseguiram repetir o experimento para que pudesse voltar, caso isto se tornasse necessário. Provavelmente como imaginou, o transportador que construíra na oficina, não suportara a energia conjunta de grávitons e cronotrons. Fato este confirmado por seu filho, posteriormente. Mesmo a construção de uma outra Máquina do Tempo, o Viajante procurou torná-la inviável pelo fato, como veio a se confirmar depois, de que poderia cair em mãos erradas. Assim o Viajante nunca mencionara a barra de cristal, devido ao seu caráter de extrema cautela. Onze semanas era muito pouco tempo, para confiar-se totalmente em qualquer das facções, visto ser difícil entender por completo a psicologia daquelas mentes inumanas.
- - - - -Segundo a versão de Clultolch, sua idéia inicial fora a de trazer um dos membros da espécie responsável pela construção do engenho para reparar o erro que cometera, quando divulgara prematuramente sua descoberta. Só depois percebeu a ingenuidade de seu ato, visto o radicalismo da Ordem. Se havia trazido um, para provar que outras formas de vida como a humana, eram inofensivas e desacreditavam suas crenças exofobitas, mesmo antes de por em prática tal intento, do jeito como a situação política correra, expor o Viajante só causaria maior acirramento dos ânimos.
- - - - -Então durante todas estas semanas, usando estes argumentos, o mantivera trabalhando, utilizando seus conhecimentos e as poucas informações que os partidários de Clultoch, conseguiam obter, para descobrir como funcionava a máquina do adversário e se possível, destruí-la. Afirmava também, procurar provar a seus simpatizantes a idéia de que o homem, como qualquer outra criação da natureza tinha tanto direito de existir, assim como a sua própria espécie, caso a situação fosse contrária. Seu objetivo maior, conforme dizia, era convencer os simpatizantes da Ordem, apesar de seu pai, jamais ter visto qualquer tentativa neste sentido. Mas como seu acesso ao mundo exterior, era praticamente nulo, não havia como saber se isto de fato estava ocorrendo e até que ponto fora alcançado algum progresso nesta direção.
- - - - -Segundo Clultoch, ele só o escondera, por causa da reação desta facção, que se sentira de tal forma ameaçada com a sua intenção de trazer um representante da espécie que construíra tal máquina, que num gesto inédito, decidira remover fisicamente todos que simpatizassem com suas idéias. Os poucos partidários que conseguiram serem avisados tiveram que fugir e se esconder nesta imensa construção, protegida sob milhas de rocha, graças aos esforços de Clutolch, que se antecipara a ela. Deste modo, esta imensa cidade subterrânea, dispunha de todas as comodidades e instalações necessárias a uma sociedade inteligente.
- - - - -Para a intranquilidade do filho do Viajante, Clultoch lhe relatou que seus seguidores recentemente haviam descoberto, entre outras coisas, que a outra facção já estava bem avançada, nos experimentos com a outra máquina. Era só uma questão de tempo, para que pusessem em prática seus pérfidos planos em relação à raça humana. Tornava-se necessário esclarecer alguns pontos ainda obscuros do funcionamento do engenho da nossa espécie, para que seus cientistas, com base no que já conheciam, pudessem neutralizar o dispositivo dos adversários.
- - - - -Seria mesmo esta a intenção do cefalópode, perguntou-se o filho do Viajante? Se estava tão devotado a salvar a humanidade, por que seu pai pedira para esconder a barra de cristal? Por que não se revelara como o inventor dela? Não confiaria o suficiente neles?

Capítulo 12 – Cephalopoda.

- - - - -Após as explicações de Clultoch, o jovem foi levado de volta para o mesmo lugar onde seu pai estava acomodado. Assim que se viram a sós, o jovem decidiu se precaver contra alguma atitude imprevista das criaturas, ocultando a barra de cristal. A intenção era de só tocá-la novamente quando chegasse o momento certo de usá-la. O filho do Viajante procurou pelo menos tranquilizar seu pai, informando-o do que era melhor agir desta maneira, até que chegasse a hora de partir. Quanto a isso ele tinha certeza de que aconteceria, em vista do que testemunhara na oficina, pouco antes de partir. Mas no ímpeto de iniciar a jornada não se preocupara em se preparar melhor, perguntando ao seu outro Eu, em que circunstâncias ela se daria, e muito mais coisas, que o deixara ignorante quanto ao que estava por vir. Ainda mais que sempre respeitara a intuição de seu genitor, e a cautela de seu pai, em relação àquele quadro nebuloso, se revelaria correta.
- - - - -Quanto ao restante, era evidente que compartilhavam a mesma sensação de estarem ali mais como prisioneiros, do que como convidado, apesar da aparente hospitalidade. Pelo fato de seu pai ter chegado antes, o jovem entendera a difícil diplomacia com a qual ele tivera de lidar diante das ambíguas intenções daqueles seres. Agir de forma contrária aos interesses dos mandatários daquela cidade poderia expô-lo prematuramente, não só em vista desta animosidade como por uma inesperada reação que a própria presença de humanos poderia desencadear entre os membros daquela espécie.
- - - - -O estado de espírito do Viajante do Tempo mudara bastante conforme o relato de seu filho. Se no princípio quisera voltar imediatamente, pelo desconforto da situação, abandonara tal intenção, devidos aos riscos que tal atitude poderia desencadear. Caso usasse a Ciência desta sociedade para construir outra Máquina, não poderia sustentar o argumento de pouco conhecimento que dissera possuir, com a agravante de ter que revelar todos os segredos de seu invento. Adotando então essa postura, evitaria que aquelas criaturas pudessem chegar à humanidade através de um engenho construído por suas próprias mãos. E faria o possível para descobrir um modo de impedir qualquer esforço neste sentido, por parte deles.
- - - - -Desta forma, a sua opção de fuga ficou reduzida a uma única alternativa: as ações esperadas de seu primogênito. Ciente de que ele viajaria pelo tempo, conforme as instruções que me dera, com relação ao episódio da destruição da Torre, não tinha dúvidas de que ele prosseguiria até a data que apontara apressadamente para Weena, ajudando-o a retornar à nossa época.
- - - - -Enquanto os dias transcorriam, viu-se de certa maneira compelido a prestar ajuda a Clultoch, até que o salvamento se concretizasse. Com a alegação de que necessitava de ajuda para afastar os riscos que ameaçavam a humanidade, não pode se esquivar ao seu pedido. Ao menos se abria uma oportunidade para que pudesse se inteirar do avanço que as duas facções tinham conseguido atingir, baseado nos restos de sua Máquina. Mesmo assim, confinado àquela cidade, lhe foi impossível avaliar imparcialmente os acontecimentos que haviam levado ao rompimento daquela sociedade. Até que a questão se resolvesse, procurou minimizar sua colaboração, utilizando-se dos mais variados artifícios. Quanto à ansiedade provocada pela demora do filho, demoveu-a de sua mente, utilizando a única forma que conhecia; mantendo-se ocupado. Apesar de não estar disposto a participar de um projeto ambíguo, tentou se aproveitar do acesso a ele, na idealização de algum meio que pudesse bloquear suas tentativas de se chegar pelo tempo à nossa era. No entanto a requisição constante da sua presença impediu a finalização de tal instrumento, de modo a passar despercebido aos sentidos daqueles seres.
- - - - -Além de tudo isso, o Viajante precisou usar de muita diplomacia para dissimular suas reais intenções diante dos constantes pedidos de urgência de Clultoch, que insistia num modo prático e rápido de destruir o engenho de seus rivais. Trabalho difícil em vista da exiguidade de material disponível para trabalhar. A reconstrução de sua Máquina dera-se apenas pela metade, e se ainda havia muito que completar, pouco se sabia do segundo engenho montado pelo grupo oposto. E não lhe interessava de modo algum, fornecer qualquer informação que os ajudasse neste sentido.
- - - - -Em consonância ao gesto dúbio desta criatura, que propalava agir com a melhor das intenções, para assegurar a integridade física do humano sob seus cuidados, confinara-o naquele setor da cidade subterrânea, que por sua vez constituía-se num dos lugares mais bem guardados daquela futura Terra. Pairava sempre a incerteza se tal ação se devia a algum interesse em atingir seus objetivos ainda ignotos ou por uma genuína solidariedade à humanidade.
- - - - -A única defesa contra a outra facção, caso decidissem carregá-lo a força, era proporcionada pela peculiar maneira como se entrava e se saía da cidade. O acesso, para usar um termo de fácil entendimento, só era possível através de fendas artificiais criadas no espaço, a partir de um emaranhado de comutadores instalados em seus artefatos, de complicado manuseio, ou para ser mais exato, de um complexo uso de oito membros. Periodicamente tais interruptores alteravam seus sinais, para prevenir possíveis identificações dos seguidores da denominada Ordem, que se assim o fizessem poderiam repeti-los e invadir a cidade. Fora de fato uma casualidade enorme, o encontro do filho de Clultoch, à sombra da pilastra, permitindo que o jovem entrasse na cidade e reencontrasse seu pai. Em outras circunstâncias o resgate teria demorado muito mais ou talvez, nem tivesse ocorrido, alterando todos os acontecimentos posteriores ao encontro fortuito.
- - - - -Por essa razão os habitantes daqueles subterrâneos além do traje aqüífero, eram obrigados a carregar também, para qualquer lugar projetado da superfície, este dispositivo que permitia a abertura de tais portas quando se fizesse necessário. Era a primeira vez que o campo de ação de tais dispositivos fora testado ao máximo permitindo o transporte de Clolponar e do filho do Viajante.
- - - - -No decorrer daqueles dias, em que acompanhou seu pai, até que pudessem por em prática um plano de fuga eficiente, procurou aproveitar aquela oportunidade única para agir como um explorador que visitasse pela primeira vez, alguma tribo perdida do Amazonas. Atento a tudo que acontecia à sua volta, esforçou-se em memorizar todos os detalhes possíveis provindos daqueles seres e daquela sociedade desconhecida dos homens.
- - - - -Todos os cefalópodes, apesar de serem quase indistinguíveis, possuíam a sua maneira nomes próprios pelos quais se identificavam. A regra obedecia dois princípios: o clã de origem, mais parte do nome do progenitor. Hábito, aliás, próximo do nosso e que significava algo como filho de alguém, vindo de tal tribo. Este era o caso do nome Clolponar, que significava filho de Clultoch, da tribo dos Clons.
- - - - -Um outro detalhe que impressionou bastante o filho do Viajante, e que, de certa forma, exemplifica como a cultura condiciona qualquer mente, foi de um comentário proferido por Clolponar, na única oportunidade em que puderam dialogar, já que seu pai, o mantinha bastante distanciado. Tal opinião relatava o choque causado pela visão do Viajante, o primeiro humano transportado àquela cidade graças à engenhosidade de seu pai. Ele se esforçara para não embaraçar Clultoch que o chamara para auxiliá-lo, procurando controlar as reações de repulsa e medo que sentira, ocasionadas pela estranha figura bípede, enquanto tentavam se comunicar.
- - - - -Ele prosseguiu em seu relato admitindo que o encontro fortuito debaixo do viaduto, apesar das condições adversas em que se apresentava, não diminuíra o choque provocado pela primeira visão de um ser humano. E a segunda, no momento mais inesperado de sua vida, só exarcebara seus temores, fazendo-o esquecer que mal acabara de fugir de seus captores. Jamais imaginara que ao invés deles se depararia com outra criatura horrenda igual a que seu pai albergava.
- - - - -Procurando seguir o comportamento paterno, mas sem muita experiência para lidar com aquela situação inusitada agravada ainda mais pelos seus ferimentos, esforçara-se em reprimir a repulsa, demonstrando de forma precária que precisava de auxilio para poder acionar o túnel espacial que o retiraria dali.
- - - - -O filho do Viajante fez questão de ressaltar estas impressões, para demonstrar a relatividade das coisas subjetivas, como o conceito do que é belo ou feio, dependendo da cultura que lhe empresta o significado. E concluiu, que se tivessem existido neste novo mundo, antepassados dotados de uma cultura grega, com certeza Afrodite, seria uma representação totalmente diferente da qual os homens estão acostumados e com a qual associamos a beleza. Mas este já era outro detalhe, pois não era hábito de tais criaturas esculpirem imagens com sentidos estéticos, algo que fugia à compreensão daquelas mentes. Já para os dois viajantes, o aspecto repulsivo desta espécie, acabaria sendo sobrepujado pela inteligência que demonstravam, apesar do lado sombrio que se propunha a exterminar todos os seres humanos.
- - - - -Perspicaz como seu pai, não lhe passou despercebido que, embora por fora, tivessem uma aparência diferente da nossa, por dentro, talvez cultivassem algum sentimento de identidade com os seus semelhantes, mas nada que lembrasse o nosso comportamento altruísta de sacrifício, com atos de lealdade e exaltação ao heroísmo. A outra parte, denominada Ordem, provavelmente deveria apresentar comportamento idêntico, crentes que suas ações defendiam o melhor dos mundos. O que, aliás, posteriormente se revelou uma suposição correta.
- - - - -Mas o desenrolar destes fatos futuros, descreverei mais à frente, pois assim que acabou de relatar suas reflexões sobre esta interessante observação de Clolponar, com relação à aparência dos seres humanos, ele acrescentou detalhes da sua experiência vivenciada dentro da cidade subterrânea.
- - - - -Uma das coisas que raramente são mencionadas, sobre o decorrer de uma viagem, talvez por considerarem-nas irrelevantes, é a forma como os seus membros satisfazem as necessidades do corpo, sejam alimentares ou de excreção. Quanto à nutrição, em quase todo globo, com exceção de alguns alimentos exóticos e estranhos ao paladar, o homem pode nutrir-se quase sem problemas do que as diversas regiões produzem. Nas grandes cidades, pelo menos nas que dispõe de saneamento, a eliminação de dejetos é feita com base num eficiente sistema de esgotos, evitando assim a contaminação da água e proliferação de doenças. Mas imagine-se visitando um mundo, onde habitam seres com estruturas corporais diferentes das nossas, e que satisfazem suas necessidades excretárias em dispositivos adaptados à sua morfologia, apesar de compartilharmos esta particularidade devido ao ancestral comum, conforme a célebre visão de Charles Darwin. Imaginem então a dificuldade e o embaraço maior ainda de dois humanos de se servirem de instalações que não foram projetadas para nossos corpos. E de alimentos postos à disposição para consumo sem o preparo aos quais estamos habituados.
- - - - -Convém ressaltar que estes cefalópodes possuíam um sistema de esgoto mais avançado que o nosso, onde tais resíduos eram represados e tratados e a água servida era devolvida às correntes da forma mais pura possível. Pois assim como valorizamos o ar que respiramos, tais seres tratavam a água com o maior respeito, pois era ela que permitia que mantivessem seus corpos úmidos e do qual extraiam o oxigênio de que necessitavam para respirar. Sete milhões de anos de evolução, não fora suficiente para adaptar seus corpos totalmente à secura do meio aéreo e a absorção do oxigênio nele dissolvido. Mas é bom que se diga que caminhavam neste sentido.
- - - - -Quanto à alimentação, foi difícil a adequação a seus costumes, já que eram em essência carnívoros e mesmo durante sua evolução em terra, ainda supriam-se totalmente de várias espécies de peixes, que criavam em aquários. Para o horror dos dois homens, tais criaturas as digeriam ainda vivas. Tal modo que pode nos parecer repulsivo e chocante, era realizado com a maior naturalidade por estes seres. Entretanto, causava-lhes espanto e muito nojo, a ingestão de animais mortos, como o fazemos. E provocou-lhes a maior estranheza quando nos viram cozinhando precariamente os peixes que nos forneciam como alimento. Precária porque lhe faltavam as fontes de energia adequada a este propósito, bem como a disponibilidade de utensílios usuais em nossas cozinhas.
- - - - -Alimentavam-se por meio de um complicado sistema, embutido nos seus capacetes translúcidos, de onde se projetava um apêndice, que automaticamente vedava a água do traje. Depois, por meio dos tentáculos, colocavam peixes, ainda se debatendo, neste espaço. Assim que se enchia de água, permitia a captura dos mesmos, que eram triturados por seus fortes bicos de quitina. Outros dispositivos em seus trajes permitiam a eliminação dos resíduos que se dava em recipientes apropriados ligados às correntes de água.
- - - - -Como sinal de boa vontade, ou para manter vivos prisioneiros que não podiam se dar ao luxo de perder, após alguns dias de sua chegada, compreenderam suas dificuldades, fornecendo peixes já cozidos, em receptáculos especiais, para que pudessem se alimentar da melhor maneira possível. Mas como já descrevi, tal hábito lhes provocava a maior estranheza, e muitas vezes, para evitar embaraços, os dois procuravam fazer suas refeições, longe da vista dos poucos com quem ainda tinham contato.
- - - - -Tais detalhes de comportamento e de necessidades, algumas até banais, podem parecer insignificantes diante de outros aspectos mais relevantes como a cultura e a ciência de determinadas sociedades. Mas nos dá uma clara visão das dificuldades que o homem encontraria um dia no contato com outras formas de vida extraplanetárias.

Capítulo 13 – A Fuga.

- - - - -Depois destas descrições, próprias de um jovem maravilhado com as particularidades de um mundo novo, o filho do Viajante teceu alguns comentários sobre a versão de Clultoch contada ao seu pai, dos planos da facção oposta. Caso fossem concretizadas, erradicaria por completo a raça humana. Mesmo assim, não se sabia se por cautela, ou pela ambiguidade nas suas intenções, os detalhes fornecidos eram poucos e muito que do que era pedido ao seu pai, para neutralizá-los, dava-se mais no campo teórico do que no prático. Tais conhecimentos eram repassados aos poucos assistentes com os quais mantinham contato, que a utilizavam no maquinário que construíam. Poucas vezes o Viajante vira a máquina, e só diante de um problema incontornável era requisitado para resolvê-lo, manuseando o dispositivo pessoalmente. Através destes parcos contatos, pode constatar que não haviam alterado em muito seu projeto original, apenas aumentando seu tamanho. Nas semanas que antecedera a chegada do filho do Viajante, ainda tateavam para obter o controle total de tal engenho, bem como a um consenso sobre a técnica exata a ser empregada contra seus adversários.
- - - - -As suspeitas de seu pai quanto a qual lado dizia a verdade, foram acumulando-se com o passar do tempo devido à morosidade de sua finalização, em contraste ao perigo e urgência, constantemente alardeado e exigido de Clultoch. Por causa das dificuldades, provocadas pela escassez de informações, só pode construir um quadro esparso das intenções da Ordem. Esta, por razões práticas não realizaria um embate entre milhões de humanos e octopoidais, já que tais seres não possuíam nenhum histórico de guerras e por tanto, nenhuma experiência na arte militar. Na verdade, como já foi frisado, era a primeira vez que rompiam os laços entre si e parecia não haver um progresso de ambos, nessa contenda. Assim, se tal intento por parte da Ordem obtivesse sucesso, mudaria todo o curso da vida inteligente do planeta. Esta possibilidade alarmante obrigou o jovem a uma digressão, antes de prosseguir em sua narrativa.
- - - - -Esta mudança do que para eles representava naquela altura do tempo, um passado remoto muito relativo, abalava a ideia do ilusório domínio da Terra pela humanidade. Em Cambridge, adquirira um pouco de conhecimento sobre a história natural do nosso planeta, através do contato esporádico com alguns colegas do Departamento de Geologia. Um dos grandes enigmas pesquisados por membros desta área, eram as causas das extinções da vida em nosso globo. A dos grandes répteis, mais conhecidos por dinossauros era uma delas. Existiam muitas teorias, muitas até conflitantes. Seja qual fosse a razão, estes eventos permitira a proliferação dos mamíferos, entre eles a da ordem que daria origem ao homem.
- - - - -Mas seria este domínio dos homens, uma realidade principal ou tudo teria se passado de outro modo? Não teria nossa espécie, se originado da classe dos mamíferos graças à intervenção dos viajantes do tempo? Se assim fosse, seria natural supor que os cefalópodes, sempre tinham sido a inteligência dominante neste planeta, e haviam sido realocados no tempo, por interferência de agentes temporais humanos, mesmo que involuntariamente? Então ficava a questão em aberto, se, ao eliminarem a nossa espécie, não estariam recolocando os acontecimentos na ordem exata em que deveriam ter acontecido. Mas era apenas um “se” e não havia como saber, se o mundo sempre fora dominado por estas criaturas. Caso fosse esta a cronologia correta, todos os milhões de homens que já morreram e os que ainda nasceriam, não deveriam a sua existência a algum desígnio especial e sim apenas a uma correção no tempo de dois representantes da raça humana.
- - - - -Dando prosseguimento à narrativa do jovem viajante, seu pai procurara descobrir por si mesmo através do contato esporádico com os assistentes de Clultoch, um pouco mais sobre os planos da Ordem. Novamente lhe foi passado uma versão ligeiramente diferente deste personagem. Começava com os cefalópodes geólogos desta sociedade que conheciam os escassos fósseis humanos encontrados nas rochas. Até então, tais achados não tinham se chocado com suas crenças. Eram tão poucos os restos que haviam sobrevivido do nosso tempo, tão pouco os vestígios de nossa pretensiosa civilização, que jamais passara por suas mentes, que um dia os havíamos precedido no domínio deste planeta. Mas a partir do momento que descobriram os restos da Máquina do Tempo, deduzindo, a partir destes, que seus construtores possuíam tais habilidades, os problemas começaram.
- - - - -No principio, a facção mais radical, apesar de desconfortável, com as descoberta, imaginou tratar-se de um erro de interpretação. Mas à medida que mais pesquisas confirmaram o contrário, tentaram esconder tais conclusões de seus semelhantes. Mas como um segredo, só permanece como tal se for cuidadosamente cultivado, logo a notícia sobre a descoberta começou a vazar, o que fez a facção radical tomar medidas extremas.
- - - - -E foi neste ponto que conseguiu obter maiores informações. A linha básica de ação da Ordem era o de alterar a história que tais rochas contavam, utilizando um dispositivo semelhante ao recriado por Clultoch. Ao invés de perseguirem os mamíferos, que tomaria muito do seu tempo, e não era garantia de sucesso, seus idealizadores, imaginaram algo mais radical. Simplesmente eliminariam a linha da existência humana com base numa espécie de assinatura cronotronica que tinham descoberto. Essa propriedade permitia a existência tridimensional de quaisquer corpos, por um determinado período, dentro de certas coordenadas temporais.
- - - - -Seria uma alteração radical que começaria eliminando a civilização desde o seu inicio permitindo apenas a evolução mais cedo dos Moluscos Cefalópodes. Todas as grandes obras do homem neste mundo, jamais seriam construídas. Todos os grandes nomes, jamais seriam conhecidos. Nossos feitos, perdidos para sempre.
- - - - -Pensando assim, por um momento, ocorreu-me que triste realidade seria esta, sem as Pirâmides do Egito, ou as muralhas da China. Que universo pobre, sem os feitos de Alexandre e Júlio César. Sem a filosofia dos gregos antigos ou homens como Copérnico, Galileu, Kepler e Newton. Sem as obras de Da Vinci ou o Davi de Michelangelo. Sem a inspiração de Shakespeare. Sem Mozart.
- - - - -Simplesmente deixaríamos de existir e a maior descoberta da raça humana, a viagem no tempo, jamais aconteceria. De forma irônica, isto poria um fim à existência dos Morlocks e dos Elois. Mas também nunca permitiria a existiria da doce Weena, e esta narrativa, jamais seria escrita. O tempo, porém, sempre se constituiu em infinitos “ses”, tornando tudo possível. Um detalhe apenas preocupava.
- - - - -É comum trilhar-se caminhos que desembocam em paradoxos. Eles estão sempre latentes, espreitando a cada ação tomada. Poderia se tentar enviar a máquina do tempo, depois da entrega da barra de cristal, minutos antes que o Viajante fosse levado para sete milhões de anos no futuro, e talvez, digo talvez, com ênfase, abortando a ação dos cefalópodes, nada tivesse acontecido. Mas o tempo teima em seguir os seus próprios caprichos, e se tal ato fosse realizado, não haveria garantias de que o evento não se tornaria a repetir, em outra dobra temporal, só cessando se a Máquina nunca tivesse sido construída.
- - - - -A ideia central do seu pai era então combater o mal pela raiz, criando uma barreira cronotônica que impedisse a ação pretendida não só pela Ordem, como de qualquer outra proveniente daquela sociedade dividida. Exigia técnicas ainda mal conhecidas e uma teórica que tateava no escuro, o que justificava em grande parte a demora da confecção de um artefato que pudesse ativá-la. Além disso, como construí-la diante dos olhos de seus captores?
- - - - -Então um acontecimento inesperado mudou o rumo dos acontecimentos. Tanto o filho do Viajante como o próprio pai, foram alvo de uma tentativa de resgate, se é que se possa definir assim este ato, por parte de um agente da Ordem infiltrado na cidade. Apesar desta tentativa ter sido bem sucedida só em parte, deu aos dois homens uma perspectiva mais ampla dos fatos do que aquela baseada apenas na versão de Clultoch, alterando radicalmente o futuro de ambos.
- - - - -Conforme a lembrança do filho do Viajante, a guinada na situação correu quando, numa determinada oportunidade os dois estavam sozinhos, no compartimento, onde costumavam ficarem confinados, procurando alternativas para superar as dificuldades da confecção do engenho idealizado por seu pai. Duas opções se apresentavam. A primeira e mais urgente, apesar das poucas informações que disponham sobre o estágio alcançado pela máquina da outra facção, era da confecção do bloqueio temporal, evitando qualquer viagem oriunda deste período. A segunda, um pouco menos urgente, mas imprescindível, seria a de encontrarem uma forma de escapar da cidade e alcançarem a Máquina, antes de serem capturados.
- - - - -Voltar no tempo, caso conseguissem alcançá-la, não eliminaria o problema, sem antes terminar o dispositivo, pois o perigo vindo do futuro continuaria latente. Se algo deveria ser feito, teria que ser naquele espaço de tempo, finalizando o dispositivo que seu pai idealizara, bloqueando qualquer tentativa de locomoção temporal, oriunda daquele período.
- - - - -Estavam tão absortos em suas idéias que mal perceberam a chegada de um cefalópode, que a principio, devido à dificuldade de distinguí-los dos demais, foi confundido com um dos assistentes que costumavam procurar por seu pai, para ajudá-lo na solução de alguma dificuldade relacionada à máquina que estavam construindo.
- - - - -Portando um dos poucos dispositivos tradutores, como era hábito, apresentou-se não como técnico, mas como Clulvanan, dizendo-se representante da outra facção, interessado em revelar aos humanos, a outra faceta da história que lhes fora contada até então.
- - - - -Evidentemente, já bastante desconfiado, o Viajante, imaginou se não estavam sendo vítimas de algum teste de Clultoch, e pediu alguma prova para pudessem acreditar no que dizia.
- - - - -O visitante nada respondeu e depois de um pequeno intervalo, necessário ao trabalho do tradutor, pediu que o acompanhassem para que pudesse demonstrar a prova. Neste meio tempo, o filho do Viajante, que já adquirira experiência suficiente para agir com cautela, aproveitou a conversa com a qual seu pai entretinha a criatura, para pegar a arma de sua mochila e de costas para ela, escondê-la por debaixo da camisa. E não se esqueceu do principal: a barra de cristal, já que tencionava voltar à Máquina, junto com seu pai. Rapidamente a retirou do lugar onde a haviam escondido, pondo-a no fundo a mochila. Se fosse algum tipo de armadilha, pelo menos teriam a chance de se defenderem e mais chances de fugirem para um lugar seguro, retornando depois à nossa época.
- - - - -Assim que se aprontaram, começaram a seguí-lo, notando que ela parecia conhecer muito bem o interior daquele enorme complexo, um verdadeiro labirinto de corredores, andares e salas, habilmente esquivando-se de outros de sua espécie, que integravam a facção teoricamente oposta.
- - - - -Aquela procissão silenciosa demorou algum tempo, tendo o filho do Viajante redobrado sua atenção, pronto para sacar a arma, caso fossem surpreendidos. Por fim chegaram a um corredor, cuja porta de acesso estava bloqueada. Ela deveria possuir algum tipo de mecanismo ou trava, porque a criatura à frente, parou por alguns segundos, como se examinasse seus segredos, antes de poder abri-la.
- - - - -Não havia maçaneta ou qualquer outro dispositivo fixado, que indicasse o modo de fazê-lo, e os dois ficaram ali parados, curiosamente esperando o próximo passo do cefalópode. Eles observaram seus movimentos, e ficaram surpresos com sua destreza para abri-la. Com vários tentáculos, pressionou simultaneamente partes das laterais, processo esse, que só poderia ser feito pelo braço de vários homens trabalhando em conjunto, a porta cedeu sendo arrastada para frente. De certa forma tal ato demonstrava, por um lado, a incrível força que possuíam, e de outro, de que não se tratava de um impostor. Se o fosse, conheceria os seus segredos, abrindo-a facilmente.
- - - - -Depois de afastada se viram diante de um corredor, que o Viajante nunca visitara antes. Este era ladeado por um muro, não muito alto, mas o suficiente para encobri-los. O cefalópode o escalou sem muito esforço e fez sinais bem claros para que fizessem o mesmo. Apoiados nos braços conseguiram se erguer com algum esforço e antes que este se tornasse insuportável puderam observar um amplo espaço, no meio do qual estava disposto um enorme engenho, que em toda a sua estadia, fora escondido do Viajante. Pelo menos não era o projeto no qual trabalhava e com o qual já tivera poucos contatos.
- - - - -Tiveram que repetir o gesto de subida várias vezes. O ambiente fartamente iluminado permitia daquele ponto uma visão bastante detalhada do enorme aparelho. Ao seu redor reinava um frenesi intenso, como o de uma fábrica, com dezenas de cefalópodes, movimentando-se para todos os lados, fazendo ajustes, acrescentando partes, conectando outras, numa cacofonia de sons provocados pelo maquinário auxiliar que se irradiavam para todas as partes. O Viajante perguntou ao desconhecido o que era afinal aquela coisa que recebida tanta atenção por parte de seus adversários.
- - - - -Procurando regularizar o tradutor, de maneira que o som proveniente dele, não traísse a posição de todos, mas num tom suficiente para que pudesse superar o barulho do local, ele o ativou.
- - - - -- Uthar... Esta... Máquina da Ordem. Skverr... Construída...Segredo... Fim da sua espécie. Skverr?
- - - - -Tal afirmação foi um choque para os dois. Como poderia ser a Máquina da Ordem, se estavam justamente, escondendo-se dela naquele enorme subterrâneo? Como confiar naquele estranho, vindo do nada? Se estavam sob o domínio da tal Ordem, que os odiava, não fazia sentido nenhum o fato de nunca terem demonstrado qualquer hostilidade. Aquilo poderia ser apenas uma manobra para confundi-los. Quem poderia garantir que o dispositivo que estava sendo construído não se destinava a alguma outra necessidade daquela vasta construção?
- - - - -- Uthar... Clultolch... Hábil seduzir... Skverr... Usou... Conhecimentos... Sparrr... Atingir objetivos com mentiras... Uthar... Outro aqui... Skverr... Este propósito... Skverr... Outro... Não estranhar demora... Uthar... Dificuldades de completar projeto... Defesa humana? Uthar... Por que... Skverr... Nunca permitir subida... Superfície? Skverr...
- - - - -O Filho do viajante perguntou, quem era ele afinal, e como sabia tanto?
- - - - -A criatura respondeu de forma evasiva, satisfazendo muito pouco o que lhe era pedido. – Uthar... Sou aquele... Skverr... Enviado... Outra parte. Skarr... Salvar criaturas. Skverr? Sparr... Ter paciência... Uthar... Como tivemos... Skverr... Entrar aqui... Uthar...
- - - - -O Viajante não podia acreditar que fora enganado todo aquele tempo. Clultoch lhe dissera como a Ordem era persistente e malévola em seus objetivos. Tudo não passara de uma invenção para conseguir sua colaboração? Em quem confiar?
- - - - -- Esta é a prova, da qual falou? - perguntou o Viajante apontando para baixo.
- - - - -Mudando rapidamente as cores, o tradutor vertia os pulsos numa forma inteligível para os dois homens.
- - - - -- Uthar... Skverr... Por que Clultoch... Uthar... Manter escondida máquina?
- - - - -Os dois homens pensaram a mesma coisa. Das duas, uma: ou era um teste de honestidade, ou ele era realmente um espião infiltrado na cidade. Como tinham conseguido isto? Mas não havia como saber se dizia a verdade. Não havia traços exteriores que pudessem ajudá-los a identificar suas expressões faciais. Suas vestimentas eram idênticas ao dos demais, o que até soava lógico, pois se de fato fora sua intenção passar despercebido, não poderia vestir-se de outra maneira. Só lhes restava aguardar para ver alguma coisa daquela máquina que confirmasse o que dizia.
- - - - -Pelo menos o que dissera fazia sentido. Desde sua chegada, nunca fora levado aquele local, mas a um outro, onde haviam construído um protótipo, com base nos restos de sua máquina. O fato de desconhecer aquele local era desalentador. Ou estava diante de um outro transportador temporal ou se tratava de um dispositivo destinado a anular a máquina adversária. Fosse o que fosse, mesmo entendendo a necessidade de mantê-la em segredo por causa da até então denominada Ordem, não justificava escondê-la dos dois. Tal comportamento realçava ainda mais a desconfiança que sentiam em relação a Clultoch.
- - - - -E o receio do Viajante de que o octópode desse pela falta de ambos, já que não podia afirmar se havia alguma forma de vigilância sobre sua pessoa e agora sobre seu filho, o deixou apreensivo. Sob aquele clima de incertezas, não podia retornar sem ao menos saber qual era o propósito do que estavam construindo. Por isso torceu para que a pusessem logo em funcionamento em algum tipo de teste. Avaliando suas propriedades teria ao menos uma noção para que se destinava, permitindo que saíssem dali, sem despertar suspeitas.
- - - - -Ele não pode precisar quanto tempo ficaram ali escondidos, tensos e ansiosos ao mesmo tempo para não perderem aquela oportunidade única e o receio de serem descobertos, e quando seu pai já estava a ponto de desistir, o ambiente foi inundado por uma série de cores, que se alternavam num determinado padrão só reconhecível para aqueles seres e o desconhecido que os levara até lá. Eles o olharam em busca de respostas e este apenas fez um sinal para que escalassem a parede do muro. Os dois imediatamente se apoiaram na beirada para ver o que estava acontecendo.
- - - - -Acompanharam o movimento dos cefalópodes que se afastaram, procurando manter uma certa distância daquele dispositivo. Seria o inicio de alguma experiência pela qual aguardavam e queriam testemunhar?
- - - - -Ouviram um zumbido, cuja freqüência os obrigou a tampar os ouvidos, ato que não foi imitado por Clulvanam. Provavelmente era uma frequência que não os incomodava, mas para a qual os ouvidos humanos não estavam preparados.
- - - - -De repente uma forte luz azulada envolveu o engenho como uma campânula. À medida que o tom azulado aumentava, o zumbido tornou-se mais forte, até que o sino energético se desfez com um estrondo e o som estridente foi cessando lentamente. Um dos cefalópodes aproximou-se e retirou do seu interior um pequeno animal, parecido com um rato.
- - - - -Estavam fazendo experiências com animais? Mas tais criaturas já estavam extintas. Pelo menos fora isso que percebera quando passeara pelo museu.
- - - - -Não importando a época da qual viera, não resistira à ação da máquina, morrendo por causa da deformação do corpo. Aquilo dizia tudo. Provavelmente estavam fazendo aperfeiçoamentos naquele engenho, a partir do mesmo sistema que criara na oficina e que permitira seu transporte. Mas sem a parte espacial do outro lado, como ocorrera no seu caso, a máquina não funcionara perfeitamente. Estavam tentando não só viajar no tempo como trazer seres de outras épocas, talvez até, anteriores ao homem, e isto poderia trazer sérias consequências à cadeia evolutiva. E se um desses animais sacrificados fosse a espécie que daria origem ao homem? Não restava mais dúvidas, Clultoch mentira o tempo todo para seu pai. Por sorte ainda não tinham descoberto a assinatura cronotrônica de seres humanos.
- - - - -No momento não havia o que fazer, já que não dispunham de meios para danificá-la ou destruí-la. Mas teriam que agir rápido antes que seus temores acabassem se concretizando. Teriam que retornar aos seus aposentos e pensar em alguma coisa para impedir que obtivessem sucesso.
- - - - -Foi neste momento que seus corações dispararam. Como receara, tinham se apercebido do desaparecimento de ambos e os haviam encontrado no pior lugar que poderiam desejar. Estavam realmente em sérios apuros. Um dos grupos de octopoidais tinha encontrado a porta de segurança destroçada, o que lhes chamara a atenção. Na pressa de seguir o cefalópode, tinham menosprezado este detalhe importante, e naquele momento viram uma coluna caminhar decididamente na direção deles.
- - - - -Mas Clulvanam sabia o que fazia e não demorou a agir. Com uma agilidade indescritível, fruto da sagacidade, criou um túnel espacial e foi bem sucinto no tradutor.
- - - - -- Uthar... Dispositivo... Skverr... Permite... Sheva um humano... Uthar... Decidir quem... Skverr...
- - - - -Os dois se entreolharam, sem saber o que fazer. No ímpeto do momento, o filho do Viajante, só pensou numa coisa: em atrasar os planos de Clultoch e dar tempo para que os dois fugissem. Escalou o muro pela última vez e da murada, apontou a arma na direção da Máquina.
- - - - -- Não meu filho! - gritou o Viajante, tentando impedir o seu ato impulsivo.
- - - - -Mas as balas foram mais rápidas do que seus pensamentos. Atônito viu seu primogênito descarregar todo o tambor sobre o engenho abaixo deles.
- - - - -O dispositivo possuía bastantes partes frágeis e o som das projéteis perfurando-as, não tardou em revelar seus efeitos. Aqui e ali, pedaços começaram a soltar fagulhas, e numa reação em cadeia, outros componentes começaram a fazer o mesmo, resultando num incêndio que grassou rapidamente.
- - - - -O crepitar das chamas, acompanhadas por um som rouco, tornava evidente que todo o complexo iria explodir a qualquer momento. E quando ela ocorreu, uma bola alaranjada avançou para todos os lados, expandindo-se vertiginosamente.
- - - - -Os primeiros a perceber isso foram os cefalópodes que estavam no corredor. O instinto de sobrevivência falou mais alto e todos deram meia volta para se por em segurança.
- - - - -Não havia muito em que pensar. O filho do Viajante tentaria uma coisa inédita, fruto do desespero. Assim que Clulvanam entrou apressadamente no túnel, ele agarrou seu pai, para jogaram-se juntos no seu interior, a fim de evitar o toque mortal da enorme bola de fogo que corria rápida na direção de ambos. Mas o inesperado aconteceu. No exato momento em que fez isso, um segundo túnel, se sobrepôs ao primeiro, e para seu desespero, seu pai foi praticamente sugado por este, rumo a um destino ignorado.
- - - - -O que a principio parecera uma chance de fuga e o fácil retorno à nossa época, foi bruscamente frustrado. Como poderia resgatar seu pai? Praguejou sobre si mesmo, por não ter perguntando ao seu outro eu na Oficina, o que ocorrera na viagem que fizera. Assim, pelo menos, poderia antecipar seus passos. Mas não lhe restara outra opção, a não ser improvisar, como fizera até aquele momento, conforme os acontecimentos se apresentavam.

Capítulo 14 – Do outro lado.

- - - - -Antes de receber o impacto frontal da onda de choque, Clulvanam ativou o fechamento do túnel, quase deixando para trás o filho do Viajante, que hesitava devido ao repentino desaparecimento de seu pai. Hábil no processo de controlá-lo, manteve-o aberto para que o jovem terminasse a passagem para o seu lado, sem conseguir impedir que atrás dele seguisse uma labareda que à semelhança de uma mão vingativa, lambesse suas roupas.
- - - - -Ele rolou pelo chão, procurando apagar as chamas que grassavam em suas vestes. Quando se deu conta de que o pior havia passado aprumou o tronco, sem saber o que fazer, enquanto pequenas colunas de fumaça acima de sua cabeça se dissipavam no ar. Sua mente estava alheia a tudo isso, fixa apenas no que havia acontecido e no que poderia fazer para trazer seu pai de volta. Restava-lhe apenas a certeza de ele fora poupado da explosão, o que renovava a esperança de algum resgate futuro.
- - - - -Mas passada a emoção, instintivamente colocou a mão sobre os olhos como um anteparo, para se proteger da intensidade da luz do dia. Havia se desacostumado a ela, e momentaneamente ficou cegado pelo brilho do Sol. Clulvanam o ajudou a se levantar, carregando-o com seus tentáculos para a sombra, onde poderia se adaptar melhor à mudança de claridade.
- - - - -Aos poucos, pelo fato de ter ficado somente alguns dias debaixo da terra, os olhos do filho do Viajante, rapidamente se acostumaram à mudança de luz. Mesmo com a visão ainda parcialmente turva, ele esforçou-se para observar o que havia à sua volta, receando alguma ação inesperada, como a que ocorrera com seu pai. Foi então que se deu conta que estava numa daquelas construções em forma de cúpula, que ficavam encravadas no cruzamento das vias aéreas.
- - - - -Do alto daquela construção, sentindo a brisa do ar, momentaneamente um sentimento de liberdade invadiu seu espírito, e muitos pensamentos passaram pela sua mente. Não tinha certeza se agira erradamente, precipitando os acontecimentos, sem avaliar as sua consequências ou se fizera a coisa certa, protelando o fim da humanidade.
- - - - -Se fosse este o caso, ele sabia que uma outra ação seria necessária, não só para chegar até a Máquina do Tempo, como impedir que reconstruíssem o dispositivo que poderia mudar a história da Terra, além, é claro, de finalizar o dispositivo de bloqueio idealizado por seu pai. Mas a prioridade maior naquele momento era o resgate do Viajante, e naquele instante, não saberia por onde começar e muito menos se poderia contar com a ajuda de alguém. Além disso, pairavam ainda muitas incertezas, entre os quais, como saber se estava agora do lado certo e o que fazer para deter o líder da outra facção que os enganara. Apenas uma coisa era certa. Ele não saberia dizer, quanto tempo ainda demoraria, mas como vira a si e a seu Pai retornarem vivos à oficina, esperava que a viagem terminasse desse modo, como se lembrava. Mas estava decidido, assim que voltassem, que a Máquina do Tempo deveria ser eliminada de forma a não ser descoberta por aquela espécie do futuro. Sozinho não poderia fazer muita coisa e ele se perguntou como poderia confiar nos seres que compunham a outra facção para salvar sua própria raça. Disfarçadamente, apalpou a barra para se certificar de que continuava incólume e a forçou para bem fundo da mochila. Por enquanto a única coisa que poderia permitir o retorno continuava firmemente em suas mãos.
- - - - -Talvez a situação não fosse assim tão ruim como lhe parecera naquela hora. Em alguns aspectos, essa sociedade era muito diferente da nossa, já que era a primeira vez que se matavam por uma crença. A humanidade já percorrera este caminho muitas vezes, mergulhando em conflitos cruéis, como a última grande Guerra que fora feita para acabar de vez com todas as outras guerras. E pelo andar dos últimos acontecimentos, neste nosso mundo, como no caso dos japoneses, dos italianos e dos alemães, a última guerra, não satisfizera a sede de violência dos homens.
- - - - -Mas se a reflexão nos ajuda a colocar as coisas no seu devido contexto, eu, pertencente à raça humana, não poderia criticar somente as falhas da outra espécie e exaltar falsamente nossas virtudes, ciente de que tal ato não é tão absurdo assim. Se há uma condenação explicita a tamanho horror, o que não dizer de nosso hábito condenável de fazermos o mesmo a nós próprios. Mas sempre haveria as criaturas de bom senso, que tentariam impedir tais loucuras, como eu imaginava que fosse o caso agora de Clulvanam e de seus aliados.
- - - - -O filho do Viajante antes de sair daquele lugar utilizou o tradutor num longo diálogo com este novo personagem, procurando sondar suas intenções, para saber se não estaria sendo mais uma vez enganado. E precisava também falar com alguém, mesmo que fosse com uma pedra, para poder recuperar sua autoconfiança, abalada pelos últimos acontecimentos. Ressaltou ao octopóide o que acontecera ao seu pai e se poderia contar com algum tipo de ajuda, destes “novos” amigos, para descobrir seu paradeiro e se possível, resgatá-lo.
- - - - -Mas o problema constante do tradutor, é que transmitia uma série de sons, que não denotavam nenhuma emoção, que pudesse lhe dar alguma pista quanto à sinceridade do que diziam. E muito menos, olhando diretamente nas feições daquelas criaturas. É certo que a forma de falar, pelo menos quanto aos humanos, poderia indicar a intenção do locutor, tal como se pretendia acalmar, ou estar curioso, ou mesmo zangado, mas através do tradutor tais sutilezas eram impossíveis de serem detectadas. Assim teria que se contentar com as frases truncadas que o aparelho vertia.
- - - - -Clulvanam, como num discurso ensaiado, apenas argumentou, da mesma forma como fazia Clultoch, de que os seus haviam se oposto desde a descoberta dos restos da Máquina a tais medidas da Ordem, apenas por que ofendia uma crença. Que mal a existência de outra inteligência, separada por uma eternidade, poderia fazer ao seu mundo? Mas como afirmou, sempre haveria aqueles, que levariam seus temores ao extremo, imaginando em seus delírios que o homem poderia ficar tentado a eliminar os octopoidais. Portanto para uma crença sem o menor sentido lógico, qualquer ameaça vaga, justificava quaisquer meios. Fazia todo o sentido do mundo, mas poderia acreditar naquelas palavras? Não seriam só isso: palavras?
- - - - -Quanto ao seu pai, Clultoch fora mais rápido, e com certeza o transladara para outra parte da cidade subterrânea. No momento não poderiam fazer muita coisa, já que sem as coordenadas certas, perderiam muito tempo com saltos aleatórios. Mas procuraria junto aos seus refinar tais números para poder resgatá-lo. Se isto lhe servia de consolo, seu pai era um trunfo para Clultoch. Desta maneira, aquela criatura continuaria usando-o para seus propósitos, sem que algum mal lhe fosse feito. Mesmo assim, tais palavras não acalmaram o filho do Viajante já que destruíra a máquina na cidade subterrânea. Ele não tinha parâmetros para avaliar até que ponto estes seres eram iguais ou diferentes dos humanos, quando, se é que isto acontecia, eram tomados pela raiva descontrolada. Apelariam para atitudes impensadas?
- - - - -Por bem ou por mal, no momento não lhe restavam muitas opções, já que Clultoch, com certeza, por mais que controlasse seus desejos, jamais perdoaria o que fizera aos seus objetivos. Desta forma tinham que seguir em frente, para ver no que dava e como conseguiria obter ajuda diante da nova situação.
- - - - -Ele olhou para Clulvanam e pergunto-lhe o que fariam agora. A única coisa que ouviu, sem maiores explicações era que o seguisse.
- - - - -Desta vez, não se locomoveram através daqueles túneis e sim, por cima das vias suspensas.
- - - - -O local para onde fora transportado parecia ser uma pequena cidade, se bem que tal denominação, era apenas uma forma de descrever algo, que remotamente lembrava nossas aldeias ou vilas.
- - - - -O teto abobadado que lhe dava o característico aspecto de um observatório compunha-se de material translúcido que permitia a passagem controlada da luz. A grande cúpula que a recobria, podia ser aberta ou fechada, dependendo das condições do clima. Existiam é claro, cômodos e dependências apropriadas àqueles seres, que de jeito algum, se destinava ao uso humano tamanha era a diferença entre as duas espécies.
- - - - -Mas como não poderia deixar de ser, havia muita coisa em comum, utilizada pelas mesmas facções. Os tanques enormes, nos quais criavam peixes, para servir de alimento, ali estavam presentes, bem como os aparelhos que reciclavam, ou melhor, oxigenavam a água que transportavam consigo.
- - - - -Devido à necessidade de ser levado à presença de um dos líderes, conforme foi informado por Clulvanam, o filho do Viajante, não pode aprofundar ou satisfazer sua curiosidade, sobre outros dispositivos, que estavam ali dispostos, cujo propósito era desconhecido. A única coisa que pode descrever em detalhes, sem entrar em minúcias técnicas, como era hábito do Viajante, foi sobre as esferas de transporte, que se assentavam sobre as vias, como nossos carros nas estradas da Inglaterra.
- - - - -Numa espécie de estacionamento, elas se posicionavam, tanto na chegada, como na partida, de uma maneira bastante estranha para os hábitos humanos. Assim que penetravam no domo, suas esferas de energia eram desligadas, permitindo ao condutor, não descer do tal veículo, como seria usual entre nós e sim apenas, caminhar, da plataforma, onde se posicionava em pé para o piso do mesmo. Não era hábito entre eles, utilizarem assentos, já que permaneciam todo o tempo, sustentados por seus pedúnculos centrais, desconhecendo outra forma de descanso.
- - - - -Essas pequenas plataformas móveis, como o filho do Viajante relatara antes, por ocasião do primeiro contato ocorrido junto a uma das pilastras de sustentação da estrada suspensa, eram ovais, dispondo apenas de oito pequenas saliências retrateis para manobras tentaculares. As vias, sobre as quais se movimentavam, possuíam sulcos, por onde pequenos, mas potentes dispositivos eletromagnéticos, impulsionavam estes estranhos veículos, dispensando o óbvio uso de rodas.
- - - - -Como um imenso pátio de manobras, tais engenhos, assim que chegavam, eram conforme seus destinos, movimentados para outros sulcos, que corriam por sobre outras vias, que se distribuíam como numa imensa teia de aranha.
- - - - -Desta forma, os dois foram levados a um destes veículos, um pouco maior que os demais, que podia acomodar três ocupantes. Para estranheza dos octópodes, sentou-se sobre a plataforma e aguardou pacientemente, que fosse acionada, levando-o para um destino desconhecido.
- - - - -Assim que a máquina foi ativada, partiu velozmente, ao mesmo tempo em que uma parede de energia a envolvia, poupando-os dos efeitos da aceleração, ou qualquer outra desconforto provocado pela fricção com o ar. Apesar de não poder sentar-se da forma com a qual estava habituado, não sentiu nenhuma trepidação. Através da parede leitosa conseguiu apreciar a paisagem que se descortinava de ambos os lados da via suspensa.
- - - - -Mas nada havia lá, que lembrasse os campos de cultivo, ou casas de agricultores. Havia pouca vegetação, e o clima, bem como os arredores, compunham-se de plantas rasteiras, entremeadas por raros rios e lagos. A impressão era de que viviam confinados às suas cúpulas, deixando a terra livre.
- - - - -Vez por outra, cruzavam em sentido contrário com outros veículos, até que aos poucos foram divisando as partes mais altas de uma enorme construção. Deveria ser muito importante pelo tamanho avantajado. Pelo menos era essa a impressão causada, pois assim que pode ver seu nível mais baixo, observou não uma única cúpula, mas sim várias delas superpostas.
- - - - -Em rápida aceleração, a esfera adentrou seu interior, parando numa grande plataforma, onde centenas de cefalópodes esperavam. O que o destino lhe reservava?

Capítulo 15 – A grande surpresa.

- - - - -Para estupefação do filho do Viajante, tais criaturas não estavam ali, para qualquer tipo de recepção, fosse amigável ou hostil. Tinham amontoando-se naquele lugar movidos apenas pela curiosidade de poderem ver uma forma de vida inusitada pelos seus padrões. Podia-se depreender isto, pelas cintilações de seus corpos, que mudavam aleatoriamente de cor, demonstrando que se comunicavam e trocavam impressões entre si. Estes pulsos eram de tal monta que aos olhos não acostumados, chegavam por si só, a ser um espetáculo à parte.
- - - - -Mesmo com todo aquele alvoroço, podia-se afirmar que era um contato drasticamente diferente das peculiares demonstrações humanas. Nenhuma dama desmaiando, com a fealdade que deveria transmitir, ou de respeitáveis cavalheiros, atraídos tão somente pela curiosidade. Apenas ficaram ali, observando-o com os dois característicos olhos enormes, que, se de certa maneira, lembrava os nossos, não se conseguia avaliar por eles, o que sentiam com a sua presença.
- - - - -À medida que caminhava, aquela multidão, silenciosamente foi abrindo passagem, resplandecendo em cores até que o condutor aproximou-se de uma plataforma circular, fazendo-lhe sinais com vários tentáculos, para se posicionar sobre ela. Assim que acabou de se ajeitar, sem ruído algum ela começou a subir, sem precisar recorrer a qualquer tipo de cabos ou outra forma de apoio. Talvez o material que a compunha, anulasse os efeitos da gravidade ou utilizavam-se de artifícios para contorná-la, ainda desconhecidos por nós.
- - - - -Lentamente, mas com toda segurança, ele foi se deslumbrando com a visão cada vez mais ampla de todo o conjunto. Em termos de arquitetura, nunca havia presenciado construção tão exótica que se harmonizasse tanto com seus habitantes. Era de se perguntar, como tinham conseguido interconectar cúpulas tão vastas, sem que sucumbissem ao próprio peso. Provavelmente, seus construtores, com a prática de muitas gerações, haviam descoberto um modo de apoiá-las umas às outras, sem o uso de colunas de sustentação.
- - - - -Tratava-se de um local muito rico e variado, em todo tipo de coisas que serviam às necessidades de seus moradores, semelhante às nossas metrópoles. Plataformas desciam e subiam, e os níveis feitos de um material translúcido permitiam ver, seus ocupantes em seus diversos afazeres, reluzindo em seus diálogos, como seria habitual numa grande cidade cosmopolita.
- - - - -Conforme subia de nível em nível, tornava-se o centro de atenção de todos aqueles seres que não paravam de cintilar, demonstrando algum tipo de agitação com a sua passagem. O filho do Viajante se perguntou, que pensamentos estariam percorrendo aqueles grandes cérebros, com respeito a ideia que tinham de serem as únicas formas inteligentes do Universo? Como será que o viam? Como um animal exótico? Ou como uma contradição às suas mais sagradas crenças? Se aquelas criaturas compunham ou não a Ordem, por que não reagiam de acordo com as histórias que Clultoch propalara? Não vira ou sentira qualquer hostilidade, apesar de não poder avaliar o grau de assombro que lhes provocara, o fato de verem pela primeira vez em suas vidas, uma criatura que no seu entendimento fugia a qualquer compreensão.
- - - - -Mas quando se viaja pelo tempo, a visão limitada que temos do conjunto todo, abre-se num horizonte maior, o que nos faz refletir sobre a relatividade do papel da humanidade e suas patéticas pretensões de um favorecimento sobrenatural, ou de seu suposto domínio sobre o planeta.
- - - - -Ao invés do líder do clã, ocupar a parte mais alta da construção, como acontecera na Torre que seu pai visitara, seus domínios particulares, situavam-se numa das alas daqueles domos interligados.
- - - - -E para lá foi conduzido por Clulvanam, sem a necessidade de uma escolta, como sucedera com o Viajante, assim que desembarcara numa das plataformas da cidade suspensa. O tamanho daqueles seres, muitas vezes superava a de um homem comum, o que desencorajava qualquer tentativa de enfrentamento direto. Colocada desta forma, o filho do Viajante ressaltou que além deste aspecto da anatomia, que dispensava qualquer grupo de segurança, acrescentava-se o fato de que possuíam o dobro de membros, muito mais flexíveis e mais fortes do que os nossos.
- - - - -Assim que a plataforma cessou sua ascensão, viu-se num dos níveis transparentes, que se apresentava dividido em inúmeros corredores, sendo que um deles, levava diretamente aos aposentos do líder, por assim dizer, daquela cidade e dos muitos indivíduos pertencentes àquela facção que habitavam a superfície.
- - - - -Frente ao congênere de Clultoch, evidenciava-se o seu tamanho, o que denotava grande longevidade, mas não se podia dizer qual era o seu nível de inteligência ou suas habilidades como governante. Mas fosse qual fosse a razão que o havia guindado a esta posição, seu tamanho, por si só, já lhe dava grande dianteira sobre pretensos concorrentes.
- - - - -Outros cefalópodes o rodeavam tal como um séquito, e assim que se aproximou, interromperam o que quer que estivessem fazendo, para que seu líder pudesse se ocupar com a repentina chegada do estranho ser. Clulvanam respeitosamente afastou-se para o lado, deixando-o sozinho frente àquela nova personagem.
- - - - -Do mesmo modo como se comportara Clultoch ao vê-lo pela primeira vez, ele logo se adiantou e vagarosamente, apoiando-se em seus tentáculos, o rodeou, como se não acreditasse no que estivesse vendo. Sem qualquer atitude hostil, tocou-o gentilmente, como fazemos com nossos animais de estimação, mudando de cor várias vezes, no seu modo de comunicação característico, ao qual, os demais correspondiam de forma idêntica. Tornou-se evidente que trocavam impressões entre si, não só com respeito ao tamanho e a forma, bem como ao suposto grau de inteligência de que ele deveria possuir. Um dos seus auxiliares trouxe o tradutor que Clulvanam utilizara na cidade subterrânea e antes de iniciar a conversação, o olhou demoradamente, trocando sinais coloridos com seus acompanhantes. Explicado seu funcionamento, ele o entregou ao mesmo auxiliar, que o seguia, que o ativou enquanto o acompanhava no rodeio que fazia em torno do filho do Viajante.
- - - - -- Uthar... Admitir... Impressionado com esta peça. Skverr... Muito engenhoso seus princípios... Uthar... Saber... Skverr... Sua existência... Primeira vez... Uthar... Sentir. Skarr...Entender... O que falo? Skverr?
- - - - -O filho do Viajante adiantou-se, tomando a palavra.
- - - - -- Sim, quase tudo, com excessão de algumas expressões. Mas foi o melhor que meu pai conseguiu, já que não participei da sua idealização.
- - - - -- Uthar... Se informação correta... Skverr... Estar... Diante... Outro mais novo. Skverr? O filho do primeiro... Do outro mundo. Uthar?
- - - - -- Tal informação é correta. Creio que já sabia de nossa existência, eu presumo.- retrucou o filho do Viajante.
- - - - -- Uthar... Saber muita coisa. Skverr... Mas... Querer ver... Skverr... Como agora.
- - - - -Não resistindo ao impulso, o filho do Viajante, sem o tato do Pai, perguntou quem era ele e se estavam diante da Ordem ou de qualquer outro nome pelo qual se identificavam...
- - - - -- Uthar... Ser ou outro, mais novo. Skverr? Upsarr... Impaciente... Sverr... Como todo jovem. Uthar... Pouco respeitoso... Skverr?
- - - - -- Perdoe-me se fui rude, mas não tive a intenção de ofender sua pessoa.
- - - - -- Skverr... Compreender.- disse o grande cefalópode.
- - - - -- Uthar... Sou Clitanar... Skverr... Não ser Ordem. Sverr... O que Clultoch... Skverr... Contou sobre nós?
- - - - -O jovem olhou para o chão preocupado com o que ia dizer, pois não sabia em que terreno movediço estava pisando naquele momento do tempo. Poderia começar bem, ou poderia causar algum mal entendido que complicaria a situação, já por demais complexa. Por isso usou de toda a cautela.
- - - - -- Muito pouco, - disse o filho do Viajante. - Apenas disse que há uma diferença de opiniões entre os seus, que ainda não entendi claramente. Cada lado, se não estou enganado, denomina o outro de a Ordem. E cada qual nos oferece ajuda. Garanto-lhe que nossa espécie, não tem, nunca teve e jamais terá qualquer interesse em incomodá-los já que estão envoltos em seus próprios problemas e nunca foi intenção de nossas pesquisas exploratórias fazer mal a quem quer que seja. Aqui estou de forma involuntária, pois foi Clultoch que trouxe meu pai e vim apenas corrigir este erro, levando-o de volta.
- - - - -Clitanar ouviu as palavras do jovem e continuou seu rodeio, em silêncio. Depois parou para falar.
- - - - -- Uthar... Palavras sábias... Skverr... Clitanar... Saber que primeiro... Skarr... Sabe mais do que diz conhecer. Skverr? Não entender mal. Uthar... Conhecer meu irmão, Clultoch... Skverr... Saber como ele pensa.
- - - - -Foi uma surpresa, descobrir que estava diante do irmão de Clultoch, o que o deixou numa posição ainda mais delicada, já que se tratava não de uma briga de clãs e sim de família.
- - - - -- Trouxe-me aqui para ajudá-lo a desfazer este mal entendido? - perguntou o filho do Viajante com extrema diplomacia.
- - - - -- Uthar... De certa forma, sim. Skverr... Intenção maior ajudá-los. Skverr?
- - - - -A perplexidade invadiu seu espírito, tornando difícil acreditar no que estava ouvindo. Afinal quem queria ajudar quem? Era uma expressão óbvia, desenhada no seu rosto, sutileza esta, impossível de ser percebida pelo cefalópode à sua frente, desacostumado às nuances faciais humanas.
- - - - -- Uthar... Entender, Primeiro e Segundo... Skverr. Clultoch... Contar parte... Uspar... Verdade dele. Só... Parte dele. Skverr... Por que Clultoch debaixo da terra? Skverr. Uthar... Por que... Exposição... Upsarr... Quase sagrada, nosso povo, neste mundo? Skarr...
- - - - -Eram afirmações e perguntas, que o deixavam confuso quanto à real dimensão do que estava acontecendo, o que dificultava a sua resposta.
- - - - - - Suponho que para se proteger e defender o que acha correto.- disse, respondendo da melhor forma que podia.
- - - - -- Uthar... Sim. Skverr... No entender dele, mundo nosso... Usparr... Só nosso. Uthar... Não ter lugar... Antes, depois...Skverr outra espécie. Clultoch... Esconder correto... Seu pensamento... Eliminar sua espécie. Skverr?
- - - - -Naquela altura dos acontecimentos era difícil avaliar quem dizia a verdade. E em qual dos dois devia acreditar, já que cada lado alegava querer salvar a raça humana da outra parte.
- - - - -- Eu não estou entendendo aonde que chegar, Clitanar. - afirmou o jovem. – O que eu preciso, são provas convincentes do que afirma ser verdade. Entende o significado disto?
- - - - -O cefalópode agitou os tentáculos de forma assustadora, não como uma forma de ameaça e sim de que entendera o ceticismo do filho do Viajante, e que precisava dar-lhe alguma coisa mais concreta do que meras palavras. Seu enorme corpo cintilou nas mais variadas cores, denotando esta intenção.
- - - - - - Uthar... Clitanar... Mostrar onde Clultoch... Skverr... Quer chegar. Skverr... Clitanar... Não como Clultoch... Usparr... Ter também... Provas... Ele mentir... Skverr... Ele escondia o Primeiro... De nós... Skvverr... Usparr... Receava que eu descobrisse... Usparr... Não boas intenções... Skverr...
- - - - -Esta afirmação que concordava com o que acontecera na cidade subterrânea parecia fazer algum sentido, mas não provava que Clultoch estivera mentindo. Era verdade que os mantivera escondidos, mas segundo alegava, para a própria segurança de ambos. Apesar de que na sua opinião sentira-se mais como um prisioneiro, do que como convidado. Se não fosse pela ação de Clulnavam, ainda estariam debaixo da terra usufruindo uma liberdade vigiada.
- - - - -- Uthar... Clultoch... Usou conhecimentos do primeiro... Skverr... Dizendo ser causa nobre. Skarr... Mas conspirava contra isso... Usparr... Construindo engenho secreto, para eliminar povo do primeiro. Skverr?
- - - - -Este outro acontecimento, que inclusive precipitara a sua fuga, combinava com o que presenciara, mas mesmo assim, tinha receio de estar sendo vítima de outro plano arquitetado desta vez por Clitanar, utilizando uma verdade para enganá-lo. Poderia ser outra trama urdida por esta facção, deturpando os fatos, de modo a parecerem amigáveis. Como quebraria este círculo vicio de mentiras?
- - - - -O Filho do Viajante resolveu por as cartas na mesa, arriscando uma pergunta, que talvez, ou complicasse sua situação ou esclareceria os fatos de vez. - Então não foi a sua facção que decidiu remover aqueles que não acreditavam que eram as únicas formas de vida neste mundo?
- - - - -Clitanar demorou um pouco para responder.
- - - - -- Uthar... Eu... Dizer antes... Segundo saber mais do que diz... Skverr... Sim... Uma remoção ocorreu... Mas... Não da forma como Clultoch contou. Skverr...
- - - - -- O que aconteceu afinal?
- - - - -- Uthar... Clultoch... Ser supremo guardião da Ordem. Usparr... Ideia de não sermos os primeiros... Skverr... Neste mundo... Nem os últimos... Skverr... Inaceitável para ele. Clitanar... Usparr... Não concordar. Clultoch... Meu irmão, grande inteligência. Skverr... Inconformado, meu desacordo... Usparr... Feriu lei... Skverr... Tentou remover Clitanar... Skverr?
- - - - -Fez-se um silêncio prolongado depois desta tradução, como se Clitanar, tivesse exposto uma ferida que ainda não cicatrizara. Para aqueles seres, como já comentara, a remoção de um indivíduo da exótica hierarquia que seguiam, era o mesmo que um atentado à vida. Um dos crimes mais graves que poderiam incorrer, já que em sua longa existência, diferiam da sociedade humana no que respeitava aos conflitos que permeavam a nossa história. Então, segundo esta versão, não fora Clitanar que tentara removê-lo e aos seus simpatizantes e sim o contrário. Em quem acreditar?
- - - - -- Uthar... Eu... Precisei aprisioná-lo... Skverr... Nossa lei é rígida... Skverr... Nunca passamos isso antes. Usparr. Nunca pensar... Remover seus seguidores... Skverr... Ele fugir... Sparr... Esconder-se com os seus... Skverr... Cidade secreta... Clitanar não conhecia. Skverr?
- - - - -Neste momento, veio à sua mente, que aquela troca de acusações, não provava nada. Era preciso mais que palavras. Haveria algo mais que poderia reforçar o argumento de Clitanar?
- - - - - - Perdoe-me a interrupção. Mas preciso de uma prova que me convença. Pode conseguir isso?
- - - - -- Uthar... Sim.
- - - - -O cefalópode transmutou a cor do corpo, numa sequência rápida de cores novamente, demonstrando que estava agitado. Um dos auxiliares saiu das proximidades, o que o deixou por instantes preocupado. Se de fato Clitanar estava mentindo, estaria em grande apuro com a pergunta que fizera, e passou pela sua mente usar a arma que carregava, no caso de ser atacado. Teria de dar um jeito de carregá-la rapidamente, já disparara todas as balas sobre a máquina construída por Clultoch.
- - - - -- Uthar... Clitanar... Mostrar como foram enganados... Skverr... Todo tempo.
- - - - -Para sua surpresa, uma criatura que nunca vira antes, seguida por um séquito de dez outras, foram conduzidas até onde estava. Todas se mantinham afastadas, obedecendo a uma certa regra protocolar, o que indicava ser outra figura de peso, naquela rígida hierarquia. Sentiu o coração acelerar e preparou-se para uma eventual discussão ou hostilidade pela dúvida que levantara.
- - - - -- Uthar... Esta ser... Companheira de Clultoch... Skverr... Genitora de Clolponar. Estão nesta cidade sob minha responsabilidade. Skverr... Por sua própria vontade... Uspar...
- - - - -A tensão que sentia, diminuiu. Afinal não iam atacá-lo. Mas estava diante de uma personagem, que era apresentada como a mãe do ser que ajudara e a consorte de Clultoch. Por que estava ali? Não havia como saber, se de fato aquela figura era mesmo a mãe de Clolponar. Mesmo se falasse, o que esperava que fizesse, não havia como saber se não estavam sendo coagida a mentir. E era a primeira vez, que lhe apresentavam uma representante do outro sexo. Machos e fêmeas eram difíceis de distinguir. Se nunca a vira antes, poderia ser qualquer um dos habitantes da cidade.
- - - - -Pelo pouco tempo que teve contato com esta sociedade, ela lhe pareceu bastante patriarcal, não muito diferente da nossa, onde as mulheres não participavam da vida política, mas não deixavam, é claro, de ter o seu valor.
- - - - -- Uthar... Clitanar não mentir. Skverr... Pergunte o que quiser.
- - - - -O auxiliar aproximou o tradutor dela. Assim, sabendo que em parte ela, o entenderia, procurou se apresentar, respeitando os protocolos daquela sociedade. Apesar de não perceber qualquer traço de emoção ou como se sentia, ao ser ver diante de uma criatura tão estranha como ele, procurou ser cauteloso na pergunta que fez, para não ferir qualquer regra que desconhecesse.
- - - - -- Madame. Pergunto-lhe respeitosamente, por que não seguiu junto com seu marido e filho, para a cidade onde eles estão atualmente?
- - - - -- Uthar... Clultoch, doente... Muito doente. Skverr... Meu filho... Jovem... Skverr... Não saber... O que fazer... Sverrr... Eu ficar... Não concordar... Clultoch... Máquina deve ser destruída... Skverr?
- - - - -Uma coisa era certa. Ou tudo não passava de uma grande farsa, ou ela estava sendo sincera. Mas poderia ser também uma conversação ensaiada para parecer mais plausível.
- - - - -- Skverr... Sei o que pensa... – disse ela, inesperadamente, diante da sua hesitação. Como toda mulher, se guiava mais pela intuição do que pela lógica dos fatos.- Uthar... Procurar aqui... Qualquer cidade nossa... Não há outra máquina de destruição. Skverrr?
- - - - -De fato, ela parecia ser sincera e gostasse ou não, teria que acreditar, até que algum fato novo, mudasse o que ela afirmava.
- - - - -- Obrigada madame. Acredito no que diz.
- - - - -Ela não demonstrou qualquer sinal corporal de aquiescência, a não ser as costumeiras pulsações de cor. Antes de afastar-se, apenas murmurou algo, junto ao tradutor e foi a primeira e última vez, que o filho do Viajante a viu.
- - - - -- Uthar... Que assim seja... Skarr.
- - - - -Então, Clitanar, pediu licença alegando que assuntos mais urgentes clamavam por sua atenção e que o deixaria ao cuidados de seu filho Clulvanam, fato que até então, lhe passara despercebido.
- - - - -Assim como os humanos se reconhecem através da memória, um detalhe sobre esta figura, apesar de ficar pouco tempo ao seu lado na cidade subterrânea, havia lhe chamado à atenção. Assim podia distingui-lo dos demais, por esta particularidade. Não eram, claro, traços faciais, mas sim a forma como se locomovia, por causa de um de seus tentáculos que era menor que os demais.
- - - - -Clitanar, antes de se retirar, fez questão de frisar, que como este lhe salvara a vida, decorrente do seu ato impulsivo, talvez se sentisse mais confiante em lhe fazer perguntas.
- - - - -Ansioso como todo jovem, mas ao mesmo tempo, aprendendo que uma boa dose de cautela era salutar, ele tateou em suas perguntas, de modo a descobrir o que estava acontecendo de verdade, ressaltado que estava preocupado com o paradeiro de seu pai.
- - - - -O cefalópode contou-lhe a mesma história que já conhecia, só que numa versão bem diferente. Seu tio, Clultoch, era mesmo a suprema figura da Ordem, e por uma dessas ironias do destino, fora o primeiro a ser informado da descoberta dos restos da máquina. Pelo que pode entender, apesar da péssima tradução, que mais do que ninguém, ele levava a sua posição ao extremo como guardião de suas crenças. Era uma defesa de ideias que beirava ao irracional, e podia-se dizer, que suas ações, a partir daquele momento agravaram seu xenofobismo.
- - - - -Parecera-lhe sincero Clitanar não concordar com essas opiniões ortodoxas, assim como ver no comportamento do tio, um sério distúrbio de personalidade. Usei, claro, estas expressões mais apropriadas ao nosso âmbito, como única forma, de dar uma idéia do estado geral de espírito que dominava Clultoch, já que o tradutor vertia impressões que talvez não correspondessem exatamente aos nossos.
- - - - -Seu extremismo o levara a tentar a remoção do irmão, e após o fracasso dessa ação não só com relação a este, mas também a todos que se opunham aos seus ditames, optara por uma decisão radical. Por assim dizer eliminar o que considerava a raiz do problema. O que levava de volta ao fato de possuir uma inteligência acima da média, que acarretara não só o transporte do Viajante como também a tentativa de usar os conhecimentos dele contra a sua própria espécie.
- - - - -Tornava-se evidente que teriam que correr literalmente contra o tempo, já que Clultoch, possuía um espírito determinado e não desistiria assim tão fácil de seus propósitos.

Capítulo 16 – Uma situação mal equilibrada.

- - - - -O Viajante, como descreveu seu filho posteriormente, foi envolto de forma tão inesperada por um daqueles fenômenos espaços-temporais, que sua mente teve dificuldade em se adaptar à inesperada mudança. Num instante, mais uma vez sentira a morte estender suas garras conforme a bola de fogo se expandia na sua direção. No outro, se viu transportado para outro ambiente, mais seguro, porém antes de reconhecê-lo, perdeu os sentidos. O fenômeno físico que o trouxera, agira tão abruptamente, que mesmo com sua experiência de locomoção temporal, não impedira o seu cérebro de entrar em colapso devido à forte pressão da brusca mudança. Ao recuperar-se, olhou esperançoso o redor, imaginando-se vítima de alguma disfunção no túnel, que o carregara para algum ponto na superfície separadamente de seu filho. Para seu desapontamento, deu-se conta que estava de volta a uma sala familiar que continha o primeiro tradutor construído. E não estava sozinho. Contou seis daquelas criaturas tentaculares. E é claro, no meio delas estava Clultoch, sereno, como um capitão de navio em meio a uma tempestade. Se houvesse um modo de avaliar seus sentimentos naquele momento, em termos de emoção humana, poderia se dizer que se mantinha num precário equilíbrio. Deixava transparecer uma calma que não revelava o que se passava naquela mente doentia, decidida a eliminar os homens por todos os meios que pudesse dispor. Era óbvio que aguardava sua recuperação à espera de esclarecimentos sobre a destruição da máquina que escondera da vista dos dois.
- - - - -Diante daquele quadro, esta foi a primeira ideia que passou pela mente do Viajante. Não havia como explicar a sua presença naquele setor e a ação praticada por seu filho. Ele teria que sondar Clultoch para descobrir até que ponto, os últimos acontecimentos tinham abalado o relacionamento, aparentemente estável, entre ambos. Além disso, esperava, em vista da destruição da máquina, e por ter sido o único a não conseguir se evadir, receber algum tipo de punição, pelo gesto precipitado do seu impetuoso filho. Assim, preparou o espírito não só para aguentar as consequências que adviriam destes atos, como também, para se adaptar à nova e delicada situação que estremecera sua ligação com Clultoch, pela descoberta da máquina.
- - - - -Mesmo ele, com toda a experiência, não estava certo de como deveria proceder em relação aos últimos acontecimentos. Poderia adotar uma atitude puramente hostil por ter sido enganado, cujo fim não poderia prever, ou uma atitude conciliatória, porém mais cautelosa, que poderia ajudá-lo não só no salvamento da raça humana, como manter sua integridade física. Ainda estavam vívidas em sua mente, as várias lutas que travara ao longo de suas viagens, e não se sentia forte o suficiente para iniciar outra naquele momento. Então optou pela segunda, de forma que pudesse convencê-lo de que sentia pesar pela atitude do filho, que agira mais pelo impulso, do que pela razão, em decorrência dos argumentos do agente da facção oposta. Ressaltaria o fato de que até tentara impedi-lo. Não foi, portanto, uma atitude pusilânime a que adotou, mas sim, a de um jogador que tentava reverter uma situação adversa, para ganhar tempo e dar a seu filho, a chance de resgatá-lo e o mudar o resultado final do jogo.
- - - - -Mas enganou-se quanto às reações que previra de Clultoch. Ao invés de um comportamento guiado pela raiva ou frustração, já difícil de se identificar pela tradução, que não comportava nuances emocionais, mas talvez visível pela agitação corporal, observou o oposto. Nenhuma agitação, apenas o olhar fixo na sua direção. E assim ficou por um bom tempo: parado, sem demonstrar o que sentia, o que pensava. Porque afinal, tal atitude, não era típica de Clultoch. Ele preferia a persuasão. O método que praticara desde que chegara àquela cidade. Se nada lhe havia acontecido, era um forte sinal, de que a criatura ainda tinha planos para ele.
- - - - -Mesmo assim, refletiu que a paciência tinha seus limites, e sem poder avaliar o grau dos prejuízos que lhe havia sido causado, com certeza, ele lhe pediria explicações do que acontecera. E de fato, foi o que ocorreu em seguida. Só não tinha certeza, de que seria convincente o suficiente, já que aquele ser, dispunha de muita inteligência e perspicácia para saber, que sua própria história, carecia agora de solidez.
- - - - -Como já relatado, a única forma que restara de comunicação, era através do primeiro tradutor em forma de ferradura, que haviam construído no inicio de sua estada, já que o menor, de mais fácil transporte, estava agora na posse de Clulvanam.
- - - - -A primeira coisa que lhe foi perguntada foi como haviam conseguido atingir a máquina de onde estavam. Tal pergunta poderia parecer simplória e até sem sentido a qualquer humano que conhecesse armas de fogo. Mas não era este o caso. O desenvolvimento cultural daqueles moluscos era totalmente diferente da nossa, e nunca precisaram caçar como nossos antepassados, recorrendo a lanças ou flechas. Capturavam suas presas, isto sim, com as armas que a própria natureza lhes prouvera. Muito menos, tinham se lançado em combate com tais aparatos, em conflitos territoriais. Não pelo menos, como nós o fizemos. Desta forma, quando evoluíram para uma sociedade mais organizada, nunca chegaram a conhecer a pólvora e utilizá-la como arma. Assim quando o Viajante se dispôs a explicar que ela havia sido atingida por projéteis propelidos por esta mistura explosiva, provocou-lhe imediata surpresa. Apesar de avançados em alguns aspectos, em outros, decorrentes de seus costumes, estavam bem atrasados, se é que construir armas para ceifar a vida do semelhante, pudesse ser considerado como um progresso.
- - - - -Outras questões lhe foram colocadas, e o Viajante procurou responder sempre se guiando pelo argumento de que tanto ele, como seu filho tinham sido vítimas de uma trama urdida pelos inimigos de Clultoch, procurando se esquivar, o máximo que pudesse, de comentários sobre a máquina que vira. Mas era evidente, que se fora escondida de seus olhos, as razões para isso eram bastante comprometedoras. Além disso, o mais preocupante havia sido o seu desempenho, demonstrando que o projeto já se adiantara muito nas aplicações teóricas e práticas que obtivera de si. Isto explicava a razão das constantes demoras e a lentidão do engenho que construíam em conjunto. Fora deliberadamente sabotado, enquanto o outro, progredia sem seu conhecimento. Agira como tolo e não se perdoava por isso. Por que não dera atenção às suspeitas que cultivava? Mas era tarde para lamentar.
- - - - -Ele tentou conseguir informações sobre Clulvanam, mas este se esquivou. Naquela altura o Viajante desconhecia que o agente infiltrado era um membro próximo da família. Se Clultoch admitisse isso, diante de um desconhecido, seria por demais embaraçoso.
- - - - -Por outro lado, o fato de acompanhar Clulvanam sem questionamento, deixou-o numa situação delicada. Como confiara, em um individuo que nunca vira antes? Como pudera em tão pouco tempo, trair por sua vez, uma confiança que lhe fora dada desde que chegara?
- - - - -Ele procurou fazer o jogo de Clultoch, de que ainda acreditava nele e não o traíra. Mas não podia responder pela impulsividade de seu filho. Assim era com todos os jovens da sua espécie, que primeiro agiam, para depois pensarem no ato que praticavam. Ele só seguira seu primogênito, por que viu que sua vida corria perigo e permanecer onde estivera, seria morte certa. Desculpa que este aceitou de forma dúbia.
- - - - -Aproveitando aquela brecha, diante daquele momento de hesitação, o Viajante maliciosamente reclamou da rudeza do transporte e por não ter sido avisado.
- - - - -Surpreendentemente, o cefafópode, sem se aperceber da sua ironia, explicou-lhe de forma desajeitada, que o túnel de transporte só podia transportar um individuo de cada vez. Imaginando que ainda podia utilizá-lo para seus propósitos, continuou com a falsa preocupação. Ao se dar conta, de que sua vida corria perigo, seus assistentes que os tinham descoberto, no corredor que dava acesso a máquina, haviam informado sua posição, antes de se retirarem “corajosamente”. Lamentavelmente, não pudera transportar seu filho. Tal acontecimento não era muito auspicioso, já que provavelmente ele seria exposto às mentiras do outro lado, dando-lhe uma “visão falsa dos fatos”. Segundo o testemunho de seu pai, as palavras vertidas pelo tradutor deram uma clara demonstração da hipocrisia de Clultoch, que parecia ser o único a acreditar no que dizia. E para seu espanto ouviu que “tal consequência já era previsível, devido aos métodos escusos utilizados pela outra facção, que ainda insistia de chamar de Ordem. Por isso sempre se preocupara em mantê-los longe daquelas insidiosas influências”.
- - - - -Desta maneira, o Viajante se deu conta de que as distorções do seu anfitrião, já não mais o convenciam. Além disso, e pela primeira vez, percebeu que Clultoch, apesar do comportamento aparentemente afável, dava mostras de possuir uma mente perturbada que acreditava somente naquilo que lhe convinha.
- - - - -Mas não demorou muito e, como não poderia deixar de ser, a razão da máquina ficar escondida dos dois humanos foi “esclarecida”. Segundo sua versão, a raça humana havia perdido uma grande chance de ser “salva”, quando aquele protótipo foi destruído. Apesar de existir uma segunda, “falsa”, os testes eram feitos por intermédio de uma terceira definitiva, não só por questões de segurança como também, o que se tornava difícil de acreditar, como um tipo de reserva, caso a segunda, utilizada como chamariz, fosse danificada. E o motivo por não tê-la mostrado antes, se devia ao fato de que “imbuído das melhores intenções”, resolvera deixá-la em segredo, justamente para evitar o que tinha acontecido. Mas do mesmo modo que se antecipara, construindo o seu refugio, Clulvanam, só vira aquilo que ele queria que visse. Aquele era apenas um engenho sacrificável e servira a seus propósitos.
- - - - -Quando Clultoch deixou bem claro que existia uma terceira máquina, refletiu que aquele indivíduo, apesar de seus defeitos de caráter, demonstrava possuir uma perspicácia fora do comum, ou uma obsessão incontrolável. Não era à toa que dominava a Ordem e se tornara o líder daquela cidade. Perguntou-se como o viam? Como um gênio ou como um louco, que cautelosamente deviam obedecer?
- - - - -Mas estava atônito com esta nova informação. Desagradava-lhe totalmente a ideia de que participara de uma ação planejada previamente por Clultoch, cuja principal objetivo fora de enganar não só a outra facção como aos dois.
- - - - -Continuando a sua arenga, disse ao Viajante que a única coisa não prevista no plano todo, fora ação de seu filho, que de certa forma, o ajudara nesta farsa involuntariamente. A arma humana, segundo suas palavras tornara mais “convincente a exibição”. Mas alterara seu plano original e a partir daquele instante só poderia contar com a máquina que restara. Mesmo com todo este disfarce não tinha certeza se conseguira seu intento. O fato de terem conseguido infiltrar um agente era um claro sinal de que queriam saber quais os progressos que atingira. Restava-lhe então ser mais rápido do que seus adversários, pois tinha certeza de que seus inimigos logo colocariam o engenho deles em funcionamento, com propósitos menos benevolentes. A ajuda do Viajante tornara-se imprescindível para poderem superá-los.
- - - - -Era evidente que a estória contada por Clultoch, não explicava alguns detalhes, e tornava-se difícil discernir onde começava a verdade e terminava a mentira. Enquanto não pudesse contar com a ajuda do seu filho, ele teria que continuar fingindo que acreditava no que estava sendo contado e que prestaria ajuda, até que pudesse por um fim àquela farsa. Esperava ser convincente o suficiente, até que surgisse uma maneira de sair da cidade subterrânea, algo em que provavelmente seu filho estaria pensando naquele momento.
- - - - -Muitas outras coisas foram faladas naquela sala, entre elas na confecção de um novo tradutor que pudesse ser carregado, facilitando assim, seu novo trabalho, que agora seria feito às claras. Isto confirmava em parte suas suspeitas, de que realmente o cefalópode não contara com aquela visita. Fora previdente em construir três, para desgraça da humanidade. Mas também, ao solicitar seu auxilio ficava evidente que felizmente ainda não dominava totalmente a teoria e a prática da locomoção temporal.
- - - - -Era evidente, que Clultoch, ou pensara continuar mantendo sua confiança, ou fora mais sutil, demonstrando que também fingia crer em sua sinceridade. De qualquer forma, sentiu-se a partir daquele momento, claramente mais como um prisioneiro do que como um convidado.
- - - - -Assim que as coisas ficaram esclarecidas, cada uma a seu modo, o Viajante foi levado de elevador a uma nova parte da cidade subterrânea. O percurso demorou pouco tempo e logo se viram, numa ampla sala. Se houvesse um modo de interpretar as feições daquelas criaturas, coisa impossível de se fazer, ele diria que era quase como se Clultoch, se sentisse satisfeito em lhe mostrar a máquina verdadeira em que trabalhara todos aqueles anos anteriores à sua chegada forçada. Era imensa e apesar de estar rodeada de várias plataformas e de uma quantidade grande de criaturas empregadas na sua elaboração, parecia estar quase pronta.
- - - - -Para sua surpresa, ao lado daquela enorme construção, viu posicionada outra réplica quase integral da Máquina do Tempo. Rodeada também por inúmeros cefalópodes, estava sendo meticulosamente examinada. Como era intenção de Clultoch entender seu funcionamento total e aplicar o que descobrisse na maior, um frio percorreu sua espinha. Inteligentes como eram, acabariam percebendo que estava incompleta e seria mera questão de tempo que chegassem à conclusão de que necessitava de uma chave para colocá-la em funcionamento. E isto mudaria a importância do papel protagonizado por seu filho. Se descobrissem a forma como chegara àquela época, com toda certeza Clultoch faria de tudo, para se apossar da barra que estava com seu filho, tirando-lhes qualquer chance de fuga.
- - - - -Pela primeira vez, sentiu a necessidade de descobrir como operar aquele túnel transportador, algo em que nunca concentrara sua atenção. A ajuda do seu filho talvez demorasse mais do que imaginasse. Neste caso, pretendia evadir-se pelo próprio esforço, como fizera na Torre. Mas havia uma diferença. Não havia com quem pudesse contar desta vez. Mas o Viajante gostava de um bom desafio e não se renderia tão fácil às aparentes dificuldades.

Capítulo 17 – Um plano, uma esperança.

- - - - -Como relatado anteriormente, assim que Clitanar se retirou o filho do Viajante recebeu novamente a companhia de Clulvanam. Afastado da presença do outro líder, que provavelmente disporia de muitas informações que talvez elucidassem muitas das dúvidas que ainda o angustiavam, voltou sua atenção para o filho dele. Esperava estar ao lado de uma criatura de bom senso, que aparentemente não fora influenciado por convicções xenofóbicas. Por outro lado não podia saber até que ponto, a versão que ouvira de que Clultoch não desistiria de seus intentos, e construiria outro dispositivo, para substituir o que fora destruído possuía alguma base sólida. Não podia restringir seu juízo só em palavras. Necessitava ver por si mesmo, o que no momento era impraticável. Restava-lhe confiar em alguém, que pelo menos lhe desse algum grau de certeza de que esta possibilidade não passaria apenas de suposições. Além disso, precisava constatar se existia alguma verdade na existência de outra máquina, edificada por estes octopóides, tão propalada por Clultoch.
- - - - -Mas acima de tudo, sua prioridade maior era salvar seu pai, e não poderia fazer isso sozinho. É certo que se concentrasse nesta necessidade, não poderia esquecer o perigo sempre latente vindo da cidade subterrânea. Incomodava-o a ideia de que apesar de ter destruído o instrumento de acesso ao nosso mundo, nada impedia que fosse reconstruído. Desta forma, ele precisava saber se poderia contar com o auxílio daquelas criaturas, que se diziam simpáticas aos humanos, para afastar esse perigo definitivamente, bem como, auxiliar no resgatar do Viajante. Com estas premências fixas na cabeça, perguntou a Clulvanam, se a ação que presenciara, da destruição da máquina, poria um fim às ameaças do tio à sua espécie.
- - - - -Ele demorou um pouco para responder. Mas foi bastante enfático. O conhecia muito bem, para saber que a destruição, fora apenas um ligeiro contra-tempo para ele. Com os recursos que dispunha, nada o impediria de construir uma outra ou mais, se é, que já não estava fazendo isso. O fato de ter retido o Viajante na sua cidade, era um claro indício neste sentido. E que, de um jeito ou de outro, utilizaria seu pai para conseguir o que desejava.
- - - - -Tal resposta o deixou aflito, porque se sentiu impotente para poder reverter tal situação. Apesar da dificuldade da linguagem, conseguiu ser enfático num ponto. Se eram quem diziam ser, deveriam planejar algum tipo de ação conjunta para irem até a cidade subterrânea. Não só para resgatar seu pai, como para por um fim definitivo a ameaça que continuava pairando sobre a humanidade.
- - - - -Clulvanam o fez entender que uma ação assim não seria tão fácil, devido a um problema difícil de ser contornado. Depois de sua saída não havia mais ninguém dentro da cidade subterrânea que pudesse informá-los sobre a situação em seu interior. Muito menos ajudá-los na execução de qualquer plano. Não havia como saber se existia uma nova máquina sendo construída ou se já dispunham de uma outra, sobressalente. Muito menos como localizar o paradeiro do Viajante, naquele complexo de andares. Além disso, se existisse um local onde ela poderia estar, deveria estar fortemente vigiado e protegido contra novas violações através de seus túneis espaciais.
- - - - -Apesar de ter conseguido penetrar na cidade, as coordenadas que usara já estariam bloqueadas. Seriam necessário mais esforços para obter um novo agrupamento de pontos tridimensionais que permitisse ultrapassar a barreira que envolvia a construção subterrânea.
- - - - -Mas havia um outro impedimento que se somava a estas dificuldades. Esta espécie ainda não possuía o que poderia ser chamado de arsenal, como ficara evidente pela reação à sua arma. Não possuíam dispositivos explosivos, como granadas ou obus, a não ser um engenho para uso limitado em pequenas escavações, constituído de pequenos feixes de luz concentrada, que cortavam a rocha como uma faca.
- - - - -Era a primeira vez, como já foi ressaltado, que rompiam os laços entre si. Um sentimento tardio nesta espécie, mas que surgira bem cedo no homem. Mesmo assim se recusaram a elaborar dispositivos de efeito mortal, e como desconheciam a pólvora, não possuíam qualquer outro tipo de arma baseada em seu uso.
- - - - -Estratégias eram novidades para estas criaturas que praticamente desconheciam a guerra em larga escala, muito menos o conceito do que era um exército, apesar de pequenas escaramuças. Este desconhecimento de certa forma poderia se constituir numa vantagem para o filho do Viajante que apesar de ser um estudante de física, poderia por em prática algum plano. As façanhas do exército e da marinha britânicas eram parte do orgulho nacional. Estes embates, sempre relembrados em livros e jornais, poderia ajudá-lo a formular sua própria estratégia para executar um plano de resgate. Mas teria que contar somente com a memória, já que não havia qualquer um à sua disposição.
- - - - -Além do mais, uma coisa era planejar o salvamento de seu pai, e outra, pô-la em prática, devida a estas limitações. Não se sentira confiante o suficiente para convencer de imediato o líder daquela facção a ajudá-lo. Por isso procuraria, através do seu filho, contar com a ajuda de Clitanar, para que este não se mostrasse reticente a algum plano que desenvolvesse por desconhecer os métodos humanos.
- - - - -Durante este intervalo de tempo que permaneceu na companhia de Clulvanam, esforçou-se não só para tentar conseguir o tipo de auxílio que pretendia, como também, esclarecer de uma vez por todas se a alegada máquina construída por esta facção, existia de fato ou era uma mera figura idealizada pelo delírio de Clultoch para cooptar seu pai. Se permitissem sua liberdade de movimentos seria uma excelente demonstração de boa vontade.
- - - - -Não havia como saber, é claro, se todas as dependências da enorme cidade poderiam ser visitadas ou se, mesmo após examiná-las uma por uma, algum nicho não lhe passaria despercebido, sem que se apercebesse, devido não só ao seu gigantismo, bem como à escassa disponibilidade de tempo que se apresentava. Mesmo assim a tentativa valeria a pena. Se uma máquina já era suficiente para extinguir a raça humana, o que não dizer de duas que competiam por esta primazia?
- - - - -Clulvanam sabendo até onde ia seus limites, concordou com o seu pedido. Carregando o tradutor, deslocaram-se, aleatoriamente, pelos mais diverso níveis da cidade, provocando novamente o estupor de seus habitantes por onde passavam.
- - - - -Nesta andança, de oportunidade única, constatou que a comunidade destes cefalópodes era muito organizada, pouco se assemelhando à nossa. Nem poderia ser diferente. Não havia hotéis, bares ou restaurantes, mas apenas uma incipiente forma de comércio, relacionado às suas necessidades, de manutenção do vestuário aqüífero e alimentação. Como qualquer individuo inteligente, prezavam a privacidade e igual à cidade subterrânea, tinham quase que uma veneração pela água. Fonte de vida, em todos os sentidos para eles. Inúmeras fontes e canais se entrecruzavam por seu interior, tendo cada domicilio, à sua disposição enormes tanques de água, repletos de peixes, que consumiam crus.
- - - - -Após vagar por aqueles espaços internos sem-fim, sem encontrar quaisquer indícios da máquina citada por Clultoch, pararam junto a um enorme terraço, do qual se podia descortinar o vastíssimo horizonte do nosso futuro mundo. Depois de conversarem por um bom tempo, ele tentou ao menos conseguir de Clulvanam uma espécie de confissão de que nunca existira tal projeto de máquina, idealizada para destruir a raça humana.
- - - - -Na verdade tal conceito lhe era evidentemente estranho. Permitia apenas uma forma de entendimento onde as informações repassadas pendiam neste sentido. Não pode conseguir nada mais que isso. Não havia como saber se em alguma outra localidade, longe de suas vistas, dormitaria o engenho que tanto temia.
- - - - -Foi nesta ocasião, que suas esperanças se renovaram. A razão de tal sentimento deu-se quando seu acompanhante lhe revelou que o seu pai hesitava, desde a fuga de Clultoch, em encetar uma ação para capturá-lo. O primeiro obstáculo era o grande tamanho da cidade onde se refugiara. Mesmo que conseguissem encontrar uma brecha e penetrar em seu interior, a demora em encontrá-lo poderia dar aos seguidores tempo suficiente para que escapasse outra vez, além de provocar um confronto que deseja evitar. Desconheciam um meio para localizá-lo, permitindo assim sua rápida captura sem que seus acólitos tivessem tempo para agir. Talvez seu pai, dispondo de um instrumento que permitisse essa sondagem, ajudaria quem estivesse disposto a assumir os riscos.
- - - - -O filho do Viajante pô-se a refletir sobre a solução deste problema. Se conseguisse entender melhor a estrutura das fendas espaciais e a natureza da malha que agia como um escudo, poderia lhe dar o engenho que poria um fim àquela situação. Satisfaria Clitanar e ao mesmo tempo, sem uma liderança, o perigo da máquina seria afastado da humanidade. Talvez fosse esse o caminho que permitiria ir até seu pai. E dispondo de um dispositivo transportador, como fizera Clulvanam, se deslocariam depois até à Máquina do Tempo, possibilitando o retorno de ambos, como testemunhara na oficina.
- - - - -Então o filho do Viajante percebeu que a solução residia no dispositivo tradutor de seu pai. Tais criaturas desconheciam o rádio. Se pudesse construir um aparelho que emitisse um forte sinal, teoricamente poderia cruzar a barreira e chegar a um receptor instalado do outro lado. Sincronizando a onde de rádio com os vetores espaciais, as máquinas poderiam encontrá-lo dentro da cidade permitindo não só o seu resgate como o do Viajante e também aprisionar Clultoch. Mas antes precisariam encontrar uma brecha na malha para transportar um grupo do qual faria parte. Teriam que mantê-lo aberto o tempo suficiente para serem detectados. Assim que fossem localizados, todos retornariam pelo mesmo túnel, deixando-o para trás, de forma a ser capturado. Com toda certeza seria levado à presença de Clultoch.
- - - - -Não havia como saber o que aconteceria em seguida. Poderia ser levá-lo até seu pai e talvez até ao local da nova máquina. De qualquer forma, só agiriam assim que recebessem seu sinal de rádio. Precisaria da ajuda de Clulvanam para construir um pequeno dispositivo que emitisse o sinal, de forma que pudesse carregá-lo consigo sem chamar a atenção. E teriam que conceber um receptor que acoplado às suas máquinas de detecção de coordenadas, que identificaria a sua localização dentro da cidade, permitindo a retirada. Apesar desta cultura não possuir qualquer sistema de horas ou coordenadas geográficas, para que pudesse planejar com detalhes o ponto exato de captura, disponham de outros métodos engenhosos de mensuração que substituíram com perfeição as horas e as coordenadas necessárias ao funcionamento da ação arquitetada.
- - - - -Com relação às horas com as quais dividimos nossos dias, um fato curioso chamou sua atenção. Nos períodos em que ficou a céu aberto, notou uma certa discrepância entre a rotação da Terra e o movimento dos ponteiros do seu relógio de pulso, que ultrapassavam as vinte e quatro horas habituais. Alguns colegas de Cambridge já conheciam os efeitos das marés e do movimento da Lua, no retardo do giro da Terra, efeito este de difícil mensuração, devido ao longo intervalo de tempo necessário para mensurá-lo. O deslocamento que fizera no tempo tornara evidente o alongamento do dia. Infelizmente não trouxera consigo instrumentos que poderiam ter medido com bastante precisão em quanto tempo o planeta desacelerara sua rotação nestes sete milhões de anos. Apesar de que não poderia citar a fonte dos dados por motivos óbvios, relacionados ao forçoso ocultamento da Máquina do Tempo, seria uma excelente coleta de dados para ser entregue ao Departamento de Astronomia da Universidade.
- - - - -Mas deixando a sua curiosidade cientifica de lado, o filho do Viajante retornou ao relato que discorria sobre a nova chance que se abrira. Além do localizador, fora seu propósito construir também um artefato que bloqueasse a captura das partículas cronotrõnicas, de modo que pudesse travar o engenho da cidade subterrânea indefinidamente, caso algum seguidor de Clultoch se dispusesse a continuar sua empreitada de destruir a raça humana. Antes de partir, intenção que receava antecipar, por não saber em primeiro lugar a reação dos seus novos anfitriões, e em segundo por não querer revelar o paradeiro da Máquina, entregaria o artefato a Clitanar para que fizesse bom uso de suas propriedades. Esperava que quando isso acontecesse, o seu irmão já estivesse preso e julgado conforme seus costumes, afastando a ameaça que pairava sobre a humanidade. Infelizmente, devido à urgência dos acontecimentos, não lhe foi possível elaborar tal dispositivo imaginado por seu pai. Mas premido pela urgência em obstar o engenho dos cefalópodes ocorreu-lhe uma ideia ímpar. Se conseguisse construí-lo e pô-lo em funcionamento, apesar da severa vigilância que sofria, afastaria para sempre qualquer perigo proveniente do futuro.
- - - - -Clulvanam após ouvir suas ideias, mas sem qualquer menção ao aparelho que idealizara, pediu-lhe que aguardasse, para que seu plano fosse exposto a seu pai e aos demais que administravam a população daquela enorme cidade. Antes de se afastarem para que suas propostas fossem levadas até ele, o conduziu para um dos aposentos próximos ao seu. Ali, dentro do possível, procurou instalá-lo num dos mais confortáveis aposentos que evidentemente estava longe de se comparar aos nossos, devido não só ao conceito que disso faziam, como também pelas óbvias diferenças morfológicas ao qual estava adaptado. E assim quase que num isolamento forçado transcorreram dois angustiantes dias, antes que voltasse à presença do líder.

Capítulo 18 – O plano se concretiza.

- - - - -Clitanar ouviu atentamente, de seu filho, as linhas gerais do plano do jovem Viajante, parado à sua frente. Na troca da característica pulsação colorida, com o tradutor desativado, só lhe restara acompanhar o processo, com uma progressiva ansiedade, sem poder se inteirar do real conteúdo do que era ali discutido. Depois, seu filho, utilizando o tradutor, o pôs a par do parecer daquele grupo às sua ideias. Desta forma, o que ouviu não diferia muito do que já sabia daqueles seres e que o fizera refletir nos dois dias anteriores, em que ficara isolado. Guiado por uma filosofia diferente dos nossos padrões, e mesmo se certificando de que a linha proposta de ação não acarretaria mortes e prováveis destruições entre os seus, Clitanar via-se frente a um dilema. Se por um lado, tinha seus próprios planos em relação ao que fazer com seu irmão, por outro os bípedes recém chegados, com certeza haviam adicionado mais problemas a uma situação já complicada. Hesitava em aprovar o plano que lhe fora apresentado, pois acima de tudo seu interesse estava voltado para o próprio beneficio e da sua facção. Por outro, agradava-lhe a ideia de que ele fosse realizado às custas do jovem, sem perdas para o seu lado. Mas acima de tudo, prezava a coerência pela qual seu povo sempre se guiara. E não poderia ser diferente, já que ao longo de sua história, apesar de não lhe conhecer os detalhes, o filho do Viajante já estava informado de que jamais haviam se engalfinhado em guerras. Dever, heroísmo, sacrifício, eram comportamentos tipicamente humanos e não se podia esperar tais atos, de uma espécie que os desconhecia. Talvez, no alvor de sua ascensão a este mundo, agissem de forma egoística, submetendo-se às leis da sobrevivência do mais apto, mas a vida em grupo, enfraquecera tais traços, valorizando o convívio social.
- - - - -Em consequência desta postura, somada à natural dificuldade de tradução, provocada por conceitos diferentes, o filho do Viajante não obteve a ajuda desejada conforme lhe informou um apático Clulvanam. Apesar de seu pai quase concordar, o conselho que presidia, levantara uma série de obstáculos. Para seu desalento foi necessário um segundo encontro para que conseguisse sua anuência ainda carente de solidez.
- - - - -Neste, perfilou uma série de argumentos para conseguir apoio. Entre eles, a de que, acontecesse o que acontecesse, seria respeitada a integridade física de Clultoch, para que fosse trazido como prisioneiro. Assim seria concretizado seu desejo de que fosse deixado à mercê de seus costumes. Mas era imperativo que algo fosse feito para evitar a destruição de todo um mundo. Se isto não ocorresse, pesaria em sua consciência, a vida de bilhões, fato que não poderiam simplesmente ignorar.
- - - - -Procurou, no entanto, guardar para si que assim que obtivessem êxito nesta empreitada, pensaria, junto com seu pai, num modo de evitar todos os acontecimentos originados pela descoberta dos restos da Máquina do Tempo. Imaginava com este gesto poder evitar tudo que acontecera, principalmente afastar definitivamente a ameaça à humanidade. Mas enquanto isso não ocorresse, aquela linha do tempo prosseguiria seu caminho e precisaria de toda ajuda para retornar e mudar o seu percurso.
- - - - -Clitanar e os demais, até então impassíveis, demonstraram uma reação inusitada, às pulsações de Clulvanam, que intermediara o pedido de auxílio. Não havia como saber, a razão porque mudaram de opinião. Mas talvez, de alguma forma, a ideia de serem os responsáveis pela morte de milhões, mexera com seus espíritos. Ou talvez, nem fosse isso e sim a oportunidade de pela primeira vez, conseguirem trazer Clultoch à superfície, sem que nenhum dos seus corresse perigo. Ou o que era pior. Talvez tivessem visto uma oportunidade que lhes interessava mais proximamente sem lhe revelar o conteúdo.
- - - - -Apesar da hesitação inicial, por fim Clitanar e os demais aquiesceram. Mas é claro que não poderia fazer o que pretendia sem explicar detalhadamente seu plano e se preciso for, ouvir os seus “aliados”, quando se fizesse necessário. Por isso expôs da melhor maneira possível, o que pretendia ressaltando todos os aspectos técnicos.
- - - - -Pelo menos era essa a sua intenção. Mas como sempre, era apenas um plano, com bastante variáveis. Poderia correr conforme o idealizado ou, como é comum, serem surpreendidos por algum imprevisto. Por isso seu espírito oscilava entre a esperança e a incerteza, devido a aparente posição dúbia de Clitanar.
- - - - -Mesmo assim, sem outra opção pôs-se à ação. Apesar das dificuldades de comunicação e da escassez dos materiais necessários, conseguiu com a ajuda de Clulvanam, que tudo supervisionava, construir um aparelho que emitia sinais de rádio, do tamanho certo para a missão planejada. Demonstrando bastante engenhosidade, os cefalópodes que se equiparavam em inteligência aos nossos melhores engenheiros, por meio de alguns testes, calibraram as máquinas de detecção para localizar o sinal, assim que fosse enviado do interior da cidade. E como já se podia esperar, Clulvanam foi colocado à frente de um outro grupo que se encarregariam de levá-lo até o interior da construção subterrânea de Clultoch e posteriormente, ao sinal combinado, trazê-los de volta.
- - - - -Apesar da pouca semelhança com nossos militares, espantou-se com a rapidez com que aprenderam os movimentos que deveriam executar para que o plano desse certo. Eram mais jovens e isto os tornava mais receptivos a estas novidades. Mesmo assim era difícil imaginar o que se passava pela mente daqueles escolhidos, que apesar de estarem imbuídos de bastante entusiasmo, possuíam conceitos totalmente diferentes dos nossos com relação a ideia de um exército. Esperava que pelos menos cumprissem o papel que lhes era reservado para que plano surtisse efeito.
- - - - -Mas é bom que se diga que tais referências são mais subjetivas do que reais, se comparadas às imagens que fazemos de nossos exércitos, com seus respectivos uniformes e variedade de armamentos. Com exceção da estranha vestimenta que utilizavam para manter-se num ambiente aquoso, nada lembrava um agrupamento armado, cuja semelhança se restringia ao hábito de manterem-se em fileira. Com muita insistência conseguiu acrescentar, e que de certa forma foi acolhida de bom grado, uma proteção colocada por cima de suas indumentárias que lhes permitiria uma precária proteção contra quaisquer objetos arremessados.
- - - - -Mas havia um detalhe que o filho do Viajante não revelara. Por mais que se mostrassem “amigos”, ele tinha seus próprios planos em relação à máquina de Clultoch. Poderia não feri-lo, mas teria que fazer alguma coisa em relação a ela. Seu pai com certeza faria o mesmo no seu lugar. Prometera deixar a decisão a Clitanar, mas nada garantia que os laços de sangue não acabassem tomando outros rumos. Era um risco que não poderia correr, levando-se em conta a existência de milhões de seres humanos. E com base nas ideias que lhe ocorrera, durante a construção do rádio aproveitou a oportunidade em que podia mexer livremente com materiais para finalizar o seu próprio dispositivo que poria um fim a qualquer máquina que encontrasse pela frente, algo que não prometera a Clitanar.
- - - - -Mesmo que cada lado estivesse trabalhando na defesa de seus interesses, sem revelar tais intenções, este relativo momento, em que duas espécies cooperaram com um objetivo comum, me forçou a uma reflexão sobre esta estranha combinação. Como seria o contato com formas de vidas fora do nosso mundo? Que aspectos teriam? Como se comunicariam entre si e como o homem poderia dialogar com tais inteligências? Respirariam oxigênio ou este seria um gás venenoso para tal vida? Enxergariam como nós, no caso de possuírem um órgão semelhante a que poderíamos chamar de olhos, ou seriam sensíveis às outras ondas do espectro eletro-magnético, para os quais a evolução nos deixara cegos?
- - - - -Não são questões assim tão desprovidas de praticidade, se levarmos em conta que o filho do Viajante, fora parar num mundo, habitado por inteligências diferentes da nossa. Quem poderia imaginar um meio de entendimento, baseado não em sons e sim num variado espectro de cores? Como fazer para compreenderem nossos conceitos numéricos como uma raiz quadrada ou frações? Tais regularidades estariam contidas na própria natureza, independentemente do mundo em que fossem descobertas?
- - - - -Pelo que viu, em alguns casos as ideias expressas em sinais ou sons, coincidiam com as cores. Mas na maioria das vezes não. Tal complexidade nos dá uma pálida imagem do quanto foi difícil chegarem a um consenso para construírem o artefato de emissão de ondas de rádio.

Capítulo 19 – Verdade.

- - - - -Após os preparativos necessários, cuja descrição omitirei por nos desviar da corrente principal dos acontecimentos, citarei apenas o trabalho realizado por um dispositivo especial, que permitira uma vez a projeção de Clulvanam para dentro da cidade subterrânea. Sob os cuidados de vários especialistas, ao ser utilizada uma vez mais, conseguiu encontrar outra brecha naquele emaranhado energético que a recobria. Assim que tal entrada foi obtida sem demoras foi encetado o plano elaborado. Como descrito anteriormente, consistia numa “fracassada” tentativa de penetrarem na cidade, deixando o filho do Viajante para trás, de modo que ele pusesse dar prosseguimento a segunda e mais importante parte do plano que previa o resgate de seu pai e a captura de Clultoch.
- - - - -Como é habitual nestas ocasiões, o receio de que no último instante Clitanar decidisse interromper as ações ou se já dentro da cidade subterrânea os octopóides não conseguissem se adaptar a algum imprevisto, impossibilitando a única chance de que dispunha para trazer seu pai de volta, deixou-o bastante ansioso.
- - - - -O grupo se reuniu em frente à passagem ativada bastante exígua, que permitia apenas o trânsito de um individuo de cada vez. Clulvanam com o seu dispositivo acoplado à vestimenta que estabilizava o longo túnel caminhou por ele para o interior da cidade. Numa sucessão organizada, cada um daqueles seres, o seguiu.
- - - - -O jovem viajante esperava impacientemente a sua vez e assim que ela chegou, aprumou-se, carregando consigo o sinalizador. Se os seus atuais aliados não cumprissem a sua parte no trato, não lhe restaria outra saída a não ser se adaptar às circunstâncias e ao menos tentar chegar a seu pai e fugirem dali por seus próprios esforços. O fato de lhe terem dado um dos engenhos que permitia a estabilização e locomoção pelos túneis, era uma oportunidade única e boa demais para ser desperdiçada. Absorvera o suficiente do seu manuseio, para permitir-se transportar com seu pai para fora da cidade.
- - - - -Se tivesse que abrir o caminho à bala, por demais que lamentasse tal atitude, o que estava em jogo era muito mais do que a vida dos dois. Assim que conseguissem atingir a superfície, procurariam alcançar a Máquina do Tempo e mais tarde, pensariam numa forma de evitar a ameaça que os cefalópodes representavam.
- - - - -Sempre carregando a sua mochila, por segundos, viu um cenário de cada lado do túnel e rumou resolutamente para a construção subterrânea. Naquele breve hiato, onde seu corpo transitava por dois espaços, ele refletiu se o que estava fazendo era o único jeito de atingir seu objetivo. Se não haveria outra forma menos arriscada. E tantos “ses” começaram a percorrer a sua mente, que resolveu escamoteá-los para bem longe do espírito para melhor se concentrar no que viera fazer.
- - - - -No exato momento em que cada participante foi se transportando, de acordo com o que havia sido planejado, o filho do Viajante, sentiu algo que não conseguiu descrever em palavras. Poderia ser a tensão do momento, mesclada com a extrema esperança de um resgate bem sucedido ou o desastre total. Talvez fosse o resultado de algum efeito refletindo-se em sua mente, provocado pela fenda espacial; mais estranho ainda do que a viagem no tempo permitira experimentar. Ele não se lembrava de ter se sentido assim quando se transportara com Clolponar e com Clulvanam. Uma sensação de atravessar uma diáfana cortina, que turvara momentaneamente a visão. Seria algo que só assolava o cérebro humano, sem atingir os cefalópodes? Procurou racionalizá-la e por tudo que já passara, comparou-a àquela sensação de déjà vu, que às vezes invade a alma humana. Mas assim que o efeito se desfez continuou em frente.
- - - - -Ele foi o último a penetrar na cidade. Graças aos rápidos cálculos matemáticos das máquinas, viram-se próximos do beiral de uma plataforma que apontava na direção daquela enorme construção semelhante a uma válvula que repousava na parede oposta. Mal começaram a caminhar e dezenas de cefalópodes, seguidores de Clultoch, surgiram de todos os lados, rumando na direção do pequeno grupo. Até aquele instante, o plano correra como previra. As vestimentas dos dois grupos eram idênticas e a única coisa que distinguia os invasores eram os trajes de proteção. Logo que se viram rodeados pelos moradores da cidade, Clulvanam, executando a ação combinada, transportou-se com os seus de volta, deixando-o sozinho.
- - - - -Por instantes receou ser esmagado por aquela leva de octopóides, que, como aguardando uma ordem, se imobilizaram, evitando qualquer tipo de agressão. Não agiam assim por qualquer deferência à sua espécie. Estava certo quanto ao que conjeturara. Era importante demais para ser hostilizado e assim nada fizeram, apenas rodeando-o para impedir que fugisse. Por sua vez ele nada fez. Apenas imobilizou-se observando aqueles enormes olhos insondáveis que o fitavam. Ele deduziu que assim agiam pela falta de instruções quanto ao que fazer com a sua brusca reaparição. Quando as ordens chegaram não se deram ao trabalho de escoltá-lo através daquele labirinto de andares e elevadores, pois pareciam ser urgentes. Ali mesmo, abriram outra fenda, para que fosse transportado para outro ponto daquele enorme complexo. A partir daquele momento, estaria por conta própria à espera do momento certo para ativar o rádio que denunciaria sua posição. Em sua mente tudo estava ocorrendo tão de acordo com o planejado que logo sairiam dali e em pouco tempo estariam de volta ao nosso século.
- - - - -Conteve a ansiedade, à medida que se deslocava, para que nenhuma ação precipitada de sua parte prejudicasse o desenrolar dos acontecimentos. Para sua surpresa, o ambiente para o qual foi levado, de imediato chamou sua atenção, pois a iluminação diferia do ambiente subterrâneo do qual se lembrava. Esperara ser levado para algum lugar profundo ainda desconhecido das centenas de divisões que deveriam existir naquela vasta construção. Assim que sua visão se adaptou à luz, viu-se, não na caverna, mas ao ar livre próximo a uma enorme rocha que apontava para o céu como um enorme dedo. À volta, estendiam-se profundos penhascos difíceis de serem escalados. Pela configuração do terreno só poderia estar no interior de alguma cratera extinta.
- - - - -Foi-lhe impossível definir qual era a altura. Apenas podia sentir uma brisa fresca típica de lugares altos. Seus pulmões arcaram de satisfação ao inspirarem aquele ar das montanhas. Mas esta aparente tranqüilidade, nada mais era do que uma breve pausa diante da tarefa que tinha pela frente.
- - - - -Olhou o céu, que servia como teto àquele cenário, nada diferente do nosso tempo, com o seu característico tom azul, manchado aqui e ali por algumas nuvens. E a posição do local permitiu-lhe observar um detalhe que lhe escapara até então, desde que chegara. A Lua, agora na fase cheia, apresentava-se com uma circunferência bem menor do que estamos acostumados a vê-la. Ele se perguntou se não seria por causa de algum efeito atmosférico. Mas depois, lembrou-se do que já constatara pelo seu relógio de pulso. Seu tamanho reduzido era uma forte evidência de que nestes sete milhões de anos, se afastara ainda mais da Terra, travando lentamente a rotação do nosso planeta. Se pudesse dispor de mais tempo, naquele ambiente livre de poluição, poderia observar também o quanto as constelações de nosso tempo, haviam mudado de configuração. Provavelmente aquelas figuras traçadas pelo homem, conhecidas desde o inicio da história, deveriam ter mudado de tal forma nestes milhões de anos, que seriam irreconhecíveis pelos nossos astrônomos. Mas não dispunha de tempo e nem dominava esta área da ciência.
- - - - -Foi então que deixou o espírito de cientista de lado, dando-se conta de que não estava ali para fazer observações e sim, salvar seu pai e a raça humana. Perto daquela agulha rochosa, um outro grupo de cefalópodes o recebeu, dialogando entre si, na habitual troca de sinais coloridos, que seus trajes translúcidos permitiam observar.
- - - - -Não ficou parado ali por muito tempo, pois começaram a fazer sinais com seus tentáculos para que seguisse em frente. Ele estranhou tal ordem, já que não havia para onde ir, a menos que se espremesse contra aquela enorme rocha. Ou realmente desejavam isto ou havia alguma coisa mais, que não estava entendendo. Assim que começou a ser empurrado contra ela, levantou os braços em sinal de defesa, gesto que foi completamente ignorado. Pensou mais uma vez em sacar a arma e usá-la, já que continuavam lenta, mas inexoravelmente, tocando-o na direção da parede. No momento em que percebeu que já não havia mais espaço, decidiu se fazer entender mais enfaticamente, puxando a arma. Sua ideia era se apoiar naquela coluna natural e disparar se fosse o caso. Mas quando tentou fazer isso no que achava ser um anteparo sólido, atravessou-o, perdendo o equilíbrio. A imagem rochosa tremeluziu à sua frente, fechando-se como se fosse apenas uma fina cortina de seda, e se viu em um outro ambiente, radicalmente diferente de onde estivera há alguns segundos atrás.
- - - - -Então o espigão não existia. Tudo o que vira até agora não passara de uma sofisticada imagem que imitava com bastante precisão a realidade. Atravessara uma mera cortina de energia que separava a imagem irreal da real. Mas qual era a razão deste dispositivo de camuflagem?
- - - - -Provavelmente mais um dos recursos de Clultoch, para confundir seus adversários. Assim dentro de seu interior sentiu uma textura artificial sob seus pés, diferente do chão bruto em que pisara até àquele instante. Mas tal cortina não deveria se prolongar mais acima do local onde estavam, pois ainda podia ver a lua prateada daquele céu diurno.
- - - - -Era um local vastíssimo e bem no seu centro, conectado a uma série de tubos e artefatos, envolta por dezenas de plataformas, postava-se um outro engenho como Clulvanam suspeitara. Provavelmente deveria ser mais uma Máquina do Tempo, já que poucos dias tinham transcorrido desde que destruíra a outra. Seu sobrinho opinara corretamente quando dissera que o conhecia bem e que dispunha de meios ilimitados para construir quantos aparelhos quisesse. Isto significava que deveria remover Clultoch daquela cidade de qualquer jeito. Mesmo que precisasse matá-lo.
- - - - -Com esta ideia em mente, observou atentamente o engenho a sua frente, procurando um ponto fraco de modo a poder destruí-lo também. Tratava-se de um artefato imenso, e centenas de octópodes, rodeavam-na, por intermédio de várias plataformas, num vai-e-vem incessante, como formigas em torno da rainha. A tarefa desta vez, não seria fácil.
- - - - -Debaixo daquele campo que obstruía a visão externa, ele pode avaliar num relance, de que dispunham de técnicas mais avançadas do que a nossa em alguns campos, em vista da enorme quantidade de máquinas auxiliares desconhecidas que ali se perfilavam. A camuflagem que ocultava tais dispositivos era alimentada por um feixe de energia, que zunia em breves pulsações. Via-se nitidamente o caminho que percorria por uma série de conexões que se ramificavam para toda aquela aparelhagem espalhada. Certamente muitas delas a acumulavam para permitir o funcionamento daquele gigante sedento de energia.
- - - - -Mas o mais importante em meio a toda agitação era localizar seu pai e Clultoch para que pudesse emitir os sinais de rádio. Assim que o fizesse, esperava que Clulvanam e seu grupo se transportassem, levando-os a todos dali. A camuflagem permitiria que o sinal fosse enviado?
- - - - -Angustiado, por ver que seu plano começava a demorar mais do que gostaria, relutantemente seguiu em frente, subindo por uma plataforma que se estendia acima da grande máquina. Daquele ponto de vista privilegiado, passou por cima do enorme prato cronotrônico, que se destacava dos demais componentes. Ele girava lentamente, indicando que estavam captando partículas temporais. O fato de a máquina estar ligada o ajudaria na parte não revelada de seu plano.
- - - - -Assim que a deixou para trás, viu afinal o que almejava ansiosamente, sob uma das plataformas que até então estivera longe do seu campo de visão: Clultoch. Pelo tamanho só poderia ser ele e agradecendo a sorte, ao lado, estava seu pai, comunicando-se através do tradutor.
- - - - -Se corresse na direção deles, ativaria o sinal e enquanto se instalasse a confusão, colocaria sob o prato o dispositivo que construíra, ativando-o também. Ele se encarregaria de por um fim àquela máquina, enquanto se esgueiravam pelos túneis abertos.
- - - - -Estava a ponto de fazer isso quando a um sinal de Clultoch ele foi bruscamente agarrado por dois cefalópodes e levado para longe da sua presença. O que dera errado? Por que Clultoch o evitara? Ele poderia ainda tentar ativar o sinal, mas não estava perto o suficiente dos dois. Isto poderia atrapalhar a entrada de Clulvanam e ele decidiu aguardar mais um pouco. Assim que o trouxessem de volta, não hesitaria.
- - - - -Na sala, para a qual o levaram, colocaram-no entre as duas colunas de um aparelho, tendo antes o cuidado de retirar-lhe a mochila. Quando foi acionado, um leve campo azulado, o envolveu, e pelo que pode observar de seus pés e mãos, viu que exibia a estrutura interna de seu corpo. Parecia um potente emissor de raio-X, mas muito mais sofisticado. Em segundos descobriram os dois objetos que escondia por debaixo da roupa.
- - - - -Para seu desespero, os removeram imediatamente. Sem poder fazer nada, remexeram na sua mochila e cuidadosamente retiraram a arma e a preciosa barra de cristal. Até aquele momento, apesar do pequeno imprevisto, o plano parecera correr de acordo com que havia idealizado. Mas o sequestro da mochila e dos dois aparelhos ia além de qualquer adversidade que pudesse ter-se antecipado. Nem lutar poderia. Sem armas estava à mercê daqueles seres. Lamentou consigo mesmo por não ter ativado o rádio, mesmo que fosse prematuramente. Pelo menos teria tido uma chance de sucesso. Não podia acreditar que ainda não seria desta vez que ocorreria a fuga dos dois. Estava bem nítida em sua memória, a imagem que vira de si próprio e de seu pai, retornando à oficina. Tal imagem era a única certeza de que dispunha de que conseguiria resgatá-lo com êxito. Mas como isso poderia ocorrer, se seu plano fora frustrado? Uma circunstância futura, ainda desconhecida, permitiria a volta dos dois?
- - - - -Imaginou por instantes que talvez estivesse vivendo numa realidade paralela, e nesta, jamais se salvariam e muito menos a humanidade. Talvez o que testemunhara fosse um erro. Uma conexão caprichosa entre duas realidades distintas. Aquele outro jovem, bem como seu pai, talvez fossem desta outra linha temporal, onde tivesse obtido sucesso na fuga. Mas por que as duas linhas tinham se interpenetrado? Estariam condenados a ficar para sempre nesta e testemunhar a destruição da humanidade? Tantas perguntas e tão poucas respostas.
- - - - -Apático, foi conduzido para um outro espaço. Era bastante amplo, e parecia-se mais como um local destinado a reuniões ou qualquer coisa deste gênero. Mas isto não importava mais. Deu uma rápida olhada e observou que não havia muito mobiliário já que não era este o costume desta espécie, a não ser algumas máquinas dispostas aqui e ali. Uma pequena passarela alternava-se com vários degraus que terminavam numa porta fechada. Ele ficou ali parado com os dois octópodes esperando pelo que viria. Como poderia explicar a seu pai que falhara? Pelo menos sua mãe não notaria a diferença. A menos que existissem sutis diferenças entre as duas realidades e sua mãe acabaria por perceber. Esta possibilidade o deixava angustiado. E como Clultoch descobrira? Fora traído, como suspeitara?
- - - - -Enquanto a porta não se abria, ele deduziu que deveria estar em alguma montanha, acima da cidade subterrânea, razão pela qual usavam aquela camuflagem. Mas como todo jovem, não ia ceder sem luta. Estando na superfície poderia planejar algum tipo de fuga. Descobrir a via suspensa mais próxima e tentar chegar a Máquina do Tempo. Se conseguisse recuperar a arma, ainda teriam uma chance. Não confiaria em mais ninguém a não ser em seu pai. Talvez fosse desta maneira que retornariam à oficina.
- - - - -Ele estava pensando nisso, quando a porta abriu-se e as imensas figuras de Clultoch e Clitanar desceram pelos degraus, seguidos pelo que pareciam Clulvanam e Clolponar. Aquela imagem o congelou por completo. Fora mesmo enganado. A presença dos dois só podia significar uma coisa: traição. O plano não passara de um embuste para ganharem tempo e chegarem a um acordo. Mas porque haviam feito isso tão depressa? Talvez suas mentes funcionassem de outro modo, e não poderia esperar que se comportassem de outra maneira, como humanos. A única alternativa que lhe restava, apesar de não saber que consequências isto lhe traria, já que imaginava estar numa realidade alternativa do tempo, seria lutar com o que tivesse à mão e morrer tentando. Pelo menos não envergonharia seu pai. Como eram mais lentos havia uma chance de ultrapassá-los. Poderia correr e tentar chegar até à máquina. Isto é claro, se não se perdesse naquele labirinto de salas e corredores. Talvez conseguisse causar um dano tão grave que desta vez a explosão destruiria grande parte da cidade, levando Clultoch e os demais juntos. Sem líderes, restava-lhe a esperança de que abandonassem seus planos de destruir a humanidade.
- - - - -É claro que tal suposição era puramente hipotética. Ainda conhecia muito pouco desta espécie para esperar que se comportassem da mesma forma que os humanos. Em muitas ocasiões da nossa história, um império sucumbira apenas com a morte de seu realizador. Alexandre, O Grande, Átila, Gengis-Khan, são apenas alguns exemplos. Que rumos o mundo não teria tomado se suas vidas tivessem se prolongado um pouco mais? Por não haver outros homens que pudessem substituí-los, suas realizações, boas ou más, dependendo do juízo dos homens, tinham se desfeito como castelos de areias.
- - - - -Mas seria assim com os cefalópodes, se liquidasse seus líderes? Talvez, neste aspecto que desconhecia, agissem de forma diferente. Sucumbindo um líder, logo outro estaria pronto a substituí-lo dando continuidade à empreitada do antecessor. Se assim fosse, que destino aguardaria a humanidade? Mais uma vez, só poderia especular. Caso o plano original, de impedir a evolução do homem, não saísse de acordo com o planejado, provavelmente encetariam outro, tornando inevitável uma guerra direta entre as duas espécies, cujo fim seria difícil de imaginar. Mas com certeza, estaria recheada de horrores indescritíveis.
- - - - -Nossa própria espécie, num paradoxo incompreensível, sempre necessitara de outros membros para poder enfrentar as adversidades de nosso planeta, ao mesmo que se digladiavam entre si até a morte. Se era desta forma que se comportavam com os seus semelhantes, que ódios não percorreriam então a mente dos homens contra uma espécie invasora, que só se contentaria com o total extermínio da humanidade? E que crueldades ambos os lados não cometeriam na defesa de seus ideais?
- - - - -E se os invasores ganhassem a guerra? O mundo seria melhor sem os humanos? A eliminação de todas as nossas realizações, entre elas a filosofia, as religiões, as artes, a nossa ciência, enfim toda a nossa cultura, não empobreceria este pequeno recanto do universo? Talvez ele não sobrevivesse para saber a resposta. Quem poderia afirmar se o seu fracasso em destruir a Máquina de Clultoch, não fora a causa que eliminaria o homem da face da Terra, propiciando a ascensão dos cefalópodes? Um círculo que se fecharia a partir daquele momento, independente se o deixassem viver ou não.
- - - - - Ele deixou estes pensamentos de lado, preparando não só o espírito como o corpo para enfrentar o que viria. Não morreria pateticamente, pedindo misericórdia. Carregaria o orgulho de ser homem para o túmulo, se é que haveria um. Disposto a tudo, sondou o grupo, para avaliar se tinha alguma chance de executar o que estava arquitetando. Mas antes que pudesse dar o primeiro impulso, eles o rodearam por completo. Mas não o atacaram. Apenas se entregarem às suas inescrutáveis reflexões. À medida que assim procediam, luziam nas mais diversas cores. Amigos ou inimigos à parte, tal capacidade, única entre as formas de vida neste planeta, não deixava de o impressionar. Aquela sequência deslumbrante de cores chegava por vezes, a criar um efeito hipnótico, se não se desviasse o olhar.
- - - - -Depois que chegaram a uma forma de consenso, através do seu peculiar meio de comunicação, Clultoch foi o único a se manifestar. Pulsou seguidamente, ativando o aparelho tradutor e desligando-o em seguida, demonstrando que não desejavam conversar.
- - - - -- Uthar. Nós... Já aguardar sua chegada... Sverr...
- - - - -Esta afirmação o deixou confuso. Fazia parte de seu plano original encontrá-lo, mas a sós. Vê-los todos reunidos, fugindo ao que havia sido combinado, era mais uma confirmação da traição que sofrera.
- - - - -Quando um dos seus tentáculos o tocou, ele pensou no pior. Mas não sentiu aquilo como um gesto de menosprezo. Parecia-lhe mais como um toque de reconhecimento. Como se quisessem se certificar de que o que estava ali era real, o que o deixou perplexo. Os demais fizeram o mesmo, tateando o seu corpo, num misto de incredulidade e impotência. Pareciam dizer-lhe que não acreditavam que aquela criatura à sua frente, tão frágil, com tão poucos apêndices, pudesse representar tanto perigo. Se houvesse um jeito de examinar suas mentes, descobriria de que tinham chegado a um consenso. De que afinal, não estavam errados, quando haviam planejado eliminar a raça humana. As armas que os humanos carregavam já não eram uma forte evidência de que se matavam. Que constituíam um perigo potencial? O que não fariam então com outras espécies?
- - - - -Ele se perguntou o que viria em seguida e o que fariam com ele? Seria o primeiro humano a ser eliminado? Não sem luta.
- - - - -De repente os cefalópodes se afastaram, deixando-o perplexo com esta atitude. Teriam deixado o trabalho sujo para seus seguidores? Seu coração acelerou, aprontando-o para se defender caso tentassem alguma coisa. Mas no mesmo instante em que sentiu isso, uma emoção mais forte o invadiu. Era a imagem familiar de seu pai descendo as escadas na sua direção. Fora salvo por algum acordo feito por ele? Se fosse, não importava. Não morreria sozinho. E quem sabe os dois poderiam reverter a situação.
- - - - -Estendeu os braços para ele e não se conteve. - Pai! Pai! Como estou feliz em revê-lo! E aliviado por não estar machucado. Temi tanto por isso.
- - - - -O Viajante abraçou seu filho e também não conteve a emoção, dizendo-lhe algumas palavras de consolo. - Só estou machucado no meu orgulho, filho. Só no orgulho.
- - - - -Ele observou atentamente a face de seu pai e notou que apesar de ser um Viajante do Tempo, ele também não fora poupado das atribulações que afetam a todos aqueles que passam por situações de extrema tensão. Com o rosto marcado pela gravidade daquele momento, adornado por uma espessa pelagem esbranquiçada, mais se parecia a um maltrapilho do que a um altivo súdito de sua majestade. Aquela viagem forçada não lhe fizera bem.
- - - - -Assim que percebeu a perplexidade do filho, diante daqueles seres que os observavam sem interferir, procurou acalmá-lo. Explicou-lhe a razão de todos estarem ali, deixando-o estupefato. Como os dois já suspeitavam, tanto Clultoch como Clitanar, possuíam de fato uma antipatia por nossa espécie, não só motivada pelo tipo físico diferente, mas também pela maneira como nos viam do ponto de vista de sua sociedade, que não cultivava a violência. A arma que seu filho trouxera, e que dera provas da sua capacidade destrutiva, somada à nossa inteligência, enfatizara a ideia de constituíamos um perigo formidável.
- - - - -Apesar da retórica, de um e de outro, sobre uma pretensa defesa da raça humana, o objetivo principal dos dois, sempre fora de assumir a liderança do seu povo. Depois, quem vencesse este jogo, ficaria com a máquina e em vista do nosso comportamento belicoso a usaria do modo que bem entendesse. Enquanto esta disputa ocorria, ambos tinham sido manipulados para fornecerem o máximo de informações possíveis sobre o funcionamento da Máquina do Tempo. Fora o primeiro passo, para colocarem em prática, a eliminação, no seu entendimento, de criaturas tão perigosas.
- - - - -A reação do jovem foi imediata.
- - - - -- Ainda está sendo forçado por Clultoch a terminar a máquina que nos destruíra? Assumiram afinal o que pretendem? Por isso, decidiram nos juntar e acabar de uma vez com a farsa?
- - - - -- Não mais meu filho. Eu assim pensava quando foi levado e não pude acompanhá-lo. Pensei até em usar um dos seus túneis espaciais para fugir. Mas quando estava para concretizar isso e procurá-lo, aconteceu algo que nenhuma das duas facções esperava, inclusive eu.
- - - - -- E o que foi meu pai?
- - - - -- Olhe para trás?
- - - - -Ele se virou e viu um outro individuo, um humanóide, e a semelhança terminava por ali. Pairava sobre uma plataforma, que desafiava as leis da gravidade, observando a todos os presentes.
- - - - -- Quem é meu pai?
- - - - -- Eu o chamo de o Estranho.
- - - - -O jovem franziu o rosto, expressando a sua total incompreensão do o que estava acontecendo. Por um momento imaginou estar perto do fim. Em outro, a situação havia mudado completamente.
- - - - -- E o que aconteceu? O que ele faz aqui?
- - - - -- Calma. Sei que sua mente está fervilhando, mas uma resposta de cada vez.
- - - - -- Quando eu ainda estava na cidade subterrânea o Estranho apareceu pela primeira vez para Clultoch, exigindo a minha presença. Em seguida, utilizando seus recursos tecnológicos transportou Clitanar de sua cidade para este local, onde estamos todos reunidos. Depois, conseguiu se fazer entender, em ambas linguagens ao mesmo tempo, mediante a ativação de um artefato sofisticadíssimo, apresentando-se não como um viajante do tempo de nossa linha, mas de uma realidade paralela.
- - - - -- Sabe qual é a espécie desse... Estranho?
- - - - -- Não. Por isso o chamei deste jeito. Apesar de bípede, ele pertence a uma outra forma de vida que habita este planeta. Pelo que entendi, bem antes de nós e dos cefalópodes.
- - - - -- Então é correto supor, meu pai, que exista uma infinidade de mundos, cada qual abrigando linhas evolucionárias diferentes, coexistindo em linhas alternativas do tempo?
- - - - -- Sim.
- - - - -- Mas este humanóide provém do mesmo reino animal, ao qual pertencemos?
- - - - -- Em linhas gerais, somos produtos de mesmo filo. Apesar de algumas diferenças aqui e ali existem outras características que nos unem conforme percebeu Lineu. Dois olhos, quatro membros, um cérebro na parte superior do corpo, uma coluna vertebral e assim por diante. Talvez o tempo tenha concedido uma chance a muitos filos, como podemos constatar pelos cefalópodes e agora pelo Estranho.
- - - - -- Continue pai.
- - - - -- Como nós, este Estranho é produto de uma cultura, que perdura há muito mais tempo que a nossa. E pelas características do Estranho suponho que se originou de algum tipo de réptil. Talvez dos dinossauros, que diferente de nossa linha temporal, por razões ainda a serem descobertas, não se extinguiram.
- - - - -- E o impacto que esta aparição causou nos cefalópodes foi tremenda pelo que posso deduzir.
- - - - -- De fato. Eles estavam tão seguros de sua superioridade, de sua exclusividade, que foi como um banho de água fria em suas esdrúxulas concepções de singularidade. Tiveram que dobrá-la a um poder mais forte.
- - - - -- Mas tal ser, chegou a usar a força, para poder sua vontade aos cefalópodes?
- - - - -- Não muita. Os poucos que tentaram reagir foram dominados por sua tecnologia superior.
- - - - -- Houve mortes então?
- - - - -- Pelo contrário. Cultura velha, sabedoria velha. Não lhes interessava causar qualquer dor ou sofrimento. A preservação da vida parece ser uma das leis que norteia sua cultura.
- - - - -- Creio que entendo pai. Quando uma civilização vive por tanto tempo, como suspeito que tenha durado a deles, acredito que acabem por abolir qualquer tipo de violência ou animosidade contra outras espécies.
- - - - -O velho viajante consentiu com um meneio da cabeça. .
- - - - -- Mas qual foi razão de aparecerem neste momento tão delicado para a humanidade? Simpatia por nossa espécie?
- - - - -Ele colocou as mãos sobre os ombros do filho ainda incrédulo, olhando fixamente. Pausadamente pesou cada palavra. - Quero que preste atenção. Muita atenção mesmo. A sua vinda, para este momento no tempo, parece ser a primeira vez para os seus sentidos, mas não é. É a terceira. E desta vez parece que conseguimos impedir seu estratagema. Apesar de lhe parecer o correto, seu artefato não só destruirá a máquina como a raça humana, como também muitas outras formas de vida inteligente, neste e em linhas temporais alternativas.
- - - - -- Mas pai, depois do que ficamos sabendo das estranhas crenças desta espécie. O desdém por outras inteligências. Que mais eu poderia fazer se não por um fim a esta maldita máquina construída por Clultoch. No meu entendimento, na minha lembrança, é a primeira vez que pratico tais atos.
- - - - -- Tanto não é, que logo destruímos seu rádio e o artefato que construiu, impedido-o de seguir adiante com seu plano de destruir a máquina.
- - - - -- Pai! Depois de tudo que aconteceu, como posso saber se o que está me contando, não passa de mais outra manipulação da parte deles?Inclusive a aparição do Estranho? Pare que fracassemos.
- - - - -- Procure se lembrar filho. De algo inusitado que tenha sentido.
- - - - -Então o filho do Viajante lembrou-se do momento em que utilizara o túnel para se transportar para a cidade subterrânea e vivenciara uma sensação que mal conseguira compreender. Agora ficava claro, que não era nenhum defeito daquele dispositivo ou qualquer outro efeito colateral. Eram duas realidades temporais, que haviam deixado de existir, manipuladas pelo Estranho. Ele percebera apenas como algo de que deveria se lembrar e não conseguira. Tais realidades haviam sido apagadas de sua memória. Ele, atônito voltou sua atenção às explicações do pai.
- - - - -- Você pode não se lembrar, mas como já lhe disse o Estranho do futuro com sua máquina, nos fez presenciar as duas sequências de acontecimentos. E ficamos terrificados com os seus resultados.
- - - - -O filho do Viajante, não conseguiu conter a surpresa. – Terríveis resultados? Quais?
- - - - -- Como já lhe disse, está é a terceira vez, que tentamos impedir os acontecimento que ocorreram a partir da sua chegada à cidade.
- - - - -O filho olhou bem nos olhos de seu pai, e fez a pergunta inevitável.
- - - - -- Mas o que foi que fiz afinal, nas outras duas vezes?
- - - - -Ele afastou-se, deu alguns passos e voltou-se, pesando novamente cada palavra que deveria falar.
- - - - -- Da primeira vez, seu plano funcionou perfeitamente, mas trouxe destruição não só a este planeta, como também às realidades mais próximas, numa escala inimaginável. Nestas, que eliminamos do registro temporal, a destruição da máquina do tempo pelo seu dispositivo, propagou-se nas duas direções, tanto para o passado como para o futuro, impedindo o surgimento da vida, a da nossa espécie e a dos cefalópodes, que jamais chegou a florescer. Tenho certeza, de que não era isso o que Clultoch pretendia e muito menos seu irmão. E como já lhe disse não se limitou só ao nosso.
- - - - -- Não?
- - - - -- E...?
- - - - -- Quanto mais próximas deste momento o efeito do que fez foi devastador. Para citar uma analogia, o fenômeno que provocou, comportou-se do mesmo modo quando atiramos uma pedra na superfície de um lago. No ponto onde ela a atinge provoca uma série de ondas que se espalham. Então, a partir deste epicentro, foi contaminando as outras, decrescendo à medida que se afastasse dele. Tal evento passou a ser estudado não só por outras inteligências futuras, como por outras habitantes destes mundos distantes, de forma a entendê-lo e evitá-lo, para que suas existências não fossem apagadas das suas respectivas realidades temporais.
- - - - - - Então... Este Estranho tentou por duas vezes evitar que eu ativasse o dispositivo que criei. Você e ele?
- - - - -- Não só eu. Clitanar e Clultoch também decidiram participar depois que o Estranho lhes mostrou as consequências de seu ato. Creio que tal viagem foi uma grande lição para ambos.
- - - - - - Numa máquina igual a sua?
- - - - -- Não meu filho. Um maquinário bem diferente do meu, apesar de utilizar alguns princípios semelhantes.
- - - - -- Mas o que mais impressionou a todos, foram os reflexos produzidos por seu aparelho. Nunca vi poder de aniquilaçáo tão grande. O que fez afinal?
- - - - -- Nem eu estou bem certo, pai. O que fiz, não se deu sob as condições controladas de um laboratório. Não podia confiar em nenhuma destas criaturas. Até precisei inventar uma história de que poderia travar a máquina de Clultoch, para poder fazê-la, mas era muito mais que isso.
- - - - -O filho do viajante procurou explicar ao pai, que em suas pesquisas em Cambridge, conheciam o conceito da antimatéria. Para cada partícula, sempre havia uma com carga oposta. Se assim era, deveria existir uma contrária a cronotrônica, um corpúsculo antitemporal. O que fez foi usar este pressuposto, para criar tais partículas, que em contanto com as emitidas pela máquina criada por Clultoch, se oporiam, destruindo-a e cessando seu efeito. Mas segundo o Viajante, o dispositivo extrapolou o seu objetivo inicial, iniciando uma reação em cadeia, que começou a se estender nos dois sentidos, eliminando faixas e mais faixas de realidades temporais.
- - - - -O filho do Viajante deu um suspiro de alívio e agradeceu ter sido impedido por este Estranho viajante. Pelo menos não seria ele o arauto de um apocalipse bem maior do que o eclipsaria a humanidade.
- - - - - - E agora, meu filho, neste momento relativo do tempo, parece que conseguimos impedir o inevitável. Por cautela removemos o localizador que se tornou irrelevante e o dispositivo, este sim, para evitar qualquer ação brusca da sua parte, pois sei que é muito impulsivo.
- - - - -Após ouvir estas palavras, o filho do Viajante, emudeceu, tentando por ordem nas ideias. Ele que estivera convencido de que fazia o papel do herói, sacrificando-se para salvar a humanidade, sentia-se apenas como um instrumento do Armagedon. Tudo que antes parecera tão claro, agora parecia não fazer o menor sentido. O que era o certo? O que era o errado?
- - - - -Os grandes octopóides que haviam se afastado, esperando pacientemente a explicação do pai ao filho, perceberam seu constrangimento e também o quanto se arrependiam. Clolpolnar aproximou-se dele, carregando num dos tentáculos a preciosa barra de cristal. Talvez mantendo ainda uma certa simpatia, por aquela criatura do passado que o auxiliara uma vez. Como representante de uma nova geração, possivelmente tentaria mudar uma crença, que na prática se mostrara infeliz e que graças, justamente a uma outra inteligência, os salvara da inexistência.
- - - - -Depois de tudo que acontecera, qualquer ser humano, reagiria instintivamente à aproximação daquele ser enorme e a reação do jovem não foi diferente. E não era para menos. A forma estranha como se locomoviam, e a constante agitação dos tentáculos, sempre numa aproximação sorrateira, dificilmente indicava quais eram as intenções. Suas enormes cabeças, com dois imensos olhos, constantemente cobertos por pálpebras transparentes, criavam um quadro de certo apreensão, difícil de evitar. Mas desta vez, com o pai ao lado, sentiu-se mais seguro e apesar de ter-se afastado um pouco, aguardou o contato que se dependesse dele, procuraria evitar.
- - - - -Conforme o filho do Viajante descreveu, ele carregava consigo um instrumento cedido pelo Estranho, bem diferente daquela máquina de tradução, bastante rude, que seu pai construíra e da qual se servira muitas vezes para comunicar-se com eles.
- - - - -Esta parecia ser bem mais sofisticada e agora dispunham de um apetrecho que conseguia integrar as cores a um alfabeto vocálico, que interpretava e traduzia a língua destes seres, centena de vezes, mais rápido do que o outro, o que permitiu um diálogo rápido e mais fluente.
- - - - -- Uthar... Entendo sua confusão... A expressão que usam, como jeito de dizer o que é a verdade... Está presente em nosso povo também... E reconhecemos nosso erro... Os mais velhos, ainda são orgulhosos... Mas sei que acabarão concordando. Só posso lhe pedir que aceite minhas desculpas em nome deles... Sverrr... E lhe entrego algo que lhe pertence.
- - - - -Ele delicadamente estendeu com outros tentáculos a mão do filho do viajante e lhe passou o objeto. Em seguida fez um sinal e um outro auxiliar, prontamente entregou-lhe a mochila com a qual iniciara a viagem pelo tempo em busca do pai. .
- - - - -O filho do Viajante olhou para a barra e depois fitou seus grandes olhos, que às vezes pareciam transmitir uma vaga forma de sentimento. Talvez fosse só uma impressão. Em agradecimento, gesticulou a cabeça.
- - - - -- É verdade... Que nosso povo... Alguns, não todos... Eskaar... Pensam ser um desvio, do que é natural... A existência de outras inteligências... Eu pensava assim... Também... Skverr.
- - - - -- Estou a par disto. – disse ele. – Mas não sei se posso acreditar mais em suas palavras.
- - - - -- Meu pai... Contou-me... Quando chegou aqui... Uthar... Ser filho do outro, mais velho... Como eu... Ainda todos cautelosos... Skverr... Todos agora concordam... Destruir outras vidas... Sacrilégio, agora em nossos costumes...
- - - - -- Então se o desrespeito a vida é um sacrilégio, qual foi a razão do acidente que presenciei? Naquele momento não sabiam da minha presença em seu mundo, portanto não foi uma farsa. Farsa foi esta estória que nos contaram desde que cheguei. Um lado mentindo sobre o outro em nos defender.
- - - - - - Uthar? Farsa? Sim... Uma farsa. Uthar... Acidente, verdadeiro.
- - - - -- Verdadeiro?
- - - - -- Skverr... Apenas luta... Posse Máquina. Eu... Envolvido. Causa... Uthar... Meu pai.
- - - - -O filho do Viajante poderia ter deixado o filho de Clultoch morrer naquela briga familiar pela posse da máquina que destruiria a raça humana. Talvez tivesse confirmado a maneira como viam os humanos. Mas não se arrependia de tê-lo ajudado e esperava que isso lhes servisse de lição, quanto ao conceito que faziam de outras formas de vida diferentes das suas. Mas era tarde demais para levar isto em consideração. Resoluto ele foi direto ao ponto central da questão.
- - - - -- Então o que quer agora?
- - - - -- Uthar... Que vão embora... Só isso... A vergonha muito grande...
- - - - -De repente, o Estranho se aproximou com a plataforma flutuante. Olhou calmamente para todos e apenas se fez entender, através do aparelho que o cefalópode segurava. – Vocês teem a solução... Devem partir agora... O erro foi corrigido... A ameaça não existe mais... Lembrem-se da solução...
- - - - -O filho do viajante não entendeu, a principio, aquelas palavras. De que solução ele estava falando?
- - - - -Ele virou-se para o pai. – Isto é verdade? Nós temos a solução?
- - - - -- Se ele diz que sim, depois do que fez, acredito em suas palavras, meu filho. Seja qual for ela temos uma obrigação com a raça humana e não podemos colocá-la em perigo. O que acha? Devemos partir agora e encontrá-la por nós mesmos?
- - - - -- Eu ainda não estou bem certo pai, mas creio que o tempo procura corrigir certos eventos, que são pontos chaves na trama dos acontecimentos. O Estranho só fez as coisas se manterem assim. Precisamos estar preparados para fazer com que esta solução, provoque o menor dano possível e que a máquina deles nunca seja construída. Só assim poderemos sair daqui seguros de que não representa mais nenhuma ameaça.
- - - - -- Tem alguma idéia de como vamos fazer isto filho?
- - - - -- Ainda não estou bem certo. Tenho um palpite. Mas juntos descobriremos se é o certo.
- - - - - Em seguida ele pôs a mão no ombro do pai e lamentou. – Há muita coisa que gostaria de aprender com o Estranho.
- - - - -- O que seria?
- - - - -- Entender exatamente o que é a matéria, espaço, tempo, tudo isso junto.
- - - - -- Entenda assim meu filho. Lidamos com forças que ainda mal compreendemos e talvez seja mais sábio, entendê-las aos poucos. Mesmo no seu estudo em Cambridge, com toda atualização do conhecimento sobre a natureza da matéria, há ainda muitos espaços em branco. Talvez venha aprender que quer saber no momento certo.
- - - - -- De fato, meu Pai. Einstein, Heisenberg e outros revolucionaram o modo como vemos o mundo. Ele é muito mais complexo do que imaginávamos. Aquela idéia simples dos gregos atomistas, revelou-se um conceito simples demais. Precisamos avançar muito ainda.
- - - - - - Mas acha que devemos perder esta oportunidade de aprendermos mais com ele?
- - - - -- A civilização do Estranho deve entender mais do espaço-tempo do que nós. Estão mais avançados neste campo, do que nosso orgulho permite reconhecer. Mas vamos dar tempo ao tempo, e aprender por nós mesmos. Assim faremos ciência do nosso modo, do jeito que estamos acostumados. Avançarmos demais, como já percebeu, só trará problemas para os quais ainda não encontramos a resposta.
- - - - -- E quanto aos mundos alternativos que viu? Como são eles?
- - - - -- Não estou bem certo sobre o que vi nestes mundos paralelos ao nosso. Alguns talvez não sejam. Voltamos e avançamos tantas vezes no tempo, que em algumas linhas temporais, como a nossa, nosso planeta possuiu um ciclo biológico, não descoberto pela nossa ciência. Há cada sete milhões de anos, este ciclo que denominarei de Intervalos de Complexidade Biológica, cria condições para o aparecimento de novas formas de inteligência, ocupando o espaço deixado pela anterior. É algo maravilhoso, que não havia percebido, quando da primeira vez, desesperado com a perda de Weena, singrara o tempo até o fim do nosso mundo.
- - - - -O filho do Viajante ficou em silêncio, tentando absorver as palavras do pai, e medindo as conseqüências de suas ações. Estava, profundamente arrependido. Ainda mais que se dera conta de que prejudicara a ordem natural do planeta que não se limitava a apenas a existência do homem.
- - - - -- Entende agora, o que sua ação fez e por que tinha de impedi-lo?
- - - - -O filho do Viajante estava chocado e mais ainda, inconformado, por ter sido manipulado tão facilmente, pelos cefalópodes. Sentiu-se mal e precisou do amparo do progenitor, para não cair.
- - - - -Ele o ajudou a sentar-se no chão para se recuperar mentalmente do grande erro que cometera. Por sorte o Viajante, estava no lugar certo, para impedir uma catástrofe pior, do que imaginara.

Capítulo 20 – O retorno e a óbvia solução.

- - - - -Não havia mais o que fazer naquele lugar. Clultoch e Clitanar, talvez houvessem aprendido uma lição ou não, mas com certeza, suas crenças estavam mais que abaladas. Talvez isso fosse um ponto de mudança em sua sociedade, como dissera Clulvanam e quem sabe o que viria depois? Pelo menos a Terra como a conhecíamos, nosso velho mundo; estava fora de perigo.
- - - - -Mas ainda pairava um mistério. Como impediriam toda aquela seqüência de acontecimentos?
- - - - -Diante daqueles olhares, que ainda hesitavam em se desligar de ideias que tinham permeado toda a sua história, não haveria despedidas e nem agradecimentos. Apenas queriam rumar para casa e esquecer, na medida do possível, tudo aquilo. Já que eles encontrariam um meio da humanidade não ser mais ameaçada, o principal a fazer naquele momento, era por um ponto final naquela história, retornando à nossa época com o Viajante.
- - - - -O Estranho, demonstrando como sua ciência era mais avançada do que a nossa e até a dos cefalópodes, retirou do cinto um pequeno bastão, e apontou na direção dos dois homens. Com um simples gesto, passando uma das mãos por cima dele, este emitiu um foco de luz esverdeado, que incidiu sobre seus corpos, transportando-os imediatamente para a coluna onde a Máquina do Tempo estava escondida.
- - - - -O Estranho não os acompanhou. Depois de tudo que fizera, merecia um agradecimento. Talvez não fosse dado a este tipo de sentimentalismo. O filho do Viajante, assim que se viu embaixo da via suspensa, como já fizera com a outra barra, milhões de anos atrás, entregou-a a seu pai.
- - - - -Cauteloso como era, o Viajante do Tempo, pediu-lhe que aguardasse. Rapidamente se desvencilhou dos tufos ressequidos que cobriam a Máquina do Tempo e a arrastou para um dos lados, para verificar se estava intacta. Foi um gesto inesperado, mas providencial. Se não o tivesse feito, as duas máquinas se chocariam, quando voltasse ao laboratório.
- - - - - Depois de se certificar que tudo estava no lugar, pegou a barra das mãos do filho e a colocou no painel, ajustando as coordenadas. Deram uma última olhada para aquele mundo que nunca mais visitariam e que gostariam de esquecer. Aliviados por estarem finalmente juntos e salvos, o Viajante e seu filho se acomodaram no assento e ele acionou o prato cronotrônico que começou a girar lentamente. Mas uma última surpresa os aguardava.
- - - - -Lentamente, vários vultos, foram se materializando, nas proximidades de onde estavam. Constituíam-se nas mais diversas formas de vida inteligente, vindas algumas de realidades paralelas e outras, de futuros que ainda aconteceriam. Estavam todos ali, num ponto onde todos os tempos e Terras convergiam. Queriam se certificar de que seus mundos continuariam existindo. Que tudo voltaria à normalidade. Por último, surgiu o Estranho, que se dirigiu calmamente na direção dos dois. Pelo menos poderiam lhe agradecer a hecatombe que evitara.
- - - - -O filho do Viajante o olhou pela última vez e fez um gesto de despedida, no que foi correspondido. Pela aparência, assemelhava-se mesmo a um réptil. Provavelmente, viera, como seu pai suspeitara, de uma linha temporal alternativa, um mundo paralelo, onde os dinossauros tinham evoluído para formas inteligentes e o homem, jamais surgiria.
- - - - - Ele apenas fez um outro gesto, antes que partissem e entregou-lhes um pequeno objeto, que na falta de uma descrição melhor, classificaram como a caixa, mas era mais do que isso pela complexidade. Para surpresa dos dois ele deu um sorriso, um pouco assustador por sinal, tendo em vista, a quantidade de dentes pontiagudos que deixava transparecer.
- - - - -Deu meia volta e desapareceu. Como luzes se apagando, uma a uma as criaturas foram desaparecendo e o Viajante fez o mesmo. Acelerou o prato, rumando para o tempo em que naquele mesmo local, existira a sua oficina.
- - - - -O resto da viagem correu da forma habitual e assim que se chegaram, viram-se prensados entre a outra máquina, eu e Weena. Por um breve lapso de tempo o Viajante viu o sorriso no rosto do filho, que ao ter certeza de que conseguiria resgatá-lo, partiu sem ouvir o alerta do seu filho sobre os cefalópodes.
- - - - -A partir deste ponto, não havia mais necessidades de cartas. Eu mesmo fui testemunha do ocorreu. Vi emocionado, quando Weena abraçou os dois, aliviada por vê-los de volta, apesar do estranho trajes de seu marido.
- - - - -Acompanhei, quando pai e filho descobriram quase que ao mesmo tempo o que era a coisa certa a fazer. Era óbvia demais. Não precisariam consertar mais nada, muito pelo contrário. Apenas destruir para construir um futuro melhor.
- - - - -Já descrevi em detalhes o que ocorreu em seguida. Deixei apenas de acrescentar que nada, nenhum pedaço, por menor que fosse, seria colocado numa caixa de cimento, para escondê-la da humanidade. Fora este o seu maior erro. Não haveria restos para serem descobertos no futuro.
- - - - -Vi um engenho que poderia desvendar o futuro e talvez até modificá-lo, ser transformado num monte de peças retorcidas e espalhadas pelo piso rústico da oficina.
- - - - -Ainda não consigo esquecer a tristeza que senti ao ver aqueles delicados cristais transformados em simples areia vitrificada, misturadas à massa irreconhecível de metais, que foram levados dias depois a uma fundição.
- - - - -Assim, sem heroísmos ou grandes cenas históricas, o Viajante com seu filho e Weena se retiraram daquele local para nunca mais retornarem e viverem, como disse uma vez, o melhor que o nosso limitado tempo de vida, pode nos dar.
- - - - -Tudo o que havia dentro foi removido e a construção, demolida, e o terreno vendido para outro proprietário.
- - - - -O Sol já começava a se pôr, tingindo a água do lago, com uma cor rubra prenunciando mais o fim de um dia. Levantei, dobrando a última carta cuidadosamente, colocando-a entre as páginas do diário para o qual as transcrevia. Dei uma última olhada e suspirei, para toda a aquela mansidão maravilhosa e revigorante do parque, refletindo sobre a efemeridade das coisas que ali estavam.
- - - - -Era difícil imaginar que aquela área de recreação estava com seus dias contados, assim como tudo o mais a minha volta. Aquele pequeno pedaço, um capricho dos homens, para exaltar o que achavam de mais belo na natureza, duraria tanto quanto um piscar de olhos, diante da eternidade.
- - - - - Quanto a mim, voltei a meus negócios, guardado dentro do cofre do escritório a pequena caixa que o Estranho tinha ofertado ao Viajante. Nem ele teve curiosidade em saber o que era enquanto viveu. Apenas pediu que a guardasse longe de suas vistas.
- - - - -O que será que ela continha? Alguma forma de aviso, que o Viajante, não deveria ter ignorado? Ou apenas um presente? Nunca saberei.

Fim?

RONALD RAHAL
r o r a h a l @ t e r r a . c o m . b r

Contos e Livros Virtuais
de Ficção CIENTÍFICA
e Ficção FANTÁSTICA

ADENDO
Cabe aqui um comentário. Quando pai e filho retornaram da última viagem, destroem por completo a máquina do tempo. Então, ela jamais seria encontrada pelos octópodes, e o primeiro viajante jamais teria sido levado para o futuro. Mas os críticos que me perdoem, pois, permiti que tal paradoxo acontecesse para tornar possível a segunda parte e fazer uma reflexão filosófica sobre nosso pretenso domínio sobre a Terra e concepções religiosas equivocadas.